O Presidente angolano, João Lourenço, efectua terça e quarta-feira uma visita (mais uma) de Estado à China, onde esteve há cerca de mês e meio, enquanto tenta fechar empréstimos de Pequim avaliados em cerca de 10.000 milhões de euros.
Provavelmente o Titular do Poder Executivo (que “integra” a comitiva do Presidente da República) gostaria que o Governo abrisse uma “filial” em Pequim, consubstanciado a tese do Presidente do MPLA (igualmente “presente” na comitiva) que o partido é dono de Angola e que China é dona do dono de Angola.
O montante em negociação junto de parceiros internacionais (China e Europa), segundo foi noticiado em Maio e de acordo com fonte governamental, poderá ascender a de 16.500 milhões de euros em linhas de financiamento para projectos no país. Contudo, a maior parte será oriunda de instituições bancárias chinesas.
Cerca de 40 dias depois de ter participado, em Pequim, na terceira cimeira do Fórum de Cooperação China-África, João Lourenço regressa assim ao país, enquanto tenta chegar a um acordo nas negociações que decorrem há vários meses.
A 1 deste mês, fonte da Casa Civil do Presidente da República angolano adiantou que João Lourenço será acompanhado pelo ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, e pelo Governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano.
Em Pequim, acrescentou a fonte, o Presidente angolano será recebido pelo homólogo da China, com quem esteve reunido a 4 de Setembro passado, à margem da cimeira, em que manifestou a Xi Jinping o desejo de ver aumentado o investimento directo de empresas chinesas na produção de bens de amplo consumo.
Em Setembro, durante a estada em Pequim, o Presidente João Lourenço adiantou que o investimento pode ser feito através do estabelecimento de parcerias “mutuamente vantajosas” com empresários angolanos, na partilha de tecnologia e de conhecimento científico e na formação de quadros angolanos.
Para assegurar o êxito dos programas bilaterais de cooperação, o chefe de Estado angolano defendeu o estabelecimento de “mecanismos práticos que possibilitem o acesso aos recursos financeiros necessários para o sucesso das medidas de políticas estabelecidas pelas nações africanas”.
João Lourenço considerou também “necessário” que as instituições bancárias africanas e da China desempenhem um papel importante, “com o objectivo de tornarem real a vontade política de ambos os lados” em proporcionar os recursos e desenvolver projectos que garantam um desenvolvimento que se revele “mutuamente vantajoso”.
Durante a visita de João Lourenço, porém, não foi possível concluírem-se as negociações para a definição de um quadro geral de cooperação financeira bilateral, que ficaram então adiadas para fins de Setembro e, agora, para a visita do Presidente angolano.
“É possível que este acordo (sobre a definição do quadro geral de cooperação financeira) seja assinado na China ainda este ano”, disse então Manuel Augusto, salientando que Pequim está disposta a financiar projectos em África, mas uma das contrapartidas é a transparência nos países que queiram concorrer a esse financiamento.
De acordo com informação do Governo angolano enviada em Maio a investidores internacionais, Angola está actualmente a negociar “várias novas facilidades de crédito”, algumas das quais em fase avançada de negociação.
É o caso de uma linha de financiamento em negociação com os chineses do ICBC (Banco Industrial e Comercial da China), para projectos de infra-estrutura em Angola, avaliados em 11.700 milhões de dólares (9.830 milhões de euros).
Tendo ainda o ICBC como angariador, agente e credor original, o Governo angolano, lê-se no documento, está “em vias de celebrar um contrato de empréstimo” de 1.281,9 milhões de dólares (1.076 milhões de euros), para financiar até 85% do preço do contrato para a concepção, construção e fornecimento de equipamentos do Novo Aeroporto Internacional de Luanda, em construção por empresas chinesas nos arredores da capital.
Este empréstimo será por um período de 15 anos e inclui um período inicial de carência de 18 meses, durante o qual Angola não é obrigada a reembolsar o montante principal do empréstimo.
