Expropriações de terrenos para projectos agro-industriais e repressão de opositores e jornalistas marcaram o ambiente social e político em Angola em 2017, com a crise económica em pano de fundo, refere o relatório anual da Amnistia Internacional (AI).
Publicado hoje, o documento refere que a crise económica levou o governo angolano a adoptar um “modelo de desenvolvimento para mega projectos agro-pecuários, aquisição de terras em grande escala e expropriação de comunidades rurais, que colocam em risco os meios de subsistência das comunidades”.
Vários problemas foram registados nas províncias do Cunene e da Huíla, tendo, nesta última, o governo local procurado apropriar-se de uma fonte de água usada pela comunidade de Capela de Santo António, na região de Kahila, no município de Gambos, vital para 600 famílias e respectivas hortas e gado.
“A comunidade não foi consultada sobre os planos e as autoridades não realizaram uma avaliação de impacto ambiental. O governo da Huíla permaneceu determinado a expulsar a comunidade em violação da Constituição e das leis, incluindo a Lei da Terra e a Lei Ambiental”, denuncia o relatório da AI.
Outro caso foi tornado público em Junho, quando o governo autorizou a apropriação de 76 mil hectares de terras férteis para o mega projecto Agro-industrial Horizonte 2020 no oeste do município de Ombadja e no sul do município de Curoca, ambos na província do Cunene, afectando 39 comunidades de 2.129 famílias com 10.675 crianças, as quais não foram consultadas.
“Elas dependeram sempre da agricultura e da pecuária para a subsistência. No final do ano, a vegetação em 15.000 hectares estava destruída, incluindo árvores utilizadas para alimentação e lenha, capim para pastoreio de gado e cemitérios; 19 famílias foram expulsas dos terrenos devido à diminuição do acesso a alimentos e à água”, lamenta a AI.
Quem não se recorda do caso em que o General Eusébio de Brito Teixeira requereu ao Governador do Kwanza Sul, Eusébio de Brito Teixeira, autorização para açambarcar milhares de hectares, no Kuanza Sul?
Pois é. O Governador do Kwanza Sul, Eusébio de Brito Teixeira, deu deferimento ao pedido apresentado pelo General Eusébio de Brito Teixeira, autorizando o açambarcamento de milhares de hectares no Kwanza Sul. Os cidadãos residentes nessa área, que agora é propriedade do General Eusébio de Brito Teixeira, foram desalojados, por ordem do Governador do Kwanza Sul, Eusébio de Brito Teixeira.
Eusébio de Brito Teixeira que foi reconduzido no cargo pelo General Presidente João Lourenço, impoluto paladino da ética, de moralidade, da transparência e da luta contra a corrupção e o nepotismo.
A AI a decisão do Tribunal Constitucional de Angola, que declarou inconstitucional o decreto assinado pelo então Presidente angolano que aprovava o Regulamento das Organizações Não Governamentais (ONG), considerado restritivo da sua actividade no país.
Porém, considera que os angolanos continuam a ter os seus direitos civis e políticos limitados devido à “repressão violenta” de manifestações pacíficas, nomeadamente em Luanda, Benguela, Lunda Norte, sem que as acções da polícia tenham sido investigadas.
A AI critica também o uso de nova legislação para silenciar críticos, como jornalistas e académicos, restringindo assim a liberdade de expressão e acesso à informação.
A criação de um órgão regulador de comunicação com competências de supervisão, incluindo o poder de determinar se uma determinada comunicação cumpre ou não boas práticas jornalísticas, “equivale a censura prévia”, acusa.
A criminalização do aborto mesmo em casos em que a gravidez de uma mulher é resultado de violação ou quando está em risco a saúde, cujo voto final no parlamento foi adiado indefinidamente, e a intolerância política que persiste em Monte Belo, na província de Benguela, são outras situações que a AI considera preocupantes em Angola.
O relatório da Amnistia Internacional 2017/18 abrange 159 países e oferece uma análise abrangente sobre o estado dos Direitos Humanos à escala mundial, coincidindo com o ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos celebra o 70º. aniversário.
Quase sempre a papel químico
Em Agosto do ano passado, a AI afirmava que o próximo Presidente de Angola deveria guiar o país para fora da espiral de opressão que manchou os 38 anos do brutal reinado do Presidente cessante, José Eduardo dos Santos.
“A presidência de José Eduardo dos Santos ficou marcada pelo seu aterrador historial em matéria de direitos humanos. Durante décadas, os angolanos viveram num clima de medo, em que qualquer protesto tinha como resposta a intimidação, a prisão e o desaparecimento forçado”, lamentou o director regional da Amnistia Internacional para a África Austral, Deprose Muchena.
“(…) O novo Governo angolano tem de pôr fim aos abusos sistemáticos do sistema judicial e de outras instituições estatais para silenciar brutalmente a dissidência”, afirmava Deprose Muchena, acrescentando que as críticas ao Presidente são actualmente consideradas um crime contra a segurança do Estado em Angola. De facto, muitos dos que ousaram denunciar o Presidente e o Governo, tais como manifestantes pacíficos, defensores dos direitos humanos e jornalistas, foram encarcerados por longos períodos ou desapareceram sem deixar rasto.
Segundo a AI, as leis criminais sobre a difamação foram também utilizadas regularmente para silenciar os críticos do Governo, em particular os jornalistas e académicos, enquanto a Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado foi utilizada para justificar detenções arbitrárias dos que mostraram qualquer forma de dissidência.
“Durante anos, os angolanos sofreram violações de direitos humanos apenas por ousarem questionar o Governo opressivo do Presidente José Eduardo dos Santos”, disse Deprose Muchena.
“A nova Administração deve comprometer-se, desde o início, a respeitar e proteger os direitos humanos de todos em Angola. Isto começa pondo fim a restrições indevidas aos direitos de liberdade de expressão, reunião pacífica e associação e construindo ao mesmo tempo um ambiente no qual os defensores dos direitos humanos e a sociedade civil possam trabalhar sem medo de represálias”, referiu.
Nas últimas décadas é com repressão que Angola tem tratado os defensores de direitos humanos, com intimidações e mesmo penas de prisão. Apesar disso, muitos têm sido os corajosos que não se deixam silenciar.
Em declarações à DW África, o director da organização em Portugal, Pedro Neto, relembra: “Dou um exemplo da questão da liberdade de expressão: houve um evento que foi uma novidade em Angola, que foi uma conferência de imprensa aberta por parte do Presidente angolano, João Lourenço. Essa conferência não tinha perguntas pré-acordadas. Portanto, os jornalistas puderam colocar as questões que entenderam. No entanto, alguns jornalistas – e alguns até que trabalham para os órgãos de comunicação social com ligação ao Estado – foram intimidados devido às questões que fizeram.”
João Lourenço pode alegar que este relatório da AI se refere a um vasto período de 2017 em que não era Presidente. É verdade. Mas igualmente verdade é que era ministro desse mesmo governo, para além de ter sido durante décadas um alto dignitário do regime: 1984 – 1987: 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial do Moxico; 1987 – 1990: 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial de Benguela; 1984 – 1992: Deputado na Assembleia do Povo; 1990 – 1992: Chefe da Direcção Politica Nacional das FAPLA; 1992 – 1997: Secretário da Informação do MPLA; 1993 – 1998: Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA; 1998 – 2003: Secretário-geral do MPLA; 1998 – 2003: Presidente da Comissão Constitucional; Membro da Comissão Permanente; Presidente da Bancada Parlamentar; 2003 – 2014: 1º Vice-presidente da Assembleia Nacional.