O FMI está preocupado com o crédito malparado no BPC, o maior banco angolano, recomendando ao Governo que nova injecção de liquidez fique condicionada à concretização do plano de reestruturação e mantendo-se proibida a concessão de novos empréstimos.
A informação consta das conclusões, de Junho, da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) no âmbito das consultas regulares com as autoridades angolanas, ao abrigo do Artigo IV, realizadas este ano, e que abordam com preocupação a situação da banca angolana, e a sua falta de liquidez.
Na avaliação, a missão do Fundo conclui que os bancos angolanos, e sobretudo os detidos pelo Estado, enfrentam um cenário de crédito malparado muito elevado, apontando o caso do Banco de Poupança e Crédito (BPC) como a caso mais crítico: “Permanece fracamente capitalizado, dependente do BNA para liquidez, e o ritmo de sua reestruturação operacional tem sido lento”.
De acordo com o FMI, desde 2014, com o início da crise do petróleo, que colocou em evidência a gestão dos bancos, que Angola tem investido anualmente mais de 4% do Produto Interno Bruto na recapitalização das instituições financeiras. Em 2018, segundo o FMI, Angola ainda vai gastar 1% de toda a riqueza que produzir nesta recapitalização.
Já esta semana, o BNA anunciou uma intervenção de saneamento no Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC), devido à incapacidade dos accionistas para promover o obrigatório aumento de capital.
O BPC, o maior banco angolano, totalmente detido pelo Estado, fechou 2017 com um buraco de 5.200 milhões de dólares (4.300 milhões de euros), essencialmente devido ao crédito malparado, o segundo pior registo da história da banca em Angola.
Os dados constam do prospecto da emissão de “eurobonds” de 3.000 milhões de dólares (2.500 milhões de euros), a 10 e 30 anos e com juros acima dos 8,2% ao ano – concretizada pelo Estado angolano este mês -, que foi enviado aos investidores.
No documento de mais de 200 páginas de suporte à operação de colocação de títulos da dívida pública angolana em moeda estrangeira, a segunda do género feita pelo país e denominada “Palanca 2”, é referido que em Dezembro de 2017, o Banco de Poupança e Crédito (BPC) tinha aproximadamente 874 mil milhões de kwanzas (5.200 milhões de dólares) de activos com baixo desempenho e em incumprimento.
No mesmo mês, o Estado angolano já tinha emitido títulos de dívida pública no valor de 231 mil milhões de kwanzas (1.080 milhões de euros) a favor da sociedade estatal Recredit, para compra de valor equivalente de crédito malparado do BPC, que tentará depois cobrar.
O Estado angolano é accionista do BPC, através do Ministério das Finanças (75%), do Instituto Nacional de Segurança Social (15%) e da Caixa de Segurança Social das Forças Armadas Angolanas (10%), que suportaram em 2017, na proporção da sua participação, o financiamento do aumento de capital do banco, no âmbito do processo de reestruturação em curso.
Em 2014, um volume de crédito malparado superior a 5.700 milhões de dólares (4.755 milhões de euros) obrigou à intervenção do Estado no Banco Espírito Santo Angola (BESA), constituindo este o maior buraco da banca do país. Após o colapso da BES português, o BESA foi transformado, por decisão dos novos accionistas e conforme exigência do banco central angolano, em Banco Económico, a 29 de Outubro de 2014, avançando também um aumento de capital e a entrada da petrolífera Sonangol no capital social (39,4%).
Em 2017, a administração do BPC constituiu 72,7 mil milhões de kwanzas (392,2 milhões de euros) para “imparidades e provisões” do exercício de 2016, reflectindo nas contas uma perda potencial ou efectiva de quase 400 milhões de euros em créditos concedidos anteriormente.
“Esta iniciativa será reforçada em 2017, com o intuito de assegurar o saneamento efectivo da carteira de crédito do banco e atingir um rácio de transformação abaixo dos 70,0%”, anunciou ainda a administração do BPC, na altura.
Esta medida foi então acompanhada de um reforço dos fundos próprios do banco pelos accionistas, em 26,9%, face a 2015, passando para 171,9 mil milhões de kwanzas (927,4 milhões de euros).
