Petróleo firme e intocável não quer passar à história

A produção daquilo que sustenta o MPLA há 43 anos e sem o qual o partido nunca saberá viver, o petróleo, caiu do equivalente a 3.325 milhões de euros, em Outubro, para 2.683 milhões de euros em Novembro. Na linguagem zoológica do mais emblemático perito de Angola, João Lourenço, o crude está a comportar-se como um traidor, como um marimbondo.

A consultora Capital Economics disse hoje que Angola perdeu 20% das receitas do petróleo em Novembro devido à descida dos preços desta matéria-prima, o que equivale a uma perda de 700 milhões de dólares (615 milhões de euros).

“A recente descida dos preços foi outro golpe para a já de si fragilizada economia angolana”, escrevem os consultores, numa análise sobre o impacto da evolução do preço do barril de petróleo em várias economias africanas produtoras de matérias-primas.

“A produção petrolífera em Angola estabilizou em Outubro, mas manteve-se muito baixa pelos padrões recentes; se os volumes de produção ficarem estáveis em Novembro, então prevemos que as exportações de petróleo tenham provavelmente caído cerca de 20%, ou 700 milhões de dólares, o que equivale a 0,6% do PIB”, lê-se no relatório enviado aos investidores.

A produção petrolífera de Angola caiu do equivalente a 3.780 milhões de dólares (3.325 milhões de euros), em Outubro, para 3.050 milhões de dólares (2.683 milhões de euros) em Novembro, precisou um dos analistas que escreveu o relatório, acrescentando que na Nigéria a queda ainda foi maior, passando de 4.400 milhões de dólares (3.872 milhões de euros) para 3.300 milhões de dólares (2.900 milhões de euros).

Mesmo com esta queda em Angola, sublinham os consultores no relatório, “as receitas petrolíferas foram provavelmente mais elevadas em Novembro deste ano do que há um ano”, mas o problema é que “uma descida nas receitas pressiona ainda mais a moeda local, que continuou a desvalorizar-se” em Novembro.

Mesmo antes da queda nos preços do petróleo, as reservas em moeda externa caíram para o valor mais baixo da década, para 11.600 milhões de dólares (10.200 milhões de euros), notam os consultores.

O Governo de João Lourenço tem acompanhado de perto a queda dos preços do petróleo, e o próprio Presidente admitiu que o petróleo mais barato é “mau” para o segundo maior produtor petrolífero no continente africano, podendo levar a uma aceleração do programa de privatizações.

“Nós temos um calendário de privatizações que (…) pode vir a ser influenciado caso o preço do barril de petróleo siga esta tendência baixista. Se seguir essa tendência baixista, com certeza que o calendário deverá ser ajustado com mais facilidade”, explicou João Lourenço durante a recente visita de Estado a Portugal, admitindo que o processo venha a ser mais rápido.

A produção de petróleo bruto em Angola deverá cifrar-se em 2019 nos 573 milhões de barris, garantindo receitas fiscais para o Estado de 5,158 biliões de kwanzas (14.600 milhões de euros), segundo a previsão do Governo.

De acordo com dados do relatório de fundamentação da proposta de Orçamento Geral do Estado para 2019, em discussão na Assembleia Nacional, o Governo estima a exportação de cada barril de crude a um preço médio a 68 dólares, face aos 50 dólares inscritos nas contas de 2018.

Na previsão do Governo, a produção média diária de petróleo bruto em 2019, em Angola, será de 1,57 milhões de barris — em linha com a média dos últimos dois anos -, acrescida de 100.000 barris diários de LNG (gás natural).

Angola é o segundo maior produtor de petróleo em África, atrás da Nigéria, e tem vindo a apresentar um declínio de produção em alguns campos.

Exonere-se, já e em força, o… petróleo

Mais de metade da dívida pública externa de Angola já é garantida desde 2016 com carregamentos de petróleo, modelo que o próprio Governo admitiu este ano estar a atingir “a exaustão”.

Segundo informação governamental económica de Maio, disponibilizada aos investidores internacionais, 48,8% de toda a dívida pública angolana contraída fora do país estava garantida, no final de 2013, com pré-carregamentos de petróleo. Esse valor desceu para 43,8% em 2014 e para 39,2% em 2015, mas disparou nos anos seguintes.

Em 2016, o petróleo era dado como garantia para 57,6% de toda a dívida pública externa angolana, peso que subiu para 59% no ano seguinte.

Este tipo de garantia, petróleo em troca de financiamento, é utilizado sobretudo pela China, maior financiador de Angola. Contudo, o mesmo documento do Governo angolano refere que a linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), do Brasil, para exportações e obras de empresas brasileiras em Angola, está igualmente garantida por pré-carregamentos de petróleo.

O Governo angolano estima, ou estimava, fechar 2018 com um endividamento público de 77.300 milhões de dólares (65.100 milhões de euros), equivalente a 70,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para este ano, excluindo a dívida da petrolífera estatal Sonangol.

De acordo com informação do Governo, a República de Angola deverá “aumentar significativamente” os empréstimos em 2018 e nos próximos anos. Acrescenta que na mais recente estimativa governamental, o Estado angolano captou aproximadamente 3.400 milhões de dólares (2.800 milhões de euros) de dívida no primeiro trimestre deste ano, dos quais 1.300 milhões de dólares (1.000 milhões de euros) foram arrecadados no mercado interno e aproximadamente 2.100 milhões (1.800 milhões de euros) foram levantados externamente.

Com estes indicadores, o volume da dívida pública deverá ascender a 70,8% do PIB em 2018, quando em 2017 foi de 67%.

O Governo anunciou no início deste ano que pretendia diversificar os mecanismos de financiamento externo, admitindo “a exaustão” do modelo de carregamento de barris de petróleo como garantia das linhas de crédito de países financiadores, como a China.

O alerta surgiu no Plano de Estabilização Macroeconómica (PEM), revelado em Janeiro, com medidas para melhorar a situação financeira e os principais indicadores económicos.

O Governo reconheceu que Angola tem recorrido a financiamento externo “maioritariamente para apoio à carteira de projectos do Programa de Investimento Público (PIP)”, um sistema de linhas de crédito, Estado a Estado, habitualmente suportado por seguros à exportação e taxa variáveis, que tem sido “a alternativa mais disponível no financiamento da renovação e requalificação das infra-estruturas nacionais”.

Alguns destes financiamentos são garantidos por carregamentos de petróleo, mas o documento do executivo liderado desde Setembro de 2017 por João Lourenço deixava o alerta: “O sistema de linhas de crédito tem a vantagem de permitir um acesso mais alargado ao financiamento externo. Contudo, vive-se, actualmente, uma situação de exaustão deste instrumento, na medida em que os carregamentos de petróleo têm estado completamente comprometidos com o serviço da dívida de três países: China, Brasil e Israel”.

Só a China já emprestou a Angola, desde 1983, conforme recentemente o embaixador chinês em Luanda, mais de 60.000 milhões de dólares (50.000 milhões de euros), para obras de reconstrução após a guerra, valores que por norma são liquidados pelo Estado angolano com carregamentos de petróleo.

Folha 8 com Lusa

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