O Governo angolano anunciou hoje ter solicitado um programa de apoio ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para coordenação de políticas económicas, sem prever qualquer envelope financeiro associado. Sabendo-se o que, por cá, significa a palavra “prever”…
Em comunicado, o Ministério das Finanças, numa altura em que decorrem em Washington os Encontros da Primavera, promovido pelo FMI, nos quais a comitiva angolana é liderada pelo ministro das Finanças, Archer Mangueira, esclarece que o programa em causa é instrumento de Coordenação de Políticas Económicas (Policy Coordination Instrument – PCI).
“Que é um programa não financiado, que o [Governo angolano] auxiliará na implementação das medidas contidas no seu Programa de Estabilização Macroeconómica, iniciado em Janeiro do corrente ano, assim como servirá para o crescente aumento da credibilidade externa do nosso país com efeitos positivos na captação de Investimento Directo Estrangeiro”, lê-se no comunicado.
O Governo angolano prevê implementar até final do ano 109 medidas para melhorar as políticas fiscal, cambial e monetária, bem como garantir maior solidez ao sector financeiro, segundo o Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM), apresentado em Janeiro.
Para o efeito foram definidos 36 objectivos a atingir nas quatro áreas identificadas como de actuação prioritária, no quadro da crise económica e financeira que afecta Angola, casos da Política Fiscal, da Política Cambial (Indicadores e funcionamento do mercado de divisas), da Política Monetária (Gestão da inflação e da Liquidez na Economia), e Sector Financeiro (Solidez e robustez dos bancos).
Uma das medidas mais emblemáticas em preparação pelo Governo, que já deverá integrar o Orçamento Geral do Estado em 2019, prevê a adopção do regime de Imposto de Valor Acrescentado (IVA) em Angola.
No mesmo comunicado de hoje, o Ministério das Finanças recorda que a economia angolana enfrenta, desde o segundo semestre de 2014, “um período económico e financeiro adverso”, devido à quebra nas receitas com a exportação de petróleo, o que “teve sérias implicações nas contas fiscais do país, na balança de pagamentos, no mercado cambial e na economia real”.
Sublinha ainda que o Governo “tem adoptado várias medidas de gestão conjuntural para amortecer os impactos do choque do preço do petróleo”, nomeadamente de natureza fiscal, monetária e comercial, considerando mesmo que “o impacto do preço do petróleo exige igualmente a adopção de medidas estruturais e institucionais para o reforço da resiliência financeira e económica do país”.
Com o início da implementação, este ano, do Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, “Angola entra num novo ciclo, que será caracterizado por uma menor dependência do país dos recursos originários da produção petrolífera e por uma forte aposta na dinamização do sector privado da economia nacional, visando a promoção das exportações não petrolíferas e a substituição das importações”, justifica ainda o Governo angolano, sobre a assistência pedida ao FMI.
Ocultar a crónica incompetência
Recorde-se que o Ministério das Finanças de Angola justificou no dia 6 de Abril de 2016 o pedido de ajuda externa ao FMI com a necessidade de aplicar políticas macroeconómicas e reformas estruturais que diversifiquem a economia e respondam às necessidades financeiras do país. Tal como hoje.
Em Fevereiro de 2015, o FMI dizia que não via necessidade de um apoio financeiro a Angola, devido à quebra na cotação do barril do petróleo, mas advertia que, para ultrapassar as dificuldades, seria necessária uma distribuição dos sacrifícios.
Distribuição de sacrifícios significa, na linguagem do MPLA, tirar aos milhões que tê pouco para dar aos poucos que têm milhões. Simples. Por outras palavras, o FMI dizia a todos nós (e o MPLA potenciou esta tese) que o Povo deve ficar com os prejuízos e os governantes com os lucros. Nada de novo, portanto.
“Com o objectivo de desenhar políticas macroeconómicas e reformas que restaurem o crescimento económico forte e sustentável, de fortalecer a moldura institucional que suporta as políticas económicas, de lidar com as necessidades da balança de pagamento, e manter um nível adequado de reservas internacionais, o Governo pediu o apoio do FMI para complementar a atempada resposta ao declínio dos preços do petróleo”, lê-se num comunicado do Ministério das Finanças divulgado na altura
A posição de Fevereiro de 2015 foi assumida pelo chefe da missão de assistência técnica do FMI a Angola, Ricardo Velloso, na conclusão de uma semana (mais uma) de reuniões de trabalho com o Executivo angolano, no âmbito da supervisão financeira do país.
“Angola é um país muito importante para o FMI e, neste momento, o apoio, através deste diálogo e através do nosso programa de assistência técnica, está a ter efeitos muito positivos no país e não vemos, no momento, necessidade de um apoio financeiro”, disse o responsável do FMI.
