O Governo angolano anunciou esta quinta-feira que está a concluir a adesão à Convenção das Nações Unidas sobre Apatridia, que defende o direito dos apátridas, garantindo “trabalho” para o cumprimento das obrigações da convenção. É preciso anunciar? O Governo anuncia. É preciso subscrever? O Governos subscreve. É preciso cumprir? O Governo… não cumpre.
“F oram emitidas as cartas de adesão e já foi feito o seu depósito junto da ONU. Na próxima semana haverá uma conferência mundial, em Genebra, onde, sob os auspícios das Nações Unidas, vai fazer-se um balanço e continuidade da campanha para o banimento do estatuto da apatridia”, afirmou esta quinta-feira a secretária de Estado dos Direitos Humanos, Ana Celeste.
Segundo a governante, os instrumentos fazem parte de um conjunto de seis convenções internacionais, “muito importantes em matéria dos direitos humanos”, aprovadas, desde o início do ano, pelo conselho de ministros, cujas resoluções tiveram o aval do parlamento angolano.
A Constituição angolana, aprovada em 2010, “salvaguarda a protecção contra a apatridia” e com esta adesão, observou a governante, Angola estará obrigada “ao cumprimento das regras da Convenção e trabalhar para eliminar a situação da apatridia no país”.
Ana Celeste falava aos jornalistas, em Luanda, à margem da segunda conferência sobre a “Política Migratória e de Refugiados em Angola”, promovida pela Rede de Protecção ao Migrante e Refugiado em Angola.
Apresentar a Política Migratória de Angola, consciencializar a sociedade sobre a existência e importância do documento, promover reflexões à volta das diferentes disposições do documento e discutir o modelo de integração adoptado são alguns dos objectivos do encontro.
A sensibilização de instituições e da sociedade em geral para uma acção coordenada na protecção e garantia dos direitos humanos dos refugiados e migrantes é também tema de discussão nesta conferência.
Se nem todos os angolanos são gente…
A Comunidade de Refugiados em Angola (CRA) defendeu no dia 3 de Junho deste ano a “implementação urgente” da Lei sobre o Direito de Asilo e Estatuto de Refugiado, aprovada há quatro anos, considerando que a inobservância da lei deixa-os “vulneráveis” e “sem protecção jurídica”. Só seria de estranhar se Angola fosse o que (ainda) não é: um Estado de Direito.
“A Lei foi aprovada e publicada em diário da República, mas, até ao momento, não está a ser aplicada, daí a nossa preocupação, porque é uma protecção para todos os refugiados que está em falta, daí que julgamos merecer mais respeito das autoridades angolanas”, disse nesse dia o coordenador geral do CRA, Mussenguele Kopel.
A Lei 10/15 de 17 de Junho, a Lei sobre o Direito de Asilo e Estatuto de Refugiado, foi aprovada, coisa que o governo faz com toda a facilidade. Como disse Mussenguele Kopel, só “falta saber qual é a verdadeira intenção ou o que pensa o Governo angolano sobre nós”. Na verdade o Governo não pensa. Quanto muito tem uma… vaga ideia. E isso basta.
Para os refugiados em Angola, a ausência da implementação da lei faz com que enfrentem problemas relacionados com a “protecção jurídica e de prestação de apoio social”, devido à falta ou validação dos documentos de identificação de refugiados e requerentes de asilo.
“Estamos indocumentados e isso é um perigo, muitas consequências, temos refugiados voltados para a prostituição, criminalidade por falta de documentos, crianças sem registos”, apontou o coordenador dos refugiados em Angola.
“E receamos que com falta de implementação da lei para atribuição de estatuto de refugiados possamos ter muitos apátridas em Angola. É triste a nossa situação”, lamentou.
Segundo Mussenguele Kopel, a falta de documentos também leva a “detenções arbitrárias” de refugiados que se registam “diariamente no país”, considerando ser um “abuso de poder das autoridades policiais”, porque os refugiados “têm protecção na lei angolana e nas convenções internacionais”.
A existência de muitos requerentes de asilo indocumentados, a falta de emprego e de acesso aos serviços básicos, como saúde e educação, foram também preocupações manifestadas pelos refugiados.
Representantes dos Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, da Acção Social, Família e Promoção da Mulher de Angola, do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Angola e da Comissão Episcopal da Pastoral para os Migrantes solidarizaram-se com as inquietações dos refugiados.
Bem pregou “frei” Celso
Recorde-se que o secretário de Estado da Comunicação Social, Celso Malavoloneke, exortou no dia 31 de Agosto de 2018 os órgãos de comunicação do país a pautarem-se por um tratamento “humano e responsável” na abordagem sobre assuntos ligados aos refugiados em Angola.
