O Ministério dos Transportes de Angola refuta os argumentos da empresa privada “Atlantic Ventures”, a propósito da polémica em torno do projecto de construção do Porto do Dande. Refutar, para além de ser um legítimo direito, não significa (pelo menos nos Estados de Direito) ter razão.
O Ministério dos Transportes reagiu ao comunicado que a empresa “Atlantic Ventures” tornou público na última segunda-feira, no qual anunciava que tomaria as medidas necessárias para a protecção dos seus interesses no caso que a opõe ao Estado, sendo que no caso Estado significa Governo.
Em causa está a revogação do Decreto Presidencial 207/2017, que autorizou a concessão do Porto do Dande, assinado pelo ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, pouco antes da entrada em funções do actual Governo.
No seu comunicado, o Ministério dos Transportes afirma ser “falso” que tenha sido, de facto e de direito, concessionado a esta empresa o investimento, o desenvolvimento e a implementação do projecto do Porto da Barra do Dande. Argumenta que uma concessão implicaria a celebração do respectivo ou dos respectivos contratos de concessão.
O Governo precisa que, no caso vertente, “não foram celebrados” contratos nenhuns entre a “Atlantic Ventures” e as entidades públicas legalmente competentes para o efeito, como é o caso do Porto de Luanda.
Segundo o comunicado, o que há, na presente data como na data da publicação do Decreto Presidencial 207/17, é tão-somente a intenção de implementar o empreendimento do Porto da Barra do Dande.
O Ministério dos Transportes desmente, ainda, que a “Atlantic Ventures” tenha sido constituída como uma parceria incluindo investidores privados nacionais e investidores estrangeiros líderes mundiais no sector portuário, e o Porto de Luanda que, em representação do Estado, titularia 40 por cento da empresa.
Segundo o comunicado, nem Isabel dos Santos, nem quaisquer investidores estrangeiros líderes mundiais do sector portuário fazem parte da estrutura accionista da referida empresa.
O Ministério dos Transportes desmente, também, que o Estado titule 40 por cento das acções, através do Porto de Luanda, contrariamente ao comunicado da empresa “Atlantic Ventures”.
Nos termos do comunicado do Governo, fica supostamente evidente que, pelo contrário, a sociedade “Atlantic Ventures” “terá sido propositada e especificamente criada como intermediária para concessão do projecto do Porto da Barra do Dande”.
Tal facto, de acordo com a comunicado, “encareceria o próprio projecto, cuja execução seria feita por outras entidades estrangeiras não vinculadas ao Estado angolano, com todos os riscos de incumprimento das obrigações contratuais”.
O Ministério dos Transportes considera grosseira e abusivamente falsa a afirmação de que, ao abrigo do Contrato de Concessão do Porto do Dande, está prevista a implementação de uma infra-estrutura sem recurso a dinheiro do Estado, e que o projecto será financiado inteiramente pela “Atlantic Ventures”.
A concluir, o Ministério dos Transportes reafirma o seu propósito de levar a cabo um concurso público aberto e transparente, cujas peças e procedimentos estão a ser trabalhadas, e que serão tornadas públicas em devido tempo.
O Presidente João Lourenço, que como ministro do anterior Governo acompanhou e subscreveu (sem qualquer rebuço) a decisão de entregar a obra à “Atlantic Ventures”, anunciou, em Estrasburgo, no seu discurso no Parlamento Europeu, no dia 4 deste mês, a anulação, em Angola, de contratos bilionários, com a construção e gestão de importantes infra-estruturas públicas, como o Porto da Barra do Dande.
João Lourenço justificou a medida com o facto de esses contratos não terem respeitado os mais elementares princípios da transparência e da concorrência. Isto é, o significado de “transparente” e respeitador “da concorrência” varia consoante se é ministrou ou Presidente da República.
Já na sua primeira entrevista colectiva, em Luanda, no dia 8 de Janeiro, à pergunta sobre se o modelo de adjudicação praticado para o Porto da Barra do Dande iria servir para outros tipos de obras públicas, o Presidente João Lourenço respondera: “É evidente que não”.