Pouco mais de uno depois, o que então era verdade passou a ser mentira. Ou falhou o FMI (“através do nosso programa de assistência técnica, está a ter efeitos muito positivos no país e não vemos, no momento, necessidade de um apoio financeiro”) ou, como sempre, as autoridades angolanas estiveram-se nas tintas para as recomendações.
Garantindo que Angola “tem um futuro brilhante à sua frente”, o chefe desta delegação do FMI apontou (2015) a necessidade da “melhoria do clima de negócios” no país e a conclusão dos investimentos nas infra-estruturas do país, para que estes se tornem reprodutivos na economia.
Hoje, como desde há muito tempo, o FMI reedita tudo aquilo que há décadas é defendido pelos especialistas, mesmo alguns afectos ao regime, mas que o poder instituído mandou e manda para as calendas, convicto de que era e é dono da verdade.
“O Governo está, assim, empenhado nos objectivos da diversificação económica expostos no Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017 e considera que a preservação da estabilidade macroeconómica e a implementação de uma agenda de reformas estruturais ambiciosa são elementos essenciais para a estratégia de obtenção destes objectivos”, acrescentava o comunicado de 6 de Abril de 2016 do Ministério das Finanças.
Com o título “Angola está empenhada na diversificação económica com o apoio do FMI”, o texto assume que “o Governo está consciente da forte dependência que o sector petrolífero representa para a vulnerabilidade das finanças públicas e para a economia, mais globalmente”, argumentando que os esforços para diversificar a economia começaram “há muitos anos”.
“Os esforços sustentados desde há muitos anos para promover a diversificação económica já resultaram num significativo aumento da contribuição do sector não petrolífero no PIB de 68,1% hoje, comparado com os 40% dos anos 80, mas o petróleo representa ainda mais de 95% das receitas das exportações e 52% da receita fiscal em 2015”, pode ler-se nesse comunicado.
O documento indicava o empenho do Governo em garantir que estava comprometido com um conjunto de reformas para reforçar a estabilidade macroeconómica e financeira, bem como a transparência no sector bancário e nas finanças públicas, para além de melhorias na tributação.
“A curto prazo, os nossos esforços de diversificação vão estar focados na agricultura e pescas, minas, educação, serviços financeiros, água, saneamento básico e sectores da saúde”, lê-se no texto governamental, argumentando que “a expansão destes sectores é uma ferramenta importante na melhoria do emprego em todo o país, particularmente nas áreas rurais”.
Boas contas fazem todos
“A perspectiva é para uma recuperação que vai começar em 2017, mas há riscos negativos, incluindo uma descida mais acentuada nos preços do petróleo”, considerou Ricardo Velloso, que liderou mais uma missão do FMI a Angola quando, em Agosto de 2015, o país foi avaliado ao abrigo do artigo IV, uma análise anual à economia de cada um dos 188 estados membros do FMI.
Na avaliação, os peritos consideraram que a economia de Angola “foi severamente afectada pelo forte declínio dos preços no ano passado”, mas salientam que “um nível de reservas internacionais confortável permitiu equilibrar as consequências da queda do petróleo de forma mais suave do que em 2008-2009″, quando a recessão mundial fez os preços do petróleo caírem também de forma significativa.
Para além de insistir na diversificação económica (a tal que o regime diz agora estar a fazer “desde há muitos anos”) para compensar a forte dependência do país do petróleo, o FMI mostrou a dimensão da crise em Angola, dizendo que “a actividade económica deve abrandar por causa do ajustamento que os sectores industrial, da construção e dos serviços têm de fazer aos cortes no investimento público e no consumo privado, num cenário de forte redução da disponibilidade de moeda estrangeira”.
Isto significa que todos os sectores em Angola são afectados, e a recuperação só pode surgir se as políticas públicas levarem em consideração vários factores ao mesmo tempo, a começar na despesa: “Será crítico trazer a factura com o sector público, medido em percentagem do PIB, para valores mais em linha com a nova realidade das receitas do orçamento”.
A política orçamental, diz o FMI, deve privilegiar a despesa pública de qualidade, mais racional e sistematizada, o que significa que é preciso “avaliar, seleccionar e monitorizar os projectos do programa de investimentos públicos”.
Reavaliar os projectos e dar prioridade aos que “criam potencial de crescimento e reduzem a pobreza” são (ou eram) outras das prioridades, que o FMI considerava que já estavam vertidas no Plano de Desenvolvimento Nacional, mas salientava que ainda é preciso “uma atenção especial à melhoria do ambiente de investimento, infra-estrutura física e desenvolvimento do capital humano”.
Folha 8 com Lusa