O valor aduaneiro das importações angolanas dos Estados-membros da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) representaram de 2011 a 2017 apenas 5,2% do total das aquisições do país no estrangeiro, indicam dados oficiais.
Segundo o “Ponto de Situação sobre o Processo de Integração de Angola na Zona de Comércio Livre (ZCL) da SADC”, elaborado pelo Ministério do Comércio angolano, no período em referência, o valor aduaneiro das importações angolanas da SADC cifrou-se em 8.568,8 milhões de dólares (7.450,1 milhões de euros), quando o global das aquisições no estrangeiro atingiu 163.707,9 milhões de dólares (142.355,6 milhões de euros).
O documento cita um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), de 2017, a demonstrar que o comércio dentro da SADC perfaz 10% das trocas comerciais gerais dos países membros da comunidade.
A percentagem é comparada com os níveis de comercialização regional da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), 24%, e da União Europeia (UE), 40% significando que 90% das trocas comerciais dos países membros da SADC são feitas, maioritariamente, com outras regiões e países.
As importações com origem nos países da SADC variaram, tendo decrescido de 2009 a 2011 e gradualmente aumentado de 2012 a 2016, com as exportações e importações dentro da SADC a representarem, no período em causa, um aumento de 15,2% para 24,9% e de 18,2% para 21,2%, respectivamente.
Em 2016 e 2017, as importações angolanas situaram-se em 17% e as sul-africanas em 45% do total da SADC, com as percentagens individuais dos outros Estados-membros a permaneceram no intervalo entre 1% e 6% do total das importações da região.
O Plano Indicativo Estratégico de Desenvolvimento Regional (RISDP), aprovado pela SADC em 2003, previa que 85% do comércio intra-regional de mercadorias atingisse a tarifa zero até 2008, devendo cada Estado-membro manter as suas taxas de importação aplicáveis apenas aos países não membros da ZCL.
Revisto para o período 2015-2020, o RISDP redefiniu quatro prioridades para o processo de integração, nomeadamente o estabelecimento de novos níveis de desenvolvimento industrial e de integração dos mercados, de infra-estruturas de apoio à integração regional, de cooperação nas áreas de paz e segurança e programas especiais de dimensão regional.
Em 2016, o desempenho económico da região da SADC foi agravado pela queda do preço das matérias-primas e pelos factores associados às alterações climáticas (secas e cheias), que contribuíram, em grande medida, para o abrandamento do Produto Interno Bruto (PIB) real.
Dados da OCDE apontam para um crescimento anual médio da região de 1,4% em 2016, comparado com os 2,3% de 2015, bem abaixo da média registada entre 2004 e 2008, que foi de 6,2%.
Já a indústria transformadora, identificada como motor do crescimento, cresceu 2,6% em 2016, contra 1,5% em 2015, representando 11,1% do PIB real da África Austral.
Neste ângulo, os países que registaram as taxas de crescimento mais significativas foram a República Democrática do Congo (RDCongo), com 8,6%, Tanzânia 7,8% e Angola, com 6,9%.
No relatório, Angola é apontada como a segunda maior economia da região, com uma percentagem crescente de partilha do PIB, mas que não atinge 14% do total da região.
Os restantes dados mostram uma relativa estabilidade na partilha percentual do PIB da região, com o facto mais saliente a localizar-se na perda de importância relativa da África do Sul, algo que não tem sido aproveitado por nenhuma economia em particular e deixa transparecer um efeito de distribuição equitativa entre as restantes economias, lê-se no documento.
Segundo o relatório, Tanzânia, Zâmbia e Moçambique apresentaram dinâmicas de crescimento e de transformações estruturais acima da média regional, ainda que muito abaixo da África do Sul e de Angola.
A região austral de África apresentou uma Taxa Global de Investimento de 22,7% em 2016, liderada por Moçambique (média de 35,9%), Zâmbia (31,9%) e Tanzânia (29,2%), enquanto a média de Angola foi de 13%.
A SADC integra actualmente 16 Estados membros, depois da adesão como membro de pleno direito das Comores, aprovada por unanimidade na cimeira deste mês, realizada em Windhoek (Namíbia).
Além de Angola e Moçambique, a SADC congrega África do Sul, Botsuana, Comores, Eswatini (ex-Suazilândia), Lesoto, Madagáscar, Malaui, Maurícias, Namíbia, República Democrática do Congo, Seychelles, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué, constituindo-se como um espaço regional com mais de 327 milhões de habitantes e um PIB nominal de 1.444,7 mil milhões de dólares (1.256,2 mil milhões de euros) em 2016.
Velhos mas actuais alertas
Já em 2014 a Economist Intelligence Unit considerava que a descida nos preços do petróleo funciona, ou deveria funcionar, como incentivo à diversificação da economia de Angola, embora alertando que era preciso evitar a realização de obras megalómanas que sejam “elefantes brancos”.
Mas foi aí que residiu e reside o busílis da questão. Isto porque são esses “elefantes brancos” que dão margem às grandes negociatas, aos lucros marginais, aos desvios. À corrupção, em síntese. E sem corrupção o regime que vigora em Angola desde 1975 não sabe viver nem sobreviver.