“Não só para outras obras públicas, mas mesmo para o caso concreto deste projecto do Porto da Barra do Dande, vamos procurar rever todo o processo, no sentido de, enquanto é tempo, e porque o projecto não começou ainda a ser executado, corrigirmos aquilo que nos parece ferir a transparência”, disse João Lourenço.
“Um projecto da dimensão como este, que envolve biliões, com a garantia soberana do Estado, não pode ser entregue de bandeja, como se diz, a um empresário, sem submissão de concurso público”, acrescentou o Presidente da República, contrariando aquela que foi a sua posição enquanto ministro.
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A posição relativa à construção do porto da Barra do Dande foi oficializada numa informação enviada em Maio aos investidores internacionais pelo Governo de João Lourenço.
No documento admite-se que o Governo “pretende construir um segundo porto comercial nas proximidades de Luanda”, na Barra do Dande, com capacidade para movimentar 3,2 milhões de toneladas de carga por ano.
Contudo, como recorda a mesma informação, até ao momento o Governo não emitiu a garantia do Estado aprovada pelo Presidente José Eduardo dos Santos, e refere que “ainda está em processo de avaliação dos aspectos técnicos do projecto”.
O actual porto de Luanda, o maior do país e construído no período colonial português em pleno centro da capital angolana, é propriedade do Estado angolano, mas a operação dos seus terminais está entregue a oito empresas privadas.
O porto de Luanda movimenta aproximadamente 5,4 milhões de toneladas de carga por ano e recebeu obras de modernização de 130 milhões de dólares, concluídas em 2014. Antes disso, recorda o Governo, o porto de Luanda “estava altamente congestionado”, com um tempo médio de espera superior a 10 dias.
Foi noticiado em 29 de Setembro que o Governo deveria emitir uma garantia de Estado de 1.500 milhões de dólares (1.300 milhões de euros) a favor da construção, por privados, do novo porto da Barra do Dande, face ao esgotamento da capacidade do porto de Luanda.
De acordo com um decreto presidencial do mesmo mês, assinado por José Eduardo dos Santos e publicado seis dias antes de João Lourenço chegar ao poder, aprovando o projecto, o novo porto seria construído a cerca de 60 quilómetros para norte de Luanda, em regime de concessão por 30 anos, pela sociedade privada angolana Atlantic Ventures, a qual contaria com uma participação de até 40% pela empresa pública que gere o actual Porto de Luanda.
“O Governo pretende criar as condições necessárias para que a província de Luanda tenha um novo porto de dimensão nacional e internacional com capacidade de abastecimento para todo o país e que, estrategicamente, possa ser, também, um entreposto internacional de mercadores”, lê-se nesse mesmo decreto.
Refere ainda que o porto de Luanda, “de acordo com a evolução registada nos últimos anos nas operações portuárias” e face às “projecções de tráfego realizadas, não logrará, a curto prazo, satisfazer as necessidades de estiva e movimentação de cargas e descargas exigidas pelo comércio nacional e internacional”.
Para o efeito, foi definido pelo Governo (do qual, recorde-se, fazia parte João Lourenço), segundo o mesmo documento, o objectivo estratégico para instalação, na nova cidade do Dande (já na província vizinha do Bengo) do novo porto da capital, serviços associados e uma Zona Económica Especial, reservando para o efeito uma área total de 197,2 quilómetros quadrados e um perímetro de 76,4 quilómetros.
“O Governo considera a construção, a exploração e a manutenção do porto da Barra do Dande um empreendimento prioritário, de interesse nacional e público, considerando ainda que o empreendimento deve ser realizado com recurso a financiamento privado, de acordo com os princípios da eficiência da distribuição, partilha e gestão do risco pela parte que melhor o sabe gerir”, lê-se ainda no referido decreto.
Ficou ainda previsto que a concessão do futuro porto à sociedade “Atlantic Ventures” seja por um período de 30 anos, incluindo a tarefa de licenciamento, concepção, financiamento, projecto, desenvolvimento técnico e sua construção, “em associação com a autoridade do porto de Luanda”.
