O Jornal de Angola escreve hoje, em editorial, que a Justiça portuguesa tomou uma “decisão sensata”, ao transferir para Angola o processo judicial que envolve o ex-vice-Presidente da República, Manuel Vicente. O anterior director, José Ribeiro, não diria melhor. Pravda uma vez, Pravda sempre.
No editorial, o jornal detido pelo Estado angolano reage à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de quinta-feira, que considerou que a aplicação da lei da amnistia em Angola aos factos imputados a Manuel Vicente, no processo Operação Fizz, “não põe em causa a boa administração da Justiça”.
“As relações entre Estados desenvolvem-se com base no respeito mútuo e na confiança. Não há relação justa sem estes dois pilares da ética política. Portugal, reiteradamente, ignorou os pedidos de Angola de enviar o caso para ser julgado nas instituições nacionais, contrariando compromissos assumidos bilateralmente e em instituições como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)”, recorda o editorial do Jornal de Angola ou, melhor, do Jornal da Angola que o MPLA quer.
Sob o título “Uma decisão sensata”, o editorial recorda que entre os países que falam português, “existe um acordo judiciário que Portugal, no caso de Angola, fez questão de ignorar, sob pretexto de não confiar na Justiça angolana”.
“Como disse o Presidente de Angola, João Lourenço, em Janeiro deste ano, durante uma conferência de imprensa, trata-se de uma ofensa, que, bem vista, não encontra paralelo nas relações entre os dois países. Como incrementar a cooperação, estabelecer parcerias estratégicas com um Estado no qual não confiamos? É bom lembrar que Angola sempre e apenas solicitou a transferência do processo para que o cidadão angolano Manuel Vicente fosse julgado no seu país. Não era um pedido para arquivar o processo ou para que o cidadão fosse absolvido”, lê-se no mesmo texto.
O editorial acrescenta que “não havia necessidade de se perder tanto tempo e, por arrasto, perigar as relações entre dois países, cujos cidadãos têm interesses num lado e no outro”.
“O número de angolanos em Portugal e o de portugueses em Angola, aliado aos interesses envolvidos, merece, de facto, um outro tratamento. Como referiu, ontem [quinta-feira], o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, a transferência do processo faz desaparecer o pequeno ponto, menor, que existia a ser invocado periodicamente entre Portugal e Angola”, aponta ainda o editorial do Jornal de Angola.
Na quinta-feira, pouco depois de conhecida a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, o ministro da Comunicação Social angolano, João Melo, considerou que terminou a “politização do caso feita pela PGR portuguesa”.
“O processo que envolve o antigo vice-Presidente angolano Manuel Vicente e a Justiça lusa será remetido para Luanda, como requerido pelos seus advogados. O Estado angolano apoiou essa posição. O Tribunal da Relação de Lisboa pôs fim à politização do caso feita pela PGR portuguesa”, escreveu o ministro da Comunicação Social.
O Tribunal na Relação de Lisboa considerou na quinta-feira que a aplicação da lei da amnistia aos factos imputados ao ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, no processo Operação Fizz, “não põe em causa a boa administração da Justiça”.
Segundo a decisão, a potencial aplicação pelas autoridades judiciárias de Angola da lei da amnistia aos factos imputados ao antigo governante “faria parte do funcionamento normal de um mecanismo do sistema jurídico angolano e não põe em causa a boa administração da justiça”.
Além do argumento de que a boa administração da Justiça “não se identifica sempre e necessariamente com a condenação e o cumprimento da pena”, os juízes Cláudio Ximenes e Manuel Almeida Cabral entendem, por outro lado, que, caso haja condenação, também a reinserção social justifica a continuação do processo contra o ex-presidente da petrolífera Sonangol em Angola.
O Tribunal da Relação de Lisboa deu razão ao recurso da defesa determinando que o processo contra Manuel Vicente prossiga em Angola, num caso em que o Ministério Público português lhe imputou crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.
Na decisão, os juízes tiveram em conta a resposta do procurador-geral da República de Angola de que não haveria possibilidade de cumprir uma eventual carta rogatória para audição e constituição de arguido e que Manuel Vicente, depois de cessar funções como vice-Presidente, “só poderia ser julgado por crimes estranhos ao exercício das suas funções decorridos cinco anos sobre a data do termo do mandato”.
Em Janeiro, o Presidente angolano, João Lourenço, afirmou que as relações entre Portugal e Angola iriam “depender muito” da resolução do processo de Manuel Vicente e classificou a atitude da Justiça portuguesa até então como “uma ofensa” para o seu país.
Para a defesa do ex-governante angolano, as questões relacionadas com Manuel Vicente deviam ser analisadas pela justiça angolana, apontando mecanismos previstos no Direito Internacional e nos Direitos internos em matéria de cooperação judiciária.
Folha 8 com Lusa