FMI tem um olho em Angola
e outro (em “bico”) na China

Angola espera que as negociações do programa de apoio solicitado ao Fundo Monetário Internacional (FMI) estejam concluídas até Dezembro e que este arranque no início do exercício fiscal, afirma o ministro das Finanças, Archer Mangueira.

Em entrevista à agência Lusa em Bali, na Indonésia, onde decorrem até 14 de Outubro os Encontros Anuais do FMI e do Banco Mundial, Archer Mangueira sublinhou que este é sempre um processo demorado, mas que tem a expectativa de que o programa de apoio avance no princípio de 2019.

“As negociações levam sempre o seu tempo, mas gostaríamos muito que o programa começasse também com o início do exercício fiscal de Angola”, afirmou o governante. “Nós terminámos a primeira fase do memorando técnico de entendimento, portanto, é um processo que ainda vai até Dezembro”, adiantou, sublinhando que as negociações “estão a correr bem”.

A 5 de Outubro, em Luanda, o chefe de missão do FMI para Angola já tinha classificado como “frutuosas” as negociações com o Governo. O responsável avançou então que as duas partes tinham chegado a acordo “em grande parte das medidas”, havendo ainda “pequenos pontos” por acertar.

Agora, em Bali, à margem do evento do FMI, o ministro das Finanças de Angola salientou que, tanto ao nível do investimento como da receita, o acordo que está a ser negociado com o FMI baseia-se no Programa de Estabilização Macroeconómica definido pelo Governo angolano.

“Nem sequer foi necessário um programa com o FMI para alterar o paradigma”, disse, numa alusão à crónica e mortal dependência do petróleo: “Angola, com a adopção de um programa de estabilização macroeconómica definiu um novo modelo que passa exactamente por priorizar a alocação de recursos para investimentos em infra-estruturas que possam alavancar o sector produtivo, por forma a alavancar a economia, reduzir o peso da dependência externa e também reduzir a pressão sobre a balança de pagamentos, criando fontes alternativas de receitas em moeda externa que não só o petróleo”.

Por outro lado, afirmou, o executivo angolano desenhou também mecanismos que garantam “uma componente importante da consolidação fiscal” que passa pela “melhoria do sistema de arrecadação tributária”. De resto, no final de Setembro, o FMI já se expressara sobre a entrada em vigor do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) em Angola, manifestando a sua concordância com o adiamento da sua aplicação para o segundo semestre de 2019, de forma a conseguir-se um processo sólido.

Sobre o valor total do apoio a ser concedido pelo FMI, Archer Mangueira disse agora que ainda não existe ainda um valor acordado: “Estamos ainda na fase de definir metas, de definir objectivos, [de] combinação de políticas e, depois, certamente, (…) será definido também o montante”.

Em causa está o Programa de Financiamento Ampliado (EFF – Extended Fund Facility), descrito pelo Ministério das Finanças angolano como um mecanismo de apoio do FMI aos países-membros, criado em 1974, “para ajudá-los a solucionar problemas de longo prazo relacionados com baixo crescimento económico e défice na Balança de Pagamentos, decorrentes de profundas distorções que exijam reformas económicas profundas”.

A 20 de Agosto, num comunicado, o Ministério das Finanças angolano indicou ter solicitado “o ajustamento do programa de apoio do FMI, adicionando-se uma componente de financiamento” na missão que a instituição financeira efectuou a Luanda entre 1 e 14 do mesmo mês.

A informação prestada, então, era de que Angola pretendia obter um empréstimo de 4,5 mil milhões de dólares (3,85 mil milhões de euros), repartidos em três tranches iguais ao longo de outros tantos anos.

No arranque dos Encontros Anuais em Bali, o Fundo Monetário Internacional reviu em baixa as previsões para Angola, prevendo agora uma ligeira recessão de 0,1% para este ano, o terceiro consecutivo de crescimento negativo, e estimou um crescimento de 3,1% em 2019.

“Em Angola, o segundo maior exportador da África subsaariana, o Produto Interno Bruto real deve encolher 0,1% em 2018, seguindo uma recessão de 2,5% em 2017, mas projectamos que cresça 3,1% em 2019, com a recuperação a ser alimentada por um sistema de alocação da moeda externa mais eficiente devido à subida dos preços do petróleo”, escrevem os peritos do FMI nas Previsões Económicas Mundiais (‘World Economic Oulook’).

O FMI está, com certeza, atento à influência (ou domínio) da China em Angola mas, igualmente, em toda a África.

Recorde-se que o FMI encorajou recentemente a China a acelerar as reformas estruturais e a prestar atenção ao “crescimento insustentável” do crédito, para manter o crescimento económico ao mesmo tempo que reduz a dívida.

O FMI apontou “o contraste” entre os objectivos declarados por Pequim, como a estabilização do endividamento, o papel decisivo reconhecido ao mercado, maiores aberturas, e o aumento “sempre insustentável” do crédito, o intervencionismo invasivo do Estado ou ainda as restrições às trocas e ao investimento.

Se estas tensões não forem resolvidas podem ameaçar os objectivos de crescimento e encorajar uma “política de recuperação impulsionada pelo crédito”, como depois da crise financeira de 2008, alertou o FMI.

Esta reviravolta pode “intensificar as vulnerabilidades chinesas” e levar a “um brutal reajustamento” da segunda economia mundial, sublinhou. O alerta do FMI surgiu quando Pequim prometeu “uma política fiscal mais activa” para estimular a economia, com deduções fiscais e emissões de títulos para financiar projectos de infra-estruturas.

“Uma política baseada na direcção do Estado e no crédito servirá apenas para manter uma má distribuição de recursos e intensificar os riscos”, sublinhou o FMI.

Apesar do crescimento, impulsionado pelas exportações e gastos públicos, a dívida total da China continua a subir, advertiu o FMI, segundo o qual a dívida será superior a 260% do PIB este ano, excluindo o sector financeiro. A situação levou Pequim a cortar as despesas das colectividades locais e a reforçar as advertências sobre produtos de investimentos “opacos”.

Confrontada com um abrandamento económico e tendo como pano de fundo um agravamento das condições de crédito e a escalada das tensões comerciais com os Estados Unidos da América, a China poderá registar uma taxa de crescimento de 6,6% em 2018 e de 6,4% em 2019, num claro abrandamento em relação a 2017 (+6,9%).

O FMI lamentou que os “objectivos quantitativos de crescimento” fixados por Pequim possam levar à adopção de uma “política de recuperação incompatível com as necessidades de desenvolvimento a longo prazo” e pediu às autoridades chinesas que intensifiquem as reformas estruturais e “reduzam a presença do sector estatal em alguns domínios”.

Folha 8 com Lusa

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