Transparência ontem, opacidade hoje?
A “Atlantic Ventures” garante que a concessão para construção e operação do porto da Barra do Dande foi feita com “total transparência” e sem violar a lei.
A empresa refere que a concessão do porto da Barra do Dande, “insere-se na concessão de serviços públicos portuários e está sujeita ao regime especialmente previsto, quer na Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas, quer na lei que estabelece as Bases Gerais das Concessões Portuárias”.
“Ou seja, a adjudicação da referida concessão cumpriu todos os requisitos legais à qual estava obrigada, ao abrigo da lei aplicável e respeitou escrupulosamente as leis vigentes em Angola, em todas as etapas do processo. A lei aplicável a este projecto é a lei das concessões portuárias e foi correctamente aplicada pelo anterior Executivo neste processo. A lei dos Contratos Públicos – que poderia ditar a realização de concurso público – não se aplica a contratos de concessões portuárias, ao contrário do que agora assume o actual Executivo”, garante “Atlantic Ventures” na matéria de facto que se presta para fazer chegar tanto aos tribunais nacionais como internacionais.
A ”Atlantic Ventures” salienta que, “uma vez que o valor do investimento não é pago pelo Estado”, sendo assumido pelos investidores, “não existe colateral ou garantia financeira do Estado e, por se tratar de uma concessão, a amortização do custo da obra” seria paga “com a rentabilidade da sua operação portuária, ao longo do tempo”, sem contribuir “para o agravar da dívida pública do país”.
“A lei das concessões portuárias é uma lei específica, com um procedimento próprio, que foi escrupulosamente cumprido, e, ao abrigo da mesma, foi realizada uma negociação entre o Estado e as partes que se propuseram investir, na qual foram discutidos e acordados os termos do investimento, bem como as condições que os investidores devem cumprir e o que devem pagar pela concessão ao Estado. Foi, assim, cumprido o objectivo de chegar a um resultado final que seja equitativo e equilibrado para todas as partes envolvidas”, sublinha ainda a Atlantic Ventures.
Para a empresa, esta concessão, revogada a 28 de Junho, “cumpriu todos os requisitos legais aos quais estava obrigada”, garantindo que “nenhum aspecto da lei de concessões portuárias foi violada e, por isso, todos os trabalhos desenvolvidos tiveram uma base legítima e legal”.
Recorde-se que o projecto do porto da Barra do Dande foi analisado e aprovado em reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros, em 2017, na qual esteve presente João Lourenço, então ministro da Defesa Nacional, e que não mereceu dele a mínima dúvida ou objecção.
“Este processo foi desenvolvido com a total transparência e participação de várias entidades”, garante a Atlantic Ventures.
O investimento neste projecto, segundo a empresa, seria suportado (em regime de construção e concessão por 30 anos) pela Atlantic Ventures e investidores privados, prevendo a construção de 1.600 metros de cais, numa área de cerca de 100 hectares e com uma capacidade para movimentar o equivalente a três milhões de contentores por ano.
Para sustentar a surpresa da decisão de revogar este processo, a empresa recorda que nos últimos meses já foram realizadas reuniões de apresentação com os administradores de todos os portos de Angola pela equipa projectista e líder mundial Royal HaskoningDHV Engineering, em representação dos investidores privados, além de outras duas reuniões técnicas com as restantes entidades envolvidas.
Foram igualmente realizadas reuniões com operadores portuários, um ‘roadshow’ para captar investimento internacional, executados projectos de engenharia, adjudicado o contrato de impacto ambiental à empresa angolana Holisticos e realizados os levantamentos dos dados oceanográficos pela empresa angolana Geosurveys.
“De realçar que, para o país, esta concessão significa ter um porto construído em 24 meses sem recurso ao Orçamento Geral do Estado, com operadores portuários a funcionar de forma eficiente, diminuindo assim os custos portuários e contribuindo directamente para reduzir os custos da importação e exportação”, concluiu a Atlantic Ventures, assumindo ainda, com desenvolvimento do novo porto e área adjacente, a criação de 5.000 novos empregos nos próximos anos.