A presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, considerou hoje, em Luanda, que “mais do que nunca” Portugal e Angola podem continuar o bom relacionamento, uma vez que está ultrapassada “a situação incómoda” que existia entre os dois países. Se foi uma ultrapassagem à margem das mais basilares regras de um Estado de Direito (separação de poderes), isso pouco interessa. Os angolanos registaram.
Assunção Cristas falava à imprensa, à margem de uma palestra sobre “A Política e a Mulher”, realizada na Faculdade de Direito, da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, onde comentou o impasse que marcou nos últimos tempos a relação entre Angola e Portugal.
Em causa, estava o processo judicial que envolvia o Presidente da Sonangol e depois vice-Presidente da República de Angola, Manuel Vicente, remetido agora pela justiça (ao serviço da política) portuguesa para Angola, conforme ordens (chamar-lhe “desejo” é um eufemismo) do Governo do MPLA/Estado.
“Eu creio que hoje, mais do que nunca, podemos continuar esse bom relacionamento, que continuou sempre a existir, os canais continuaram a existir, eu fui convidada para estar aqui na Agostinho Neto, para esta palestra, ainda antes, aceitei ainda antes, é sinal de que as coisas estavam também a fluir”, disse a dirigente do CDS-PP.
A líder do CDS-PP disse ainda estar convicta de que o bom relacionamento entre os dois países, que partilham a mesma língua, em muitos casos a mesma cultura e visões, “que se cruzaram na história”, sempre existiu.
“As relações de Portugal e Angola foram sempre correndo bem, temos muitos portugueses em Angola e muitos angolanos em Portugal, muitos de nós inclusivamente partilhando Portugal e Angola”, reforçou a dirigente do CDS-PP.
Com os estudantes angolanos, Assunção Cristas partilhou a experiência de Portugal da acção das mulheres na política, a forma como vê a necessidade de mais participação feminina, apesar dos ganhos já conquistados ao nível do parlamento e no grupo parlamentar do partido que dirige, com 44% de representação feminina.
“Entendo que quanto mais tivermos uma representação paritária, mais a sociedade fica bem reflectida naquilo que é o trabalho, a reflexão e as decisões que todos os dias se tomam em política, seja ao nível do parlamento seja também ao nível da governação, e a propósito disso também lembrar o que têm sido as grandes batalhas e as conquistas das mulheres em várias áreas”, frisou.
Assunção Cristas sublinhou que não é apenas na política, onde existem menos mulheres comparativamente a homens, mas também nas administrações de grandes empresas, e quando se olha para a partilha das tarefas em casa e fora de casa as mulheres são as mais sobrecarregadas.
“Nós, na verdade, temos uma igualdade na lei e em todos os documentos internacionais e europeus, falam da igualdade entre homens e mulheres, mas depois na prática sabemos que essa igualdade efectivamente não existe”, salientou.
Para terça-feira, a líder do CDS-PP tem agendado encontros com os principais partidos políticos em Angola – MPLA, UNITA e CASA-CE.
Depois avisem, por favor
Os ideólogos do regime e os políticos portugueses entendem, em grande parte por culpa nossa, que somos todos matumbos. E se por cá se fomenta o medo, a ignorância, o pensamento único, o mesmo (ainda) não se pode dizer em relação a Portugal. Custa, por isso, a entende que os dirigentes portugueses estejam (ou digam estar) tão mal informados em relação a Angola.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as nossas autoridades.
Alguém ouviu Assunção Cristas recordar que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém a ouviu recordar que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém ouviu Assunção Cristas recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém a ouviu recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém ouviu Assunção Cristas dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém a ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez ouviu Assunção Cristas dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Alguém ouviu Assunção Cristas dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem a maior taxa de mortalidade infantil e que tem 20 milhões de pobres?
Ninguém ouviu. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para cair nas graças dos donos do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização de João Lourenço.
Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
Folha 8 com Lusa