O crime organizado em Angola, sobretudo o tráfico de armas, drogas e de seres humanos, registou uma “ligeira subida”, revelou hoje o Serviço de Investigação Criminal (SIC) angolano, aludindo a dados do segundo trimestre de 2018.
A informação foi adiantada pelo director geral do SIC, Eugénio Alexandre, à margem do 4.º Conselho Consultivo Alargado deste órgão afecto ao Ministério do Interior que, sem avançar números, se manifestou preocupado com a situação que espera “reverter”.
“Não podemos falar em números, podemos falar apenas em percentagem, pois há casos que subiram apenas 2% ou 3%, noutros até mesmo a 5% e qualquer subida no número de crimes preocupa-nos”, disse.
Avaliar a situação criminal de Angola é o objectivo deste conselho consultivo, que congrega em Luanda os directores provinciais do SIC, para encontrar estratégias de combate aos “crimes violentos” que ainda se registam no país.
“O crime organizado existe no nosso país. O tráfico de armas também é uma preocupação. Aliás, também sobre esta temática, estamos a debruçar-nos e tudo vamos fazer para retirar o maior número de armas possíveis na mão dos marginais”, adiantou.
No domínio do combate ao tráfico de drogas, o director geral do SIC fez saber que as acções da corporação continuam voltadas para os traficantes, mas sobretudo aos “mandantes”, ou “barões”, dessas acções.
“Também estamos preocupados com o consumo e o tráfico interno de drogas. Os resultados têm sido positivos, mas só consideraremos que estamos a cumprir com o nosso papel quando chegarmos até aos mandantes, aos barões. Esse é o grande objectivo”, referiu.
A preocupação do Serviço de Investigação Criminal também é extensiva ao tráfico de seres humanos, disse Eugénio Alexandre, revelando ter conhecimento da existência de cidadãos angolanos que estão a ser levados para a Europa, África e América do Sul.
“Preocupa-nos igualmente esta situação. Há casos de cidadãos que são levados para Europa, alguns para países africanos que professam o Islão e, ultimamente, estamos a assistir a ida de angolanos para o México”, referiu.
“Aí, eu digo supostos angolanos, uma vez que conseguem documentos do nosso país e vão para o México com o propósito de atingir os Estados Unidos”, frisou.
Na abertura do encontro, o director geral do SIC garantiu ainda um “combate cerrado” aos crimes contra o património público e do Estado, aos roubos e furtos de viaturas e ainda ao garimpo de água, que se regista sobretudo na capital angolana.
Na reunião estão a ser analisados, entre outros temas, a Lei de Base de Investigação Criminal, os trâmites do expediente na execução dos actos processuais, o manual de investigação operativa e a situação disciplinar os efectivos do SIC.
Em relação à situação disciplinar dos efectivos do SIC, muitas vezes criticadas pela sociedade, sobretudo devido a alguns excessos, Eugénio Alexandre assumiu que há “alguns elementos que não reúnem condições para estar na corporação”.
“Temos feito um trabalho abnegado no sentido de expurgar esses elementos que cometem condutas indecorosas no nosso seio. Qualquer elemento do SIC que viola a lei e regulamentos existentes tem de ser punido como qualquer cidadão”, concluiu.
E por falar em tráfico
No documento, intitulado “Relatório sobre o Tráfico de Pessoas 2017″, elaborado pelo Gabinete para Monitorizar e Combater o Tráfico de Pessoas”, ligado do Departamento de Estado norte-americano, Angola manteve-se pelo segundo ano consecutivo no grupo de países que não cumprem todos os requisitos para combater o tráfico de pessoas. Salientando que o país está a envidar esforços nesse sentido, diziam que o Governo não efectuou quaisquer investigações às alegações de cumplicidade de altos dirigentes do país no tráfico de pessoas.
Segundo o relatório, ao longo dos últimos cinco anos, Angola tem sido a fonte e o destino de homens, mulheres e crianças ligadas ao tráfico sexual e trabalhos forçados, sobretudo nas áreas da construção civil, serviços domésticos, agricultura e no mercado diamantífero.
O perfil do tráfico elaborado pelo Departamento de Estado norte-americano aponta também, entre várias situações, que, a partir dos 13 anos, as raparigas são vítimas do tráfico sexual, e que os adultos angolanos forçam os jovens a partir dos 12 anos para actividades criminais, uma vez que as crianças não podem ser criminalizadas.
No documento, refere-se que Angola tem sido destino de mulheres do Brasil, Namíbia, RD Congo e Vietname, no quadro do tráfico sexual, enquanto a comunidade chinesa está a recrutar jovens mulheres para as empresas no país, com a promessa de emprego, deixando-as, depois, sem passaporte fechadas dentro de muros e forçadas a prostituírem-se para pagar os custos da viagem para terras angolanas.
No entanto, os EUA consideram que as autoridades angolanas têm estado a aumentar os esforços em relação ao que consta no relatório de 2016, destacando as primeiras condenações a penas pesadas de um número crescente de traficantes e a colaboração com instituições internacionais de combate ao crime organizado.
O Departamento de Estado norte-americano realçava também a criação de uma comissão interministerial que, desde 2014, tem (ou tinha) reunido com frequência e tomado medidas e decisões com impacto no combate ao fenómeno.
Para Washington, apesar de todos os esforços, o Governo de Luanda não conseguiu atingir os requisitos mínimos em “muitas áreas”, como, por exemplo, a criação do fundo de protecção de mecanismos, bem como legislação, abrigos e serviços médicos e psicológicos às vítimas, entre outros.
Nesse sentido, os EUA propunham a Luanda, entre outras questões, o aumento das investigações a situações de tráfico laboral e sexual, inclusivamente nos casos em que existe suspeita de cumplicidade de altos dirigentes do país, mais e melhor legislação para combater a “lavagem de capitais”, maior fiscalização aos locais de trabalho onde as suspeitas são maiores e melhorar também a assistência médica e jurídica às vítimas.
Recorde-se que, em 2015, um outro relatório do Departamento de Estado dos EUA já apontava Angola como país de “origem e destino” para tráfico de homens, mulheres e crianças para sexo e trabalhos forçados, também para Portugal.
Nesse documento afirmava-se que cidadãos chineses “exploram crianças angolanas” em “fábricas de tijolos, construção e actividades agrícolas” em Angola e que meninas a partir dos 13 anos são forçadas à prostituição.
“Mulheres angolanas e crianças são submetidas a servidão doméstica e escravidão sexual na África do Sul, Namíbia e países europeus, incluindo a Holanda e Portugal”, lê-se nesse documento.
Folha 8 com Lusa