Da bicefalia à acefalia

Nesta hora de Abril de 2018, o que mais bate na media angolana na área da política nacional, é a bicefalia do governo, implantada, segundo vozes, daqui e de acolá, por força da conjuntura. Ora, o que está em causa nesta altura do “campeonato” no xadrez político não é nada que tenha a ver com bicefalia.

Por William Tonet

Por quê?… Porque não existe, pois enquanto vice-presidente do MPLA, JLO dirige mais de 80% das reuniões do secretariado do partido e está ao corrente de todas as suas decisões, enquanto o inverso não é verdadeiro, uma vez que Dos Santos já não manda, nem pode interferir na gestão diária do Estado, que tem João Lourenço na Presidência.

Em todo o caso, o empolado problema da BICEFALIA tem estado a dividir o MPLA, a acirrar as lutas no seio desta formação política e, a esse respeito, não acho curial que apoiantes de JES saiam à rua para endeusar a figura do ex-PR, o que, na minha opinião, abriria um precedente que daria azo aos admiradores de JLO organizarem também manifestações, com a mesma legitimidade, para enaltecer os feitos do actual PR.

Do mesmo ponto de vista, o cenário da Bicefalia, ainda que agrade à Oposição pela simples razão de que, para quem aspira chegar ao poder, divisão no poder é bónus, não traz benefícios para o país, antes pelo contrário, atrasa o seu desenvolvimento que, infelizmente, já leva vários anos de atraso. Neste cenário, acontece que a peça mais importante no tabuleiro do xadrez político, hoje, é o cinismo partidocrata. Um cinismo que nunca subiu tão alto como agora, numa altura em que ocorre uma transição e nos apercebemos daquilo que é a génese mental de muitos políticos no interior da cúpula do MPLA.

A maioria, sim a maioria, daqueles que deveriam ser um exemplo pelos cargos que ocupam, comportam-se como canalhas; canalhas; CANALHAS. Sem moral. Sem valores. Galardoados com medalhas, senhores de um egoísmo exacerbado, ostentam uma apetência desmedida para a traição, principalmente se esta permitir a continuação da roubalheira. Hoje, mais do que nunca são aves de rapina!

A turba dos bajuladores

Por incrível que pareça, a turba de bajuladores ancorada em instituições como o MNE (Movimento Nacional Espontâneo), AJAPARZ (Associação dos Jovens Estudantes da Zâmbia), AMANGOLA, etc., que recebiam – e continuam a receber – verbas do erário público para a promoção de xinguilamentos, maratonas kuduristas, bebedeiras colectivas e outras folias, continuam a ser apadrinhadas pelo Estado.

Voltando atrás no tempo, o que vemos é que José Eduardo dos Santos construiu uma pirâmide no deserto do MPLA e foi posto pelos seus camaradas no seu vértice, na qualidade de ditador. De facto, estou em crer que não foi a sua mãe que o pariu ditador, foram os camaradas, os seus lugares-tenentes, sedentos de mordomias indevidas e apetências financeiras descomunais, que deram o corpo à luta, e corpo à sua ascensão ao vértice da pirâmide, para em troca receberem as chaves e os códigos dos cofres que lhes permitiram delapidar os fundos dos enchidos cofres do erário público no fito de rechear com milhões de dólares as suas próprias contas privadas.

Hoje, quando alguns respeitáveis intelectuais e até jornalistas, quais carpideiras, falam de bicefalia, tal como ontem, apenas estão a bajular o novo presidente, para que lhes sejam garantidos lugares e tachos governamentais que permitam continuar a roubar e, nessa senda, como arma de arremesso utilizam a delação.

Tal como fizeram com Dos Santos para o levar ao vértice da pirâmide do poder, estes intelectualóides querem, em nome das auguradas mordomias, tornar João Lourenço um ditador, achando que só poderá governar se ele concentrar todos os poderes partidários em suplemento aos do Estado. Eles querem a continuidade do MPLA como órgão supremo do Estado, quando deveria, tal como as demais legendas políticas, um partido normal, sem qualquer interferência nos órgãos públicos, com capacidade de trafegar dinheiro do Estado para comprar votos, fraudar as eleições e premiar, no final, todos os capitães da fraude eleitoral.

Tal como, muitos “opinion makers” e intelectuais dizem ter ocorrido e sido a base da ascensão, aos órgãos do Estado e públicos de Edeltrudes Costa (ex-CNE-director de gabinete do Presidente da República, João Lourenço), Adão de Almeida (ex-CNE e actual ministro da Administração do Território), Júlia Ferreira (ex-CNE e actual juíza conselheira do Tribunal Constitucional), Manuel da Silva (ex-juiz do Tribunal provincial de Luanda, que condenou William Tonet), Silva Neto (ex-juiz conselheiro do Tribunal Supremo e actual presidente da CNE -Comissão Nacional Eleitoral) e todo um grupo de “iluministas do mal” descomprometidos com a imparcialidade, a verdade eleitoral, a democracia, a vontade popular de mudança e a boa gestão da coisa pública, mas agindo unicamente para benefício e perpetuação no poder, de um reduzido grupo partidário, que se “empanturra” com dinheiro público.

São dirigentes não comprometidos com o bem comum, o bem público, mas com o interesse ideológico de rapina. Eles, mais do que “sanguessugas”, eram os gaviões da desgraça de todo um país, levado ao fundo do poço. Nesta lógica, garimpar os cofres públicos passou a ser uma questão de honra, para quem ascendesse aos corredores do poder de um regime que institucionalizou a acumulação primitiva de capital.

Entretanto, cidadãos de várias geografias de Angola, acreditaram na propalada convicção proletária desta turma, quando, afinal, era uma gangue de proprietários vorazes, que retrospectivaram em tempo recorde os 500 anos de colonialismo em que muitos portugueses se retiraram como comerciantes, que suavam as estopinhas para ganhar e acumular riqueza, extra-Estado.

Em suma, esta é a realidade, e continuar a advogar que o Presidente do MPLA seja o presidente da República é continuar a cometer um assassinato multifacetado, à democracia, aos direitos humanos e às liberdades.

O Povo tem de abrir os olhos, reclamar, sair às ruas pacificamente e exigir uma mudança de políticas ou através de uma grande revolução como a de Martin Luther King ou Mahatamn Gandi, porquanto um verdadeiro político e patriota, não está no poder para se servir, mas para servir a comunidade, imparcialmente.

O problema do país é que, nesta rota de transição individual, o que mais parece é não haver para os angolanos uma perspectiva de real mudança. O falso problema da bicefalia reside no facto de os mesmos que dele beneficiaram (na época de JES) voltarem-se agora contra o ex-presidente para conquistar benesses do actual presidente.

Ora, o foco dessa estratégia não deveria ser o combate a José Eduardo dos Santos, enquanto cidadão, mas a crítica acerba à gestão do erário e coisa públicas, por parte de José Eduardo dos Santos nas vestes de Titular do Poder Executivo e Presidente da República, quer dizer, crítica, sim, mas às instituições, os órgãos do Estado e o atípico modelo de Constituição.

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