As forças de segurança angolanas detiveram na terça-feira 32 membros do Movimento Independentista de Cabinda (MIC) para tentarem evitar a realização, amanhã (sexta-feira), de uma marcha pacífica no enclave, revelou fonte do grupo. Leia também, sobre este mesmo assunto, a Carta Aberta de José Marcos Mavungo, activista dos Direitos Humanos.
Em declarações à Lusa por telefone a partir de Cabinda, Sebastião Macaia, secretário para a Informação do MIC, indicou que as detenções ocorreram na terça-feira, depois de, no dia anterior, as forças de segurança angolanas terem desencadeado uma operação para capturar o líder do movimento, Maurício Gimbi, o que não foi conseguido.
Segundo Sebastião Macaia, as forças de segurança angolana reagiram depois de o MIC ter entregue às autoridades provinciais o pré-aviso “da marcha pacífica”, marcada para sexta-feira para assinalar os 134 anos da assinatura do Tratado de Simulambuco, documento que, para os movimentos secessionistas do enclave, está na base da luta pela independência.
As forças de segurança angolanas, prosseguiu Sebastião Macaia, “invadiram cinco residências” de membros do MIC e, na do líder do movimento, só lá se encontrava a mãe e a irmã de Maurício Gimbi, com a primeira a ser “violentamente espancada” e a segunda, Madalena Gimbi, menor de 18 anos, a ser detida.
Após a operação, acrescentou o secretário para a Informação do MIC, Maurício Gimbi decidiu antecipar a marcha para terça-feira, sendo nessa altura que aconteceu a maioria das detenções dos apoiantes do movimento – 30 homens e duas mulheres -, que ainda permanecem detidos.
Entre os detidos, referiu Macaia, está também o secretário adjunto para a Informação do MIC, António Vítor Puma. No entanto, garantiu Macaia, a “marcha pacífica” de sexta-feira “continua de pé”.
“Face a todas estas perseguições, o Povo de Cabinda decidiu manter de pé a marcha pacífica”, que irá desfilar a partir do largo do antigo cemitério de Zangoio (ou “Parada dos Fiéis”) até ao largo onde se situa o monumento em memória do Tratado de Simulambuco, referiu o secretário para a Informação do MIC.
Na marcha, acrescentou, além de visar protestar “contra a colonização angolana e a favor da autodeterminação e independência de Cabinda”, vai também ser exigida a “libertação imediata” de todos os apoiantes do MIC detidos nas prisões do enclave angolano que faz fronteira com a República do Congo e com a República Democrática do Congo.
Em Agosto de 2017, a polícia de Cabinda prendeu 13 membros do MIC sob a acusação de “prática do crime de reuniões ilegais e contra a segurança do Estado”, tendo, no julgamento sumário realizado seis dias depois, o Tribunal Provincial local absolvido todos os visados.
A propósito desta situação, atentemos na Carta Aberta que José Marcos Mavungo, activista dos Direitos Humanos dirige “Aos Homens de boa vontade, às Instituições de Defesa dos Direitos Humanos”:
“Está programada uma manifestação pacífica em Cabinda para reclamar o direito do povo de Cabinda à sua autodeterminação, tendo em conta os factos históricos e jurídicos destes últimos 134 anos. Os organizadores cumpriram o seu dever de notificação à autoridade administrativa (neste caso, o Presidente da República e o Governador de Cabinda), no dia 7 de Janeiro de 2019.
Na sequência desta carta, e como de costume, o Governo Angolano decidiu fazer abortar a manifestação. Para o efeito, reforçou o seu dispositivo de segurança em Cabinda, e apertou o cerco aos activistas sociais e políticos. Nos dias 28 e 29 do corrente, foram detidos pelo menos 30 cidadãos (na sua maioria jovens), entre os quais todos os membros da direcção do Movimento Independentista de Cabinda (MIC), os organizadores da manifestação.
A lista provisória dos activistas sociais e políticos sob detenção se apresenta como segue:
Maurício Bufita Baza Gimbi (Presidente do MIC); António Marcos Soqui (Vice-Presidente do MIC); Alfredo Duda; Filipe Macaia Luemba; António Victor Tuma; José Pedro Buanga Diogo; Rúben Mavungo Domingos; Eduardo Muindo Matunda; João da Graça Mampuela (tio do presidente); João Mambimbi (cunhado do presidente); Marcos Futi Buengo Jacob; Bernardo Gimbi (pai do presidente); Maurício Tati; Filomão Bumba Futi Chiambi; Sebastião Quinga Barros; Celina da Graça Daniel; Madalena Marta Zovo Gimbi (irmã mais nova do presidente); José Manuel Ndalyahwila; Pedro Massiala Conde.
Entretanto, os activistas sociais de Cabinda mantêm a ideia de manifestar amanhã, dia 1 de Fevereiro de 2019. Neste momento, há uma forte tensão em Cabinda, e o braço de ferro entre as autoridades e os activistas sociais e políticos é uma realidade. A repressão, a vontade leonina na má governação destes últimos 43 tem sido tanta, que as populações de Cabinda, em especial os activistas sociais e políticos já não têm medo de ir para a rua, de reclamar os direitos que os ligam à sua terra.
Em suma, o território de Cabinda está a ferro e fogo, mergulhado num clima de intimidação e de insegurança, forcing direccionado para todos que, eventualmente, viessem a participar na actividade programada para amanhã, contrariando o direito de reunião e manifestação, previsto no artigo. 47.º da nova Constituição da República de Angola. Porém, os activistas sociais e políticos dizem que não vão baixar os olhos diante da peste (tchivunga, como se diz em ibinda) que elegeu domicílio em Cabinda nestes últimos 43 anos de Governação do MPLA. E não sabemos aonde este braço de ferro vai parar, mas bom fim não terá.
Importa sublinhar que, nestes últimos 43 anos, Cabinda tem sido o mais célebre território, o Pólo da ferocidade da ditadura reinante em Angola, com uma Governação própria a Estados colonizados de tipo feudal, que não permite aos Cabindas fazer qualquer reclamação ou organizar-se em associações de defesa dos direitos humanos, vigiados em todas as suas acções por agentes dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE) e pela Contra Inteligência Militar (GOISM) – sem direitos à justiça nem peso nas decisões sobre a sua terra, entre gritos e gemidos de dor, pobreza e doença, abuso de poder e clientelismo, corrupção e deficiência dos serviços administrativos, assassinatos e perseguições republicanas, detenções arbitrárias e julgamentos injustos.
A questão de Cabinda não pode continuar a ser pretexto para tortura, matanças e espoliação de todo um povo. Face à actual violência sistemática e com ela o caos, que cria Cabinda sobre os escombros de uma ditadura cleptocrática que nega os valores humanos, as regras da convivência democrática, ter-se-á, portanto, de encontrar a melhor forma de corrigir o erro visual da falsa normalidade proposta aos olhos do mundo por estes trágicos 43 anos dos Acordos de Alvor.
Lanço um apelo às instituições de defesa dos direitos humanos, aos homens de boa vontade que tomem a peito esta situação. Já não basta, pois viver o actual figurino sócio-político brutal em Cabinda, quase primitivo; é preciso pensá-lo e geri-lo na base de um diálogo franco e aberto”.