“Vai ser necessário evitar projectos de prestígio, economicamente inviáveis (ou “elefantes brancos”) e garantir a viabilidade a longo prazo dos projectos de investimento”, escreveram os analistas da EIU, a unidade de análise económica da revista britânica The Economist, que tem assumido uma postura bastante crítica sobre a falta de reformas institucionais e relativamente aos constrangimentos ao ambiente propício aos negócios e aos investimentos em Angola.
O aumento da produção nacional, por via de novas fábricas, “pode levar as autoridades a reconsiderarem a sua posição na SADC”, alertava a EIU, enfatizando que “se Angola conseguir melhorar o fornecimento de electricidade e cortar na burocracia, estaria numa forte posição para desenvolver as exportações regionais, incluindo através das três novas linhas ferroviárias que ligam grandes centros de produção aos portos atlânticos de Luanda, Lobito e Namibe, e às fronteiras com a República Democrática do Congo, Zâmbia e Namíbia”.
A (re)visão de João Lourenço
O Governo de João Lourenço está, de forma acelerada, a descobrir (quase todos os dias) a pólvora, pondo todo o mundo de olhos em Angola e os melhores especialistas internacionais a perguntar: “Como é que não nos lembrámos disto?”
Um dos mais emblemáticos exemplos foi recentemente protagonizado pelo ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Frederico Cardoso, para quem “o sucesso da estratégia para diversificação da economia e o fomento das exportações requerem a observância de boas práticas na actividade inspectiva, com impacto no trabalho da administração pública, das empresas produtoras de bens e prestadoras de serviços”.
É obra. Porque será que, até agora, ninguém tinha descoberto esta estratégia para a diversificação da economia? Ninguém tinha descoberto porque o MPLA/Estado é a entidade que mais cérebros de elevado potencial tem por metro quadrado.
Frederico Cardoso, certamente inspirado no perito dos peritos do MPLA, João Lourenço, reitera que as boas práticas constituem valores agregados à melhoria do ambiente de negócios, da produtividade e da competitividade. Um verdadeiro ovo de Colombo. Uma descoberta que vai alterar o que até hoje eram os paradigmas da economia mundial.
O ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República reconheceu existir ainda muitos desafios a enfrentar e a vencer por Angola para que tenha lugar a sua integração numa região com um mercado de cerca de 300 milhões de habitantes, bem com as demais iniciativas integracionistas do Continente africano, como a futura Zona de Comércio Livre Continental.
Para Frederico Cardoso, no quadro da adesão de Angola à Zona de Comércio Livre Continental, o estabelecimento de um sub-sistema de avaliação da conformidade, que seja transparente e desenvolvido de acordo com os requisitos regionais e internacionais, constitui um pressuposto importante para a sua inserção gradual e plena neste mercado regional cada vez mais pujante e dinâmico.
Ainda de acordo com o governante, a experiência do funcionamento dos mercados da era moderna revela que o reconhecimento das competências técnicas das instituições, através da acreditação, promove a confiança e a legitimidade dos organismos de avaliação da conformidade, na sua complexa missão de garantirem o cumprimento das normas e dos regulamentos técnicos, por arte dos produtores e dos prestadores de serviço.
Em 10 de Junho de 2017, a analista do Standard Bank que, supostamente, segue Angola considerou em declarações à Lusa que o país não estava a fazer investimentos significativos nos sectores não petrolíferos, falhando assim a diversificação económica necessária para evitar choques externos.
Samantha Singh julgou que descobriu a pólvora. Se tivesse tido o cuidado de se instruir, de humildemente aprender alguma coisa com Frederico Cardoso, evitaria cair no ridículo de falar de matérias cujo domínio absoluto pertence a especialistas como ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República.
“A economia não se diversificou suficientemente; as autoridades fizeram alguns esforços em 2009 e 2010, mas depois os preços do petróleo subiram novamente e os esforços não continuaram”, considerou Samantha Singh.
É claro que isto aconteceu porque João Lourenço ainda não era presidente, porque Frederico Cardoso ainda não era ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República e porque o MPLA só estava no poder há quatro décadas…
Para a analista que segue o mercado angolano, “o Governo percebe a importância da diversificação económica e a maioria das autoridades do país percebe que tem de acelerar a diversificação e há melhoramentos nos investimentos em agricultura e na manufactura, mas não são significativos”.
Ou seja, o Governo tem de fazer, mas este do MPLA que está no poder há 42 anos, nunca o fará. Por alguma razão há dezenas de anos, mas sobretudo a partir de 2002, todos aqueles que pensam com a cabeça certa reivindicam a urgência dessa diversificação económica.
Questionada sobre se a diversificação económica, uma das apostas repetidamente prometidas pelo Presidente da República, com a aprovação do Titular do Poder Executivo e do Presidente do MPLA, mas nunca concretizada numa escala minimamente suficiente que permita proteger o país da volatilidade dos preços das matérias-primas, poderá avançar com um novo Presidente da República, Samantha Singh disse que “tem de se esperar para ver”.
E é o que os angolanos estão a fazer. Esperar para ver. Aliás, estão à espera desde 1975.
Folha 8 com Lusa