A transigência como característica política

Como todos os povos, o angolano tem também as suas características que o fazem distinguir-se perante os outros, moldadas ao longo do tempo por diversos factores. As características podem ser positivas ou negativas, e em muitos casos a avaliação qualitativa é subjectiva.

Por Sedrick de Carvalho

Dentre as características positivas do angolano, algumas são referidas até em termos jocosos, como ser chamado de “um povo especial” pelo outrora presidente da República perante a sua capacidade de suportar todo o mal feito por um governo ao longo de décadas.

Sendo transversais, as características negativas aplicam-se a todos, mas realçam-se quando são exibidas por personalidades públicas, como os políticos, aos quais é cobrada uma representatividade positiva. Entretanto temos os nossos políticos com os mesmos nossos hábitos negativos, do povo, e não teria como ser diferente pois eles são feitos do mesmo tecido social angolano.

É desta forma que temos políticos sem compromisso, desobrigados com a defesa intransigente do bem comum. Tal como dificilmente cidadãos fazem campanha permanente contra ou a favor de determinada questão – por água, fornecimento de energia, demissão de maus administradores ou pela manutenção de uma escola -, os políticos também raramente o fazem.

Se não o fazem por questões colectivas, como as acima mencionadas ou por um processo de repatriamento de capitais que não seja branqueamento do dinheiro roubado, pelo menos que o fizessem em assuntos directamente ligados às suas organizações partidárias.

Vejamos a situação do falecido militante pela CASA-CE. Hilbert de Carvalho Ganga, morto por militar da Unidade de Guarda Presidencial, em 2013, quando fazia trabalho em nome da coligação, ou seja, de bandeira ao peito.

A semana finda, Arlete de Carvalho Ganga, irmã do malogrado, enviou uma carta ao presidente da República, posteriormente tornada pública, onde denuncia uma “clara intromissão da empresa [banco BPC, onde trabalha há 12 anos] na minha vida privada”, isto por se “empenhar activamente no exercício da cidadania, participando em protestos, vigílias e outras actividades do mesmo género”, e principalmente por continuar a exigir justiça pelo assassinato do irmão.

Arlete Ganga já várias vezes repudiou a maneira como a CASA-CE encarou e encara a morte de Hilbert, e claramente tem razão pelo seguinte: é preciso irredutibilidade perante actos macabros desta natureza em busca de responsabilização, a todo o instante, com campanhas permanentes e sem meias palavras. É isso que faltou à coligação, não beliscando o poder político – a morte foi por agente ao serviço da Presidência.

Finalizado o julgamento, com o autor inocentado, a CASA-CE arreou as mangas que nunca estiveram totalmente levantadas e baixou os braços que não estavam completamente ao alto. Encolheu-se!

Não sendo militante activo da CASA-CE, a recente vítima mortal ligada directamente ao seu presidente constitui outro desafio para Abel Chivukuvuku, depois de publicamente ter dito que o seu sobrinho Lucas foi assassinado por ter estado envolvido, enquanto funcionário da Procuradoria Geral da República, em processos de investigação contra a corrupção. Agora cabe-lhe ir até ao fim para que fique provada a sua afirmação, com punição aos assassinos.

O mesmo se pode dizer da UNITA quanto aos vários casos em que seus militantes são vítimas directas por intolerância política, desde Cacuaco ao Bocoio, deputados postos a correr por militares armados e inclusive presidente ferido publicamente. Não há campanha por responsabilização.

Nem convém citar os outros partidos políticos na oposição. Interessa, sim, citar o PRS, cuja base de apoio são as Lundas Norte e Sul, zonas onde dezenas de cidadãs e cidadãos são assassinadas e assassinados por forças de segurança privada ao serviço de generais sobejamente conhecidos e denunciados pela criminosa extracção de diamantes. Mas este partido não desenvolve uma campanha duradoura e agressiva para responsabilização e término desse massacre.

Ao contrário, o partido promotor de ilegalidades faz campanha permanente para impingir a sua visão, ainda que cada vez com menos sucesso. O MPLA é disciplinado na maldade, por isso sabe o impacto que uma campanha tem sobre o curso da narrativa e desfecho de questões fracturantes, como está a fazer com as autarquias neste momento – falaremos disso noutro artigo.

Porém, dois segmentos da sociedade também têm usado o poder das acções permanentes para obter resultados sobre determinados casos – os jornalistas e os activistas. Alguns órgãos de comunicação social passaram a trazer em suas manchetes – sobretudo os jornais –, de forma recorrente, os casos de impunidade e agora também as autarquias na perspectiva da sua implementação em todo território e não a gradual.

Conciliando o jornalismo com o activismo, Rafael Marques de Morais é a personalidade que se destaca em campanhas e deve servir de exemplo aos políticos na oposição para colocar fim à característica transigência. Mas há outros, poucos, activistas e jornalistas que passaram a agir coordenadamente.

E o Folha 8 consta deste exíguo grupo que, desde o seu surgimento, tem sido intransigente na defesa pelas liberdades e implementação duma democracia em Angola.

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