A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola criticou hoje o “quadro de impunidade” que existe em relação à ocupação ilegal de imóveis, sobretudo públicos, defendendo que os infractores devem ser responsabilizados. Situação nova? Não. Tão velha quanto os anos que o MPLA tem de poder, ou seja quase 43.
Por Norberto Hossi (*)
Segundo o vice-procurador-geral da República do MPLA (é a única que os angolanos conhecem), Mota Liz, que falava na abertura de um seminário sobre Ocupação Ilegal de Imóveis, deve ser assumido por todos os cidadãos “um momento de mudança” e passar-se da impunidade para o quadro de responsabilização, “de respeito à lei e ao próximo”.
Será que a Procuradoria-Geral da República é um órgão novo em Angola? Será que os seus principais dirigentes só agora chegaram ao país? Não. É tudo velhinho. Aliás, das ocupações à corrupção, da cleptocracia ao roubo, tudo faz parte do ADN do MPLA.
“As leis são feitas para regular a sociedade e as instituições como a nossa servem de aplicação da lei e garante do seu cumprimento para todos. Infelizmente, nem sempre a sua acção alcança a eficácia que se espera”, disse.
Aliás, recorde-se que Mota Liz – ele próprio – anda nisto de funções políticas e governativas pelo menos desde 1990, pelo que deveria lembrar-se que à mulher de César não basta ser séria. E, como isso não basta, é caso para perguntar o que andou a fazer nestes anos todos?
A ocupação ilegal de imóveis, sobretudo nas zonas urbanas, bem como a usurpação de terras, fazem parte de relatos diários, com casos mesmo de uma residência ou terreno ter mais do que um proprietário.
Nos últimos anos, o Governo do MPLA (só o MPLA foi governo) investiu na construção de zonas de habitação (centralidades), “um esforço gigantesco do executivo que tem sido alvo de sabotagem”, assinalou Mota Liz, que defendeu que o problema tem de “ser travado”.
Mais vale tarde do que nunca, não é senhor vice-procurador-geral da República, Mota Liz? O problema está em que muitas vezes o tarde é… demasiado tarde. E não adiantará condenar a penas de prisão os criminosos se, entretanto, eles já tiverem morrido…
“Assistimos impávidos e serenos, por vezes, à destruição e à sabotagem desse mesmo património. Num quadro mais ou menos generalizado de impunidade, as pessoas fazem e desfazem porque acreditam facilmente que a autoridade não está presente ou distraída”, realçou Mota Liz. E realçou bem. Todos esperam que a tradição continue a ser o que sempre foi desde 1975, ou seja, roubar é uma instituição nacional, impune desde que os autores sejam do MPLA.
Defendendo que a situação deve ser invertida, Mota Liz explicou que muitas dessas pessoas que sabotaram ou sabotam o património imobiliário público “aproveitam-se de alguma desorganização e facilidades das fragilidades do sistema”.
Já era assim, senhor vice-procurador-geral da República, quando foi Procurador da República junto da Direcção Nacional de Investigação Criminal, em 1998?
“É o momento de despertar a autoridade. Por isso é que estamos cá, polícias, procuradores e administração. Para um tema particular que é o património imobiliário, conhecendo o défice habitacional do nosso país, o Governo fez um esforço gigantesco”, referiu.
Para além dos elogios em boca própria (a PGR é não só um órgão do Governo como do próprio MPLA) serem um vitupério, não seria aconselhável ver quem na hierarquia política e governativa do país tem telhados de vidros e começar por esses? Pois é. Se assim fosse o MPLA seria extinto.
“O país endividou-se, construíram-se cidades, centralidades, muitos jovens em Luanda viram realizado o sonho da casa própria, mas, infelizmente, pessoas oportunistas aproveitaram-se de alguma desorganização e passaram a invadir essas mesmas centralidades, e algumas de forma ilícita”, enfatizou.
Na intervenção feita na abertura do seminário, que junta, no Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ) de Angola, magistrados judiciais, oficiais de investigação e administradores municipais, Mota Liz lembrou, por outro lado, que a gestão do património público precisa de ter sustentabilidade.
“A ocupação ilícita de imóveis é um problema concreto dos nossos dias e a gestão desse património público precisa de ter sustentabilidade, para quem o adquire possa assumir os respectivos encargos e garanta a continuidade do projecto”, disse. Não descobriu a pólvora. Limitou-se a parafrasear La Palice o que, aliás, está tornar-se a emblemática estratégia do Governo. Estratégia essa que, certamente, fará parte do recém determinado Manual de Comunicação Administrativa e Identidade Visual do Governo.
Segundo o vice-PGR angolano, o “problema da sabotagem, vandalização e destruição” do património público não se coloca apenas em relação às zonas habitacionais, mas abrange também outros bens públicos. É verdade mas também não é novidade. A “vandalização e destruição” dos bens do país, a começar pelo seu Povo, começou em 1975 pelas mãos do MPLA e nunca mais parou.
“Abrange também as estações de energia, hospitais, escolas. Há uma espécie de consciência social criminosa que deve ser combatida (…). É por isso que existimos, para proteger este mesmo património e satisfazer esse interesse público”, frisou Mota Liz, tentando passar uma esponja sobre a actuação criminosa, activa ou passiva, dos anteriores governos, todos do MPLA e nos quais o próprio Presidente da República, João Lourenço, teve enormes responsabilidades.
“Nas nossas acções práticas diárias devemos privilegiar também aqueles crimes que visam atingir o património público”, concluiu Mota Liz.
Em discussão no seminário estão também os crimes subjacentes à ocupação ilegal de imóveis, arresto de imóveis no actual quadro legislativo e medidas de coacção processual aplicáveis em sede de ocupação ilegal de imóveis.
(*) Com Lusa