Os deputados angolanos do MPLA (partido no Poder desde 1975) Higino Carneiro e Manuel Rabelais, ambos arguidos em processos que envolvem acusações de peculato, entre outros crimes, estão impedidos de sair do país, decidiu hoje a Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana. Ambos os suspeitos, mas sobretudo Rabelais, parece ser um chuinga. Presidente mastigou, saboreou e depois deitou fora.
Em comunicado distribuído hoje à imprensa, a PGR refere que Manuel Rabelais, deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA foi constituído arguido por haver indícios de factos que constituem “actos de gestão danosa de bens públicos, praticados enquanto director do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e marketing (GRECIMA)”, entre 2012 e 2017, anos em que ajudou de forma decisiva o MPLA e os seus principais dirigentes, entre os quais José Eduardo dos Santos e João Lourenço, a vencerem de forma fraudulenta as eleições.
Manuel Rabelais, que foi impedido de sair do país no dia 24 de Janeiro, quando pretendia viajar para Portugal, foi ouvido em interrogatório pelo Ministério Público, existindo indícios – segundo a versão acusatória – da prática dos crimes de peculato, violação de normas de execução do plano e orçamento, abuso de poder, associação criminosa, corrupção passiva e branqueamento de capitais.
Face à gravidade das infracções, refere o comunicado, ao deputado foram aplicadas as medidas de coacção pessoal de termo de identidade e residência, obrigação de apresentação periódica às autoridades e a interdição de saída do país.
O processo segue os trâmites para a sua conclusão e o arguido pode “continuar a desempenhar as suas funções de deputado à Assembleia Nacional”, refere a nota da PGR.
Relativamente ao deputado Higino Carneiro, interrogado pela primeira vez na terça-feira, na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), a PGR avança que há suspeitas de gestão danosa de bens públicos, praticados enquanto governador da província de Luanda, no período entre 2016 e 2017.
Da sua audição, resultaram indícios da prática dos crimes de peculato, violação de normas de execução do plano e orçamento, abuso de poder, associação criminosa, corrupção passiva e branqueamento de capitais.
Pela gravidade das infracções, o Ministério Público aplicou como medidas de coacção pessoal o termo de identidade e residência, obrigação de apresentação periódica às autoridades e a interdição de saída do país.
Enquanto prossegue o processo até à sua conclusão, o deputado pode continuar a exercer as suas funções no Parlamento angolano.
Rabelais, de chiclete de Dos Santos a chuinga de JLo
O Presidente de Angola, João Lourenço, criou, por decreto, um grupo de trabalho para criar um plano para melhorar a imagem institucional do Governo. Os decretos Presidenciais n.º 89/12 e nº 90/12 de 18 de Maio de 2012 tinham criado o GRECIMA (Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração).
O Gabinete criado por José Eduardo dos Santos, então considerado – mesmo por João Lourenço – o “escolhido de Deus”, tinha por missão dinamizar o apoio técnico ao Presidente da República na coordenação e implementação das linhas político-estratégicas relativas à comunicação institucional e marketing da República de Angola e do Executivo, a nível interno e externo. Foi-lhe dada autonomia administrativa, financeira e patrimonial e dependia do Presidente da República.
O GRECIMA, no desempenho das funções que lhe foram atribuídas, desenvolvia várias iniciativas e programas destinados a salientar e difundir, sem olhar a custos, a nova Angola (do MPLA, mais propriamente dito) em paz e em desenvolvimento, que deixava no passado décadas de conflito e avançava, confiante para um futuro de prosperidade partilhada e desenvolvimento participado. Actividades de formação e comunicação eram – diziam – planeadas para envolverem a sociedade civil e engajarem os angolanos.
Este programa, citamos o site do organismo, visava promover a Educação Patriótica, pela valorização dos Símbolos Nacionais e pela promoção das figuras históricas da luta de resistência anticolonial e de libertação nacional, bem como, do processo de democratização e consolidação do Estado democrático de direito.
