No dia 11 de Janeiro de 2014, o Folha 8 publicou uma crónica intitulada, «O Comandante-Chefe não é Líder», em que aludia às qualidades e defeitos do camarada João Manuel Gonçalves Lourenço (JLo). O autor Domingos Kambunji, entre outras farpas lançava o seguinte comentário, «(…) nos seus monólogos, muito longos, repetitivos, a sua habitual lenga-lenga de incoerência reside na apresentação do MPLA com uma liderança visionária. Seria mais coerente e verdadeiro apresentar esse partido como uma alcateia salafrária».
Por William Tonet
Nesse mesmo ano, João Lourenço foi nomeado ministro da Defesa e hoje é o novo presidente da República de Angola a favor do resultado de uma campanha eleitoral falaciosa e uma eleição, realizada em Agosto de 2017, eivada de múltiplas infracções caracterizadas por várias e comprovadas violações da lei.
Durante essa campanha perguntámos aos nossos botões o que de real e convincente tinha dito ele ao longo dos cerca de 8 meses da sua, tão monumental quanto exuberante, peregrinação pelo país. Não encontrámos praticamente nada, por mais que tivéssemos procurado.
Mas sejamos correctos. Estamos hoje aqui para fazer a nossa mea-culpa, pois o que está a acontecer até hoje, desde a data da sua eleição, prova que nos enganámos, não redondamente, mas em parte, e estamos dispostos a continuar a penitenciar-nos pelo menos durante todo este mandato de JLo, quer dizer, até 2022, desde que ele consiga levar avante o cumprimento das promessas que fez.
Por seu lado, o ex-presidente, JES, que ia apoiando a propaganda partidária do seu “delfim” durante a campanha eleitoral, pensando nas suas entrelinhas mentais que na prática, tal como ele sempre fez ao longo de quase 40 anos que durou o seu consulado, as promessas que JLo fazia seriam boas para esquecer, deixou andar.
Bandeira!… Essas promessas não foram esquecidas. E JES, ao ver o filme a derrapar para uma frente de ataque à corrupção e a cada vez mais se parecer como um atestado de incompetência passado à sua “ex-clarividente estratégia política”, veio a público afirmar que o MPLA é que tem por função histórica o dever de “liderar o combate à corrupção e ao nepotismo no país, males que mancham a imagem do Estado e do Governo angolano”, como que a dizer, «Lourenço, deixa-te lá de ser porta-voz do “ÉME”, cala a boca!».
Por outra, no que diz respeito às exonerações dos seus filhotes, também veio a público mais tarde e, apesar de considerarmos que fez uma tristíssima figura por essa ocasião, gaguejou e fez marcha-à-ré, diga-se a verdade, conseguiu exprimir-se com alguma elevação de sentimentos, «As regras mudaram», disse ele, reconhecendo, «ipso facto», que o poder político tinha mudado de mão.
E o que é que vemos nisso?… Vemos um JES longe da sua endémica megalomania, a reconhecer o peso do voto universal e a obedecer à tradição e à ética democrática, coisa de que raríssimas vezes, para não dizer nunca, deu provas ao longo de mais de quarenta anos de poder.
Mas também desconfiamos que por ali há um pouco do seu maquiavelismo.
Pois é… e se tudo isso for mais uma finta?
Tanto mais provável isso é que, na sessão do Comité Central do MPLA que se seguiu a esta tirada democrática, saiu um documento surpreendente em que está escrito, preto no branco, que o MPLA e todos os seus militantes têm por dever dar inteiro apoio a JLo! Depois de JLo lhe ter passado um atestado de incompetência e exonerado os seus filhotes!?…
Bizarro, diríamos mesmo mais, muito bizarro. Mas, convém fazer a vénia, era a única posição inteligente que JES podia ter tomado.
Perante esta aparente submissão de JES, a que se seguiu a sua decisão de abandonar a chefia do MPLA, a questão que se levanta é a do preço que isso teria custado a João Lourenço.
Como em assuntos ligados ao MPLA impera sempre a opacidade, só nos resta presumir, isto para não dizer especular.