Através do banco estatal chinês que apoia as importações e exportações do país (China EximBank), Angola está a negociar um financiamento para a construção da marginal de Corimba, em Luanda, de 690,2 milhões de dólares (579 milhões de euros), para o sistema de transporte de electricidade da barragem de Lauchimo, por 760,4 milhões de dólares (638 milhões de euros), e para a construção da base da Academia Naval, em Kalunga, Porto Amboim, no valor de 1.100 milhões de dólares (923 milhões de euros).
Só entre 2013 e final de 2017, dados do Governo angolano indicam que a dívida total de Angola à China – bilateral e aos bancos comerciais chineses – passou de 4.700 milhões de dólares (3.940 milhões de euros) para 21.500 milhões de dólares (18.000 milhões de euros), equivalente a mais de 60% de toda a dívida contraída externamente pelo país.
Ainda sem estes acordos de financiamento fechados, o Governo angolano estima fechar 2018 com um endividamento público de 77.300 milhões de dólares (65.100 milhões de euros), equivalente a 70,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para este ano, excluindo a dívida da petrolífera estatal Sonangol.
Para Angola sempre e em força
Novembro de 2016. Representantes de cerca de 600 empresas chinesas rumaram a Luanda para o fórum de investimento Angola/China. Na altura, fonte da organização deste fórum, a cargo da Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP) da Casa Civil do Presidente da República de Angola, informou que áreas como agricultura, pescas, energia e águas, construção e minas estavam na agenda das potencialidades angolanas a apresentar aos empresários chineses.
O Governo angolano encarregou então o ministro e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Manuel da Cruz Neto, de liderar uma comissão, com mais oito ministros, para preparar este fórum.
O evento foi colocado em plano de destaque nas relações entre os dois países e obrigou igualmente a um reforço de segurança pelas autoridades angolanas, tendo em conta o elevado número de empresários chineses presentes em Luanda.
O Governo destacou então que a China “constitui um parceiro importante” de Angola e que “as excelentes relações entre os dois Estados têm reforçado cada vez mais o âmbito da cooperação, particularmente no domínio económico”.
O fórum de Investimento Angola-China visou “reforçar o desenvolvimento de sinergias para realização de parcerias empresariais e investimentos entre empresários dos dois estados”, referiu o Governo angolano.
Angola (mais propriamente o regime) foi o país africano que mais beneficiou de empréstimos concedidos pela China, escrevia em 2016 a unidade de investigação sedeada nos EUA, ChinaAid.
O principal receptor das linhas de crédito abertas por Pequim foi o sector transporte e armazenagem, que absorveu 20% do montante global. Logo a seguir surge a produção e abastecimento de energia, que recebeu 18% do crédito chinês.
Governo e sociedade civil, comunicações e abastecimento de água e saneamento, que, no conjunto, acederam a 667 milhões de dólares, surgem no fim da lista.
Depois de a guerra civil em Angola ter acabado, em 2002, a China tornou-se um dos principais actores da reconstrução do país, nomeadamente das suas estradas, caminhos-de-ferro e outras infra-estruturas.
Em troca “obteve condições favoráveis para a exploração de minérios”, lê-se na pesquisa conduzida pela jornalista de investigação espanhola Eva Constantaras.
A China é hoje o maior importador do petróleo angolano, mas, devido à queda do preço daquela matéria-prima, o valor das exportações angolanas para o mercado chinês diminuiu cerca de 50%. Entre as nações africanas mais beneficiadas pelos empréstimos chineses surgem ainda o Sudão, Gana e Etiópia.
“A maioria dos principais receptores são países ricos em recursos naturais – incluindo petróleo, diamantes e ouro – e muita da ajuda chinesa serve para tornar essa riqueza acessível para exportar”, aponta o estudo.
País mais populoso do mundo, com cerca de 1.379 milhões de habitantes, a China registou nas últimas três décadas um ritmo médio de crescimento económico de 10% ao ano, transformando-se no maior consumidor de quase todo o tipo de matérias-primas.