Bem nos parecia que são os jornalistas os culpados. “Frei” Celso estaria a dizer-nos que devemos tratar os refugiados mais ou menos ao mesmo nível do que o Governo faz com os nossos 20 milhões de pobres? É isso, não é?
“O tratamento digno e humano dos refugiados por parte das sociedades hospedeiras tem muito a ver com a forma como a comunicação social trata a questão, ou seja, se a comunicação social fizer uma abordagem baseada nos direitos humanos e na responsabilidade colectiva”, disse Celso Malavoloneke, em Luanda.
Exceptuando a comunicação social do MPLA (do Estado, se preferirem), que entende ser mentira que Angola tenha 20 milhões de pobres, toda a outra trata os direitos humanos sem colocar o rótulo de refugiados externos ou de refugiados internos, com respeito, moral e ética.
Falando na cerimónia de abertura do balanço geral do ciclo de palestras sobre “Papel da Comunicação Social na protecção de Refugiados”, Malavoloneke referiu igualmente que, tal postura, “concorre para fácil aceitação do refugiado no meio social”.
“Mais fácil será para a sociedade aceitar o sacrifício da partilha dos recursos que são escassos com aqueles que, por circunstâncias alheias, são obrigados a deixar o seu país. E é a nossa expectativa que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Angola nos ajude a cumprir esse nosso papel social”, observou.
Pobres angolanos podem ser refugiados?
Sindika Dokolo, empresário, coleccionador, multimilionário, genro de sua majestade o ex-rei de Angola, medalha de honra da cidade do Porto (Portugal) – entre uma infinidade de outras coisas correlativas – anunciou em Maio de 2017 a entrega de 200 toneladas de arroz, óleo e farinha aos refugiados da República Democrática do Congo que fugiram para o leste de Angola.
Quanto aos 20 milhões de angolanos pobres… que esperem, que continuem a esperar, por melhores dias e por um governo competente que exista para servir os angolanos e não para se servir deles.
A doação foi feita através da Fundação Sindika Dokolo, que o empresário de nacionalidade congolesa criou em Luanda, destinada à recuperação e preservação da arte africana e afins, sendo os afins tudo o que se enquadra na estratégia de multiplicação de dólares e… afins.
“Estou chocado e amargurado de ver a barbárie que alguns dos refugiados provenientes da República Democrática do Congo sofreram. Sendo congolês e tendo crescido no Congo, não suporto ver a degradação das nossas populações e o jogo mórbida dos políticos de Kinshasa”, escreveu o empresário, casado com a mais emblemática milionária de África, Isabel dos Santos.
Será que a existência de 20 milhões de angolanos pobres também provoca em Sindika Dokolo um sentimento de choque e amargura? Convenhamos que esses angolanos não são propriamente prioritários na estratégia humanitária do genro de Eduardo dos Santos, tal como não o são na estratégia de João Lourenço. Compreende-se. Se também nunca foram prioritários para o sogro de Dokolo, nem são para o sucessor do sogro, porque carga de chuva o deveriam ser para ele?
Na altura as autoridades estimavam que mais de 25.000 refugiados da RD Congo tenham fugido para a Lunda Norte, no leste de Angola, para escapar aos violentos conflitos étnico-políticos na região do Kasai.
A doação foi descrita por Sindika Dokolo como uma “gota de água no oceano das necessidades”, mas também como um “gesto de fraternidade e solidariedade” para com os “irmãos, irmãs e filhos da RD Congo”.
Lindo. Lindo. Foi mesmo de puxar uma lágrima. Os refugiados precisam de ajuda. É claro que os 20 milhões de angolanos também precisam, mas estão melhor que os congoleses. Têm a barriga vazia, mas não são refugiados. E isso faz toda a diferença.
Só o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) ia na altura prestar assistência a 9.000 crianças refugiadas da RD Congo, 200 das quais chegaram sozinhas a território angolano e a necessitar de ajuda urgente, fugindo das acções das milícias congolesas.
Um comunicado daquela organização referia que as 9.000 crianças estavam distribuídas por dois centros de acolhimento temporários no Dundo, capital da província angolana da Lunda Norte.
Com o apoio das autoridades provinciais e outros parceiros, aquela agência das Nações Unidas referiu que tinha prestado ajuda a essas crianças e respectivas famílias, que estavam a chegar aos centros depois de dias ou semanas a viajar a pé, feridas por balas ou catanas, e a testemunharem “ataques violentos”.
As acções da organização estavam viradas para a garantia de serviços de saúde, água e saneamento, a vacinação das crianças contra o sarampo, medida “crucial para reduzir o risco de surtos”.
Folha 8 com Lusa