Promovia, ainda, a coesão social levando junto das populações informação e meios educativos nas áreas da saúde, justiça, educação cívica e patriótica, educação rodoviária, emprego, literatura, microcrédito, integração social, habitação, infra-estruturas, saneamento básico, redes de águas e outros projectos sociais.
Outro objectivo consistia em impulsionar, nacional e internacionalmente, o orgulho pela nacionalidade Angolana. Promover os sectores da cultura, as artes, a gastronomia, literatura, desporto, artes, música, moda, fotografia, geografia, inovação. Promover a produção, o consumo e o empreendimento nacional. Promover no exterior o orgulho nacional junto das comunidades e junto dos principais fóruns de opinião do mundo.
Finalmente, “Amo Angola” pretendia promover a compilação, edição e divulgação de materiais mediáticos sobre o que de melhor se tem e se cria no País.
Esta iniciativa desenvolvia-se em três frentes, visando divulgar, no país e no mundo, a literatura, gastronomia e artesanato angolanos.
A intervenção da iniciativa “Angola Cria” na área da literatura tinha como objectivo celebrar e promover os escritores nacionais, a língua portuguesa e a literatura Angolana, no interior e no exterior do País.
Incentivo à participação de todos os Angolanos no levantamento da sua cultura imbuída de sabores únicos, que assim terão oportunidade de a mostrar ao mundo, promovendo-a aos olhos da nação e do exterior.
Pretendia também, dizia-se, contribuir para o estímulo da criatividade dos artesãos nacionais e para o seu desenvolvimento económico e projecção internacional. Tinha ainda como objectivo ajudar a preservar uma das heranças culturais com maior presença tanto no interior como no exterior do País.
Os programas televisivos de qualidade eram outra forma de intervenção junto da sociedade angolana, mobilizando-a para participar na construção do seu futuro e orgulhar-se do seu país.
“Angola Magazine”, era difundido às segundas-feiras, após Telejornal na TPA 1. Destacava, através de uma abordagem mais profunda do que o permitido pelos noticiários diários, acontecimentos recentes de importância política, económica, social e cultural.
“Gente da Banda”, no ar à terça-feira, após o Telejornal na TPA 1, traria à banda os angolanos que vivem e honram o seu país… noutros países. Eram crónicas de vidas angolanas na Europa, América do Norte e do Sul e noutros países africanos.
“Vencedores”, traria à antena da TPA 1, quinta-feira depois do Telejornal, a história de um angolano ou angolana de sucesso que, contra tudo e contra todos se afirmou no mundo empresarial através do trabalho árduo, digno e incansável.
“Amar Angola”, transmitido à sexta-feira, depois do telejornal da TPA 1, revelaria a história de um estrangeiro que ama tanto Angola que… nunca mais se foi embora. Fosse uma cabeleireira portuguesa, um diplomata cubano ou um engenheiro sul-africano, todos têm em comum um amor por esta terra a que decidiram chamar o seu novo lar.
O GRECIMA promovia, também, acções de formação destinadas a contribuir para uma maior eficácia na comunicação com a opinião pública interna e externa.
Dialogar em monólogo
Em Abril de 2016 o país ficou feliz. Ficou a saber-se que o Governo de José Eduardo dos Santos iria passar a realizar ‘briefings’ semanais com os jornalistas, em Luanda, intenção anunciada no dia 6, e que visava ultrapassar o “défice” de informação do executivo.
Apesar de ser um uma iniciativa do Governo, o anúncio foi feito pelo secretário do Presidente da República (pois, são uma e a mesma coisa) para os assuntos da comunicação institucional e imprensa, Manuel Rabelais, num encontro de trabalho com os jornalistas, em Luanda, perspectivando o início destes encontros, que envolveriam ministros e outros membros do Governo.
Os ‘briefings’ semanais com a comunicação social tinham como objectivo, explicou o também director do Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), passar por uma relação “mais profissional” com os jornalistas, que habitualmente se queixam das limitações no acesso às fontes e dados do executivo.
“Pretendemos ultrapassar o grande défice de informação do Governo”, admitiu Manuel Rabelais, durante este encontro com os jornalistas acreditados em Luanda.