Desde 2009, o “gigante” asiático tornou-se o principal parceiro comercial do continente africano.
E os reis até gostam e incentivam
Em Maio de 2016, o Governo de sua majestade o então rei José Eduardo dos Santos autorizou o Banco da China a abrir uma sucursal em Angola, para desenvolver actividades financeiras e bancárias.
A autorização constava de um decreto assinado por José Eduardo dos Santos, de 13 Maio, que adiantava que a instituição detida pelo Estado chinês iria operar no país com a designação Banco da China – sucursal em Angola.
A decisão sobre a abertura da sucursal angolana do Banco da China surgiu numa altura de fortes constrangimentos no país devido à crise da cotação do petróleo, nomeadamente no acesso a divisas, colocando em causa transferências para o estrangeiro ou a importação de matéria-prima.
O então governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Walter Filipe, reconheceu que a banca do país estava a ser colocada “à margem” do sistema financeiro mundial, numa aparente alusão à falta de acesso dos bancos angolanos ao circuito internacional de divisas, por dúvidas dos reguladores internacionais sobre credibilidade das instituições angolanas.
Para Walter Filipe, era necessário colocar “ética e moral” na banca angolana, devendo esta ser colocada ao “serviço do bem comum”.
“Devemos fazê-lo implementando em Angola as normas prudenciais e as boas práticas nacionais e internacionais, e todas as normas de combate ao branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo, porque estamos a ficar numa situação em que está a ser colocado o sistema financeiro angolano à margem do sistema financeiro mundial. E isto é grave para a prosperidade das nossas famílias”, apontou.
Recorde-se que a Economist Intelligence Unit (EIU) considera que o aprofundamento das relações económicas entre Angola e China é mutuamente positiva, mas é dificultada pelos altos custos de fazer negócios no reino de sua majestade o rei de Angola e pelo abrandamento chinês.
“Ambos os países gostam de falar muito da sua relação mutuamente vantajosa, e ambos certamente têm algo a ganhar se avançarem para além do tradicional modelo de crédito estatal, mas estas boas intenções devem primeiro superar as dificuldades e os altos custos de fazer negócios em Angola, e podem ser abrandadas pelo próprio abrandamento económico da China”, escreve a EIU.
Para a unidade de análise económica da revista britânica The Economist, Angola está a tentar diversificar as suas fontes de financiamento: depois de ter apostado num conjunto de empréstimos bilaterais por parte de bancos comerciais ocidentais, Luanda emitiu 1,5 mil milhões de dólares em títulos de dívida soberana no final do ano passado, já depois da visita do Presidente de Angola à China, na qual terá garantido um financiamento de 6 mil milhões de dólares de crédito chinês.
“Angola está a aprofundar a sua relação económica com a China, esperando ir além do tradicional modelo estatal de linhas de crédito pagas em petróleo, para uma abordagem mais diversificada e liderada pelo sector privado”, escrevem os analistas da EIU numa nota enviada aos investidores.
“O investimento privado estrangeiro é urgentemente necessário em Angola, a lutar contra os preços baixos do petróleo, a sua maior exportação e fonte de receitas”, escreve a EIU, acrescentando que “as empresas chinesas têm a capacidade de fornecer dinheiro e ‘know-how’ para ajudar o país a desenvolver sectores não petrolíferos, como a agricultura e a manufacturação, e criar os tão necessários empregos”.
Apesar de o sistema de pagar em petróleo os empréstimos chineses que são usados na reconstrução do país ter resultado bem para Angola, o modelo está a tornar-se mais difícil para o país.
“Com os preços do petróleo fortemente pressionados, o volume de crude que Angola tem de enviar para a China para cumprir as obrigações financeiras cresceu consideravelmente”, escreve a EIU, concluindo que “isto significa que Angola tem menos crude para vender noutros locais, aumentando as dificuldades de receita do Governo e provocando críticas renovadas da oposição sobre os contornos das linhas de crédito chinesas”.
Folha 8 com Lusa