Em 2015, o BPC tinha 406 agências em todo o país, com 5.354 trabalhadores, números que subiram, respectivamente, para 443 e 5.530 até final do ano seguinte. Entretanto, a instituição iniciou um processo de redução do número de agências em todo o país.
“O banco vive um momento muito particular da sua história. Queremos sanear e reestruturar o BPC. Vamos fazê-lo para que o banco sirva convenientemente o Estado, seu único accionista”, disse anteriormente o ministro das Finanças, Archer Mangueira.
O plano de recapitalização do banco, explicou a instituição, envolve várias acções que “visam assegurar a manutenção de uma posição financeira sólida e de um nível de rendibilidade sustentável e adequado ao perfil de risco do BPC”.
Nomeadamente o aumento do capital social por subscrição de acções ordinárias pelos accionistas, no montante de 90 mil milhões de kwanzas (485,5 milhões de euros) e com a venda da carteira de saneamento (crédito malparado) à Recredit, uma espécie de “banco mau” criado pelo Estado para gerir os activos de cobrança duvidosa da banca angolana .
Envolve ainda a emissão de instrumentos de dívida subordinada convertível elegíveis para fundos próprios base no valor global de 72 mil milhões de kwanzas (388,4 milhões de euros).
“A utilização de fundos públicos é razão mais do que determinante para que o actual conselho de administração encare esta situação como um desafio a vencer, em nome de todos os angolanos. O conselho de administração está ciente dos desafios que tem pela frente, e acredita genuinamente, que num contexto normal de evolução do mercado, o BPC irá voltar a liderar o sistema financeiro angolano, no apoio às famílias, às instituições e às empresas nacionais”, conclui o banco, na mesma informação, de 2017.
Injecção de capital
Recorde-se que o Presidente João Lourenço autorizou, por decreto, uma emissão especial de dívida pública, de mais de 685 milhões de euros para a recapitalização do BPC.
De acordo com o teor do decreto presidencial, de 7 de Março, trata-se de uma emissão especial de Obrigações do Tesouro em Moeda Nacional (OTMN) a entregar directamente ao BPC “como aumento de capital”.
“Desta maneira possibilitando os rácios prudenciais do banco e possibilitando assim a expansão das suas actividades creditícias”, lê-se no mesmo decreto, assinado por João Lourenço.
Esta emissão, a concretizar pelo Banco Nacional de Angola, será no valor de 180 mil milhões de kwanzas (686,3 milhões de euros), com maturidade de 10 anos e juros de 7,5% ao ano.
A 19 de Outubro, a anterior administração do BPC garantiu que o banco ia entrar em 2018 já com o processo de saneamento da carteira de crédito malparado, superior a 2.500 milhões de euros, concluído.
Entretanto, o novo presidente do Conselho de Administração do BPC disse em Novembro, em Luanda, que o banco previa retomar a concessão de crédito até Março, no âmbito do programa de revitalização daquela instituição bancária.
Alcides Safeca, anterior secretário de Estado do Orçamento e empossado na altura no cargo, referiu que estão igualmente a ser aplicadas medidas que visam aumentar a capacidade operacional do BPC.
Relativamente ao saneamento da carteira de crédito, Alcides Safeca explicou que estão a decorrer neste momento negociações com os credores para a sua recuperação, sublinhando que este processo “está a decorrer bem” e que o banco deverá retomar a concessão de crédito aos clientes no primeiro trimestre de 2018.
O ministro das Finanças angolano exortou, na mesma altura, o novo presidente do conselho de administração do BPC a acelerar o saneamento da instituição, desinvestindo em áreas fora da banca.
A posição foi assumida por Archer Mangueira durante a cerimónia de posse de Alcides Safeca como novo líder do BPC, o quarto presidente do conselho de administração que o banco conhece desde Outubro de 2016.
“O BPC deve dar continuidade ao seu processo de reestruturação e saneamento. Enquanto banco público nacional, deve ser o principal agente do Estado em matéria financeira. Deve estar dotado de ferramentas e capacidades adequadas, ao nível da governação, da organização e da conformidade”, apontou Archer Mangueira.
Defendeu que o novo conselho de administração “deve dar celeridade às medidas de saneamento” do BPC, destacando “a revisão da estrutura de despesa”.