E, para assentar em bases sólidas, apenas uma hipótese é defensável ao visto da frouxa energia e fraca determinação de lutar contra a corrupção e outras violações dos direitos do povo de Angola, estamos em crer que JES conseguiu, mesmo depois de ser certo que vai abandonar a presidência do MPLA em Setembro próximo, manter o seu sucessor fiel legatário da ideologia do MPLA. Isto para não dizer refém.
O que JLo disse escreve-se?
Durante a sua viagem a França, o presidente da República concedeu uma entrevista à Radio France Internationale (RFI), na qual assegura que não há qualquer tipo de violação de Direitos Humanos em Angola.
Durante a entrevista, conduzida por Neidy Ribeiro, João Lourenço vai respondendo às perguntas da enviada especial da RFI com outras perguntas. À questão «Qual é que é o seu olhar sobre as denúncias de direitos humanos em Angola? Falo do processo de Rafael Marques e o caso de um manifestante que participava numa marcha alusiva ao 27 de Maio que está hospitalizado?”, o PR responde com uma pergunta: “Se um cidadão processa a outro cidadão é violação de Direitos Humanos?», encerrando, deste modo, o assunto Rafael Marques.
Questionado sobre casos ocorridos nas manifestações de rua, nomeadamente a marcha alusiva ao 27 de Maio e os protestos que ocorreram no Cazenga, em que os populares exigiam a demissão do administrador municipal, João Lourenço é peremptório, “normal, quando há manifestações em todo o mundo e, normalmente, as polícias acompanham, pode haver esse tipo de situações, uma ou outra pessoa ficar ferida. Não é com isso que o mundo acaba”, passando assim uma pomada sobre todas as exacções cometidas, do mesmo modo que passou água oxigenada de marca Luvualu sobre as feridas causadas aos bolsos de JES e dos seus seguidores, amigos, parentes e filhos.
Só disse: «Nós estamos a prevenir-nos contra más práticas, prevenir onde é possível, combater onde elas já existem, onde já há factos. Portanto não há situações criadas intencionalmente para incriminar quem quer que seja”.
O que é verdade, mas sendo só uma pequena parte dela.
O problema é que o MPLA, depois de ter sido durante mais de 40 anos um autêntico motor de arranque e promotor de toda a espécie de roubos, lavagem de dinheiro e desvios de fundos dos cofres do Estado em Angola, depois de, pela voz do seu ex-presidente, pretender ser expert em matéria de luta contra o nepotismo, lavagem de dinheiro e corrupção, tentando dar aulas aos seus militantes a fim de tirar os louros da cabeça de JLo, este, digamos, contra-atacou com as armas que tem, ou seja, as que lhe assistem pela via do estatuto que aufere de presidente da República.
Ora, é aí que a porca torce o rabo, pois rapidamente JLo viu que no relvado do jogo político em que está a jogar, há bué de minas e as jogadas que ele quer fazer podem colidir com um desses engenhos! “Calma Jéjé!, faz calma”, como dizem os tripeiros do Poerto.
Entretanto, dizer que ele não tem feito nada é mentira, alguma coisa foi feita, mas estamos muito longe do objectivo almejado, talvez utópico, que é o de erradicar a corrupção em Angola. Enfim, enquanto o MPLA por ali andar, vai ser complicado…
Há tanto ladrão ainda em liberdade!…
É verdade, mas quando João Lourenço fala em “moratória” e é criticado, muitos são levados a pensar que, findo o prazo para repatriar os fundos roubados ao Estado angolano, só então este irá tomar as medidas necessárias para actuar.
Nada disso… As medidas já foram tomadas, junto de governos como os de França, Bélgica, Itália, Portugal, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Suíça e Luxemburgo. Várias contas já estão cativas. Na verdade, a moratória é para dar aos titulares o tempo para aceitarem o repatriamento, sem perderem o dinheiro.
Mas é precisamente aí que está o mal, pois o perdão inserido na recuperação de valores cola como uma luva à mão do aforismo “O CRIME COMPENSA”.
De qualquer maneira, tudo que nos resta é esperar. Os próximos meses e anos serão ricos em revelações.