No Twitter, a empresária angolana Isabel dos Santos defende o legado do pai, ex-presidente de Angola, e deixou uma exigência a João Lourenço: Angola tem de crescer a “dois dígitos”. Não sendo ele general, é um destemido conselho ao Presidente do MPLA, ao Titular do Poder Executivo e ao Presidente da República…
Isabel dos Santos quer (e como empresária com obra feita tem legitimidade para isso) a economia angolana a crescer acima de 10% ao ano depois da contracção de 0,8% registada em 2016. A empresária escreveu no Twitter que “a questão é como fazer com que a economia cresça novamente à taxa de dois dígitos”, sem referir qual a sua receita, desde logo por legítima defesa de quem foi e é, mais por razões políticas do que empresariais, considerada – agora – “persona non grata” por uma vasta série de políticos que sabem tudo mas não conseguem fazer nada.
Num momento em que Angola está a negociar com o Fundo Monetário Internacional (FMI) um programa de assistência técnica e financeira, a ex-presidente da Sonangol, que foi afastada pelo actual presidente, João Lourenço, sem que até hoje se conheçam as razões técnicas, empresariais, de gestão etc. que eventualmente tenham estado na base da decisão, desafia o governo e todos aqueles que, da noite para o dia, a passaram de bestial a besta, a criar condições para que o país volte a crescer a passos largos.
“De 2002 a 2017, o país saiu de um PIB (Produto Interno Bruto) de 12,5 mil milhões de dólares para 126 mil milhões de dólares”, escreve Isabel dos Santos, referindo que, considerando os dados, “Angola cresceu 908% em 15 anos”. 2002 foi o ano em que terminou oficialmente a Guerra Civil Angolana. No dia 4 de Abril desse ano o Governo do MPLA assinou um acordo de paz com a UNITA.
Estará João Lourenço, ou até qualquer um dos seus ministros (todos, incluindo o Presidente da República, “filhos” de Eduardo dos Santos), em condições de desmentir isto?
Segundo os números do Banco Mundial, em 2017 o tamanho da economia angolana era de 124 mil milhões de euros. O pico de 126 mil milhões de dólares foi atingido em 2014, mas nos anos seguintes a desvalorização da moeda e a contracção da economia encolheram o PIB.
“O PIB per capita, mesmo com a duplicação da população cresceu 609%”, acrescentou ainda a empresária Isabel dos Santos, pretendendo com isso dizer que o primado da economia (aquele que pode alimentar quem tem fome) deve ser o mais importante, relegando para segundo o da política que, aliás, é mais de partidarismo (ou até mesmo de politiquice) e que só consegue alimentar o clã que gravita sempre em redor de quem está no poder. Ontem José Eduardo dos Santos, hoje João Lourenço.
João Lourenço neste primeiro ano de poder quase absoluto (só não foi totalmente absoluto e unipessoal porque só há pouco tempo é presidente do MPLA) conta na sua senda de suposto justiceiro com os amigos, com os acólitos, com os ex-inimigos, com os ex-acólitos de Eduardo dos Santos. Todos (ou quase) os que criticaram – e bem – Isabel dos Santos por décadas de actividades cleptocráticas estão agora rendidos a JLo.
Para estes, quem roubou uma vez é ladrão para sempre. E no rol de crimes figuram todos os roubos, mesmo os que não cometeu, mesmo os que o não foram por estarem respaldados na lei, mesmo os que cometeu com a solidariedade e protecção de João Lourenço.
O Folha 8 foi dos que mais criticou Isabel dos Santos, sendo por isso um dos seus principais alvos. Continuamos a criticá-la. Mas se ladrão tanto é o que entra no galinheiro como o que fica à porta, quantas vezes o justiceiro João Lourenço, enquanto vice-presidente do MPLA, enquanto ministro, enquanto alto dirigente do partido, ficou à porta?
Seria, portanto, fácil continuar a culpar Isabel dos Santos, tornando-a o único bode expiatório dos enormes crimes cometidos em Angola em dezenas de anos, branqueando os principais responsáveis. Desde logo o MPLA (o único partido com funções governativas desde 1975), o seu presidente José Eduardo dos Santos (38 anos no poder) e toda a respectiva hierarquia, com destaque para João Lourenço.
A empresária Isabel dos Santos ameaça levar o Estado angolano a tribunal, depois da decisão do Presidente João Lourenço de anular contratos milionários que tinham sido entregues a empresas suas pelo ex-presidente do país, o seu pai José Eduardo dos Santos.
Convenhamos que Isabel dos Santos é suficientemente inteligente para saber que os tribunais angolanos, nesta como noutras matérias, se limitam a encontrar matéria de facto que consubstancie o veredicto que lhe seja ditado antes mesmo de analisar qualquer queixa. Era assim no tempo do seu pai, é assim agora no tempo de João Lourenço.
Mais do que levar o Estado (isto é, o MPLA) a tribunal, Isabel deveria contar-nos (em livro, por exemplo) tudo o que sabe da promiscuidade criminosa entre dirigentes do partido/Estado/Governo, entre o seu pai e João Lourenço, os acordos firmados, o papel dos serviços de informação etc. etc..
Relembre-se que o general António José Maria (férreo aliado de Dos Santos), afastado do Serviço de Inteligência e de Segurança Militar, terá dito várias vezes a José Eduardo dos Santos estar pronto para a “guerra”, pedindo “instruções” sobre o que pretendia o ex-presidente da República.
José Maria passou muito tempo, sobretudo a partir do momento em que Eduardo dos Santos disse que não seria candidato do MPLA às eleições e se aventou que o candidato seria João Lourenço, a reunir informações, dados, documentos, testemunhos (no país e no estrangeiro) sobre o actual Presidente da República.
“O Serviço de Inteligência e de Segurança Militar esteve em exclusivo a trabalhar, por ordem do general Zé Maria, numa espécie de Paradise papers of João Lourenço”, contou ao Folha uma fonte ligada ao general.
Certo é que quando se perde o Poder a maioria dos acólitos saltam a barricada. Não é o caso do general José Maria que considera que as decisões em catadupa que estão a ser tomadas pelo Presidente da República, João Lourenço, são uma caça às bruxas no MPLA e uma lavagem da sua imagem, “quase parecendo que JLo nada tem a ver com o MPLA e que só agora chegou à política angolana”.
Isabel dos Santos não gostou da anulação do contrato de construção do Porto da Barra do Dande, orçamentado em 1500 milhões de dólares, que tinha sido atribuído a uma empresa sua, por decisão do seu pai mas, é claro, apoiada sem hesitações por… João Lourenço, enquanto vice-presidente do MPLA e ministro.
O Estado/MPLA também anulou o contrato de compra e venda de diamantes brutos que a empresa pública angolana Sodiam tinha com a Odyssey Holding, outra sociedade da empresária angolana que tem sede nos Emirados Árabes Unidos. Outra sociedade “politicamente subscrita” por Dos Santos e JLO.
Enfim. Nada nesta novela espanta. Espanta, isso sim, o êxito da estratégia de João Lourenço que, com algumas jogadas de mestre, conseguiu trazer para o seu lado da barricada muitos, quase todos, até mesmo supostos jornalistas que só têm por missão acertar contas com o clã Eduardo dos Santos, mesmo que tenham de violar a sua mais importante missão: a verdade.