Em Janeiro ficara-se a saber que, afinal, a comunicação institucional e de imprensa de todos os ministérios e governos provinciais de Angola iria passar a ser coordenada pelo Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa (GCII), único, criado por decreto presidencial de 29 de Dezembro de 2015.
Segundo o documento, que surgiu na sequência da estratégia de comunicação do Executivo, além de concentrar a actividade, este gabinete iria incorporar os profissionais ao serviço dos gabinetes de imprensa dos vários órgãos e departamentos ministeriais, impedindo o desempenho da actividade de assessoria por jornalistas, uma prática habitual em Angola.
“Aos quadros que integram o GCII é vedado em absoluto o exercício da profissão de jornalista, bem como actividade de free lancer, analista de programas, emissor particular de opiniões, colaboração ou participação como efectivo de qualquer debate e tratamento de matérias jornalísticas (…)”, lia-se no mesmo decreto, assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos.
A criação do GCII, incorporando todos os gabinetes de imprensa dos órgãos públicos, surgiu pela “necessidade de se reforçar a divulgação das acções dos órgãos e serviços da administração pública do Estado, através de informação especializada”.
“Havendo necessidade de se criar um serviço de especialidade em comunicação institucional e imprensa nos departamentos ministeriais, governos provinciais e demais serviços da administração pública”, referia ainda o documento.
O novo gabinete teria como funções apoiar os departamentos ministeriais e governos provinciais nas áreas de comunicação institucional e imprensa e na elaboração dos planos de comunicação “em consonância com as directivas estratégicas emanadas pelo Ministério da Comunicação Social e o GRECIMA”.
Apresentar “planos de gestão de crise”, elaborar discursos e mensagens para os titulares dos respectivos órgãos, organizar eventos institucionais ou desenvolver campanhas de publicidade são, entre outras, responsabilidade do novo GCII, tutelado pelo Ministério da Comunicação Social e supervisionado pelo GRECIMA.
O perito Manuel Rabelais
Em Outubro de 2008, o então ministro da Comunicação Social, Manuel Rabelais, reiterou (como faz o Ministro João Melo no reinado de João Lourenço) na cidade do Uíge o apelo aos profissionais angolanos para praticarem um jornalismo objectivo, sério, isento, responsável e patriótico que respeitasse as disposições legais e os princípios deontológicos.
O melhor – escreveu na altura o Folha 8 – era pôr um dos muitos generais das Forças Armadas a dar “Educação Patriótica” aos jornalistas que restavam (não se incluem nesta classe profissional os profissionais do regime a trabalhar nos órgãos públicos).
(Não, não é brincadeira. Angola, 43 anos depois da independência, tem uma estrutura militar, tal como em qualquer ditadura marxista ao estilo dos Khmer Vermelhos de Pol Pot, para a “Educação Patriótica”)
“Este conjunto de diplomas legais e outros ainda por elaborar irão conformar as balizas dentro das quais o exercício da actividade jornalística deverá efectuar-se de forma legal, respeitando as outras liberdades e os direitos de cada um”, recordou então o ministro. Isso em 2008.
E recordou bem. É que alguns jornalistas angolanos teimavam e teimam em julgar que exercem a profissão num Estado de Direito Democrático. Ora isso não é verdade. E é preciso recordar-lhes (hoje com mais acutilância) o dever patriótico que têm em relação aos donos do poder, o MPLA desde 1975, e não em relação ao Povo.
“Os órgãos de comunicação social e os jornalistas devem, no cumprimento da sua missão social, conformar a sua acção não só aos princípios ético-deontológicos, como também ao princípio da responsabilidade social e patriótico”, frisou o então ministro. Exactamente Manuel Rabelais, depois secretário do Presidente da República para os assuntos da comunicação institucional e imprensa.
Portanto, caros companheiros, essa coisa dos princípios ético-deontológicos é muito bonita mas está subordinada ao “princípio da responsabilidade social e patriótica” o que, traduzindo, significa respeitinho pelos manuais do MPLA.
Folha 8 com Lusa