“Procedendo à reversão nas despesas com contratos, à redução das despesas fixas e ao desinvestimento em áreas “não core”. Todas as situações negativas devem ser saneadas”, disse Archer Mangueira.
João Lourenço quer saber como está a banca
O Presidente angolano ordenou já o ano passado uma avaliação às participações detidas pelo Estado ou empresas públicas em bancos nacionais e estrangeiros, incluindo o Millennium BCP, a realizar por um grupo de trabalho liderado pelo ministro das Finanças.
Para o efeito, conforme despacho presidencial de final de Dezembro, o chefe de Estado criou um grupo de trabalho que tinha 45 dias para, igualmente, efectuar um “diagnóstico de avaliação” às instituições financeiras bancárias públicas e para “definir uma metodologia para a reestruturação” das mesmas.
Este grupo de trabalho, liderado pelo ministro Archer Mangueira, ia igualmente “proceder à avaliação de todas as participações sociais detidas pelo Estado, empresas públicas ou empresas de domínio público em instituições financeiras bancárias nacionais e estrangeiras”, determina o despacho.
O Estado angolano, através da Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol), detém participações em vários bancos nacionais e estrangeiros.
Em Portugal, a Sonangol detém uma posição de 14,87 por cento do capital social do banco Millennium BCP, que representava, em 2016, uma perda potencial de 365,7 milhões de euros, face ao investimento inicial.
No relatório e contas de 2016 da Sonangol, então liderada pela empresária Isabel dos Santos, recorda-se que o investimento da petrolífera no banco português começou em 2007, então com 180 milhões de acções (que no final de 2015 chegaram a cerca de 10.530 milhões), inicialmente no valor de 525,6 milhões euros.
Dez anos depois, o saldo desse investimento representa um “justo valor”, nas contas de 2016, de 150,4 milhões de euros, contra o saldo inicial de 516,1 milhões de euros nas contas do final de 2015, além de um peso na estrutura accionista que passou de 17,84% (2015), para 14,87%, devido ao aumento de capital realizado pelo Millennium BCP.
Em Dezembro de 2016, a então presidente do conselho de administração da Sonangol, Isabel dos Santos, confirmou que a petrolífera pediu um reforço da participação no capital do Millennium BCP, cujo maior accionista passou a ser o grupo chinês Fosun.
“A participação da Sonangol no banco Millennium BCP continuará e foi efectuado um pedido de reforço da participação da mesma”, disse Isabel dos Santos, que foi exonerada do cargo na petrolífera a 15 de Novembro, pelo Presidente João Lourenço.
O grupo de trabalho então criado integrava ainda o secretário para os Assuntos Económicos do Presidente da República, a secretária de Estado para as Finanças e Tesouro, e um vice-governador Banco Nacional de Angola.
Nas reuniões deste grupo poderiam ainda participar, como convidados e sem direito de voto, os presidentes da Comissão de Mercado de Capitais, da Bolsa de Dívida e Valores de Angola, da empresa estatal Recredit e dos bancos de Desenvolvimento de Angola (BDA), de Poupança e Crédito (BPC) e de Comércio e Indústria (BCI).
Segundo informação prestada pelo presidente do Conselho de Administração da Recredit, Vicente Leitão, aquela sociedade estava a negociar a aquisição do crédito malparado de cinco bancos comerciais angolanos, além do BPC também o BCI, Banco Angolano de Investimentos (BAI), Banco Keve e Banco de Negócios Internacional (BNI).
No entanto, o administrador afirmou que a instituição não é um “banco mau”, por não comprar activos para vender, mas sim para recuperá-los, em termos do interesse da economia nacional e não apenas do interesse financeiro.
“Não somos um banco mau. Não compramos para vender. Comprámos para transformar”, afirmou Vicente Leitão.
Recorde-se que em Março de 2017 o então presidente do Conselho de Administração do estatal Banco de Poupança e Crédito (BPC), Ricardo D’Abreu, definiu como prioritária a reposição da capacidade operacional da instituição, mas a reestruturação deverá cortar mais de 20% dos postos de trabalho.
“A prioridade é repor a capacidade operacional do Banco de Poupança e Crédito para que os clientes, sejam empresas sejam particulares, consigam confiar no propósito de prestação de um serviço integral”, disse Ricardo D’Abreu.
Folha 8 com Lusa