O Presidente angolano exortou (pelo sim e pelo não) os juízes conselheiros do Tribunal Supremo de Angola a apoiarem o combate aos crimes de “colarinho branco” no país. João Lourenço, como general e velho político do sistema, sabe que é preciso incentivar constantemente os seus “soldados”, não vão eles regressar ao cómodo e lucrativo ramerrame em que foram formatados pelo MPLA.
A posição foi retransmitida pelo chefe de Estado na cerimónia em que deu posse, esta terça-feira, aos novos cinco juízes conselheiros do Tribunal Supremo, que o próprio João Lourenço designou, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSJM), na segunda-feira.
“Sobretudo no actual contexto em que estamos todos bastante empenhados no combate àquelas práticas que são lesivas do interesse do Estado e não só, dos cidadãos e, de uma forma geral, de toda a sociedade, com destaque para o combate à corrupção e outro tipo de crimes, os chamados crimes de ‘colarinho branco’”, exortou o Presidente angolano, sobre o papel dos juízes conselheiros daquele tribunal.
Ainda bem que João Lourenço lhes deu mais esta lição. É que, a fazer fé nas palavras do Presidente, os juízes conselheiros não deveriam ter uma grande noção das suas funções. Ou, se tinham, o Presidente ainda não as considera suficientemente solidificadas. Daí a necessidade de os exortar, exortar sempre.
O ex-presidente do Tribunal Constitucional do MPLA (versão Eduardo dos Santos), Rui Ferreira, é um dos cinco juízes conselheiros esta terça-feira empossados, juntamente Norberto Moisés Mona Capeça, Aurélio Simba, João Pedro Kinkani Fuantoni e Anabela Mendes Vidinhas.
Enquanto, à data, juiz conselheiro presidente do Tribunal Constitucional, Rui Ferreira deu posse, no final de Setembro, a João Lourenço, como terceiro Presidente da República de Angola.
O concurso público curricular para o preenchimento de cinco vagas de juízes conselheiros no Tribunal Supremo foi aberto a 20 de Novembro, pelo CSMJ, conforme decisão tomada em reunião plenária extraordinária.
Aquele conselho é presidido, por inerência, pelo presidente do Tribunal Supremo, cargo ocupado até 23 de Novembro pelo juiz conselheiro Manuel Miguel da Costa Aragão, que nesse dia foi empossado como novo presidente do Tribunal Constitucional pelo chefe de Estado, João Lourenço.
Com esta saída, o preenchimento das cinco vagas de juízes conselheiros envolverá ainda a designação de um novo presidente do Tribunal Supremo, instância judicial responsável por julgar recursos de decisões de primeira instância e pedidos de extradição, entre outras matérias.
Caberá ao CSMJ, nos próximos dias, propor três juízes conselheiros ao Presidente da República, entre os quais caberá a João Lourenço escolher o novo juiz presidente do Supremo.
Rui Ferreira é o favorito à sucessão de Manuel Miguel da Costa Aragão, o que a acontecer resultará numa troca entre juízes conselheiros presidentes, entre Tribunal Constitucional e Tribunal Supremo. Nada de novo portanto. Viram o disco e toca (há 42 anos) sempre a mesma música.
O Tribunal Supremo é constituído por presidente, vice-presidente e 19 juízes, sendo composto por câmaras Criminal, Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, de Trabalho e da Família, Sucessões e Menores.
Na tomada de posse de João Lourenço, o então juiz venerando, conselheiro, presidente e certamente emérito do Tribunal Constitucional do MPLA, Rui Ferreira, foi bem claro ao mostrar a todos a sua veia partidocrata, ao pronunciar um discurso eminentemente ideológico distante da academia jurídica e norma constitucional que se impunha.
Rui Ferreira dedicou laivos ao presidente cessante, José Eduardo dos Santos, chegando a pedir desculpa pelo tempo que “lhe roubamos”. Foi a primeira vez que um povo escuta que o Tribunal Constitucional rouba tempo a um presidente da República e à sua família.
Os elogios exacerbados de Rui Ferreira deveriam ser reservados a entes-políticos e não aos entes-jurídicos, no caso Constitucional. Mas não parou por ali. Disse que o povo angolano o elegeu para o exercício presidencial, numa inversão constitucional, pois ele foi eleito como deputado e deveria, ou deverá, depois abdicar do mandato eleito, este sim, pelo povo, ao votar na lista do MPLA de acordo com o art.º 109.º da Constituição, que o tem como cabeça-de-lista.
Outrossim, como cabeça-de-lista depois deste acto deveria cumprir o n.º 3 do art.º 114.º CRA, com a tomada de posse como deputado e abdicar desse mandato, para exercer exclusivamente o presidencial.
Infelizmente, foi triste e deplorável escutar o discurso do presidente do Tribunal Constitucional, que não carece (mas gosta de o fazer publicamente para que o patrono o veja e o povo testemunhe) de lamber as botas ao ex e ao novo presidente da República, pelo contrário, eles é que lhe devem reverência.
Mas nada podemos fazer. É assim que está o país e os órgãos do Estado, todos subservientes.
Folha 8 com Lusa