O general João Lourenço, ex-ministro da Defesa de Angola, (quase) actual duplo (leia-se sósia político) de José Eduardo dos Santos, exigiu recentemente “respeito” das autoridades portuguesas às “principais entidades do Estado angolano”, admitindo que as relações bilaterais estão… “frias”. Será que o beija-mão de Marcelo Rebelo de Sousa vai alter a temperatura?
Por outras palavras, o próximo (semi)presidente da República (o presidente real continuará a ser o presidente do MPLA José Eduardo dos Santos coadjuvado pelo general “Kopelipa”. Ou será ao contrário?) está-se nas tintas que Portugal não “respeite” os angolanos, mormente os 20 milhões de pobres. No entanto, o mesmo não se passa com as “principais entidades do Estado angolano”. Com esses cuidado! Muito cuidado. Esses são angolanos de primeira.
João Lourenço, recorde-se, fez estas declarações em Maputo a propósito das relações do MPLA com Portugal, após a constituição como arguido do vice-Presidente da República, Manuel Vicente, por vários crimes entre os quais o de corrupção activa, numa investigação da Justiça portuguesa.
Mas é claro que falar de corrupção em Angola é um sacrilégio. Alguém acredita nisso, sabendo-se que o regime do MPLA é, em matéria de integridade e honorabilidade, impoluto e o paradigma dos paradigmas?
“As relações estão, de alguma forma, frias, apenas frias. Estamos obrigados, os dois governos, a encontrar soluções para a situação que nos foi criada”, disse João Lourenço. Disse e Marcelo Rebelo de Sousa ouviu e até deu o primeiro passado ao dar-lhes os parabéns pela eleição mesmo antes de haver resultados definitivos. Que mais poderia querer o MPLA?
Frias a ponto de nevar? Porque será que as “principais entidades do Estado angolano” não recordam que o Ministério Público português também investigou uma burla gigantesca ao Estado angolano, supostamente cometida por empresários portugueses com ligações a elementos angolanos do Banco Nacional de Angola? Em causa estavam mais de 300 milhões de euros em pagamentos do BNA para produtos que nunca chegaram a Angola, alguns completamente fictícios, como… limpa-neves.
“Nas relações entre Estados deve haver reciprocidade. Nós nunca tratamos mal as autoridades portuguesas e por esta razão exigimos, de igual forma, respeito pelas principais entidades do Estado angolano”, corroborou João Lourenço.
Desta forma, João Lourenço explicava aos que ainda duvidavam que com ele, tal como com José Eduardo dos Santos durante 38 anos, “respeito pelas principais entidades do Estado angolano” é sinónimo de impunidade total. Portugal fica proibido de investigar qualquer uma das principais entidades do regime, podendo no entanto fazê-lo em relação aos pilha-galinhas ou até mesmo aos dirigentes da Oposição.
Folha 8 “está” com João Lourenço
Assim, não escrevemos que o general Hélder Vieira Dias Kopelipa terá desviado 300 milhões de dólares para o Dubai, aumentando exponencialmente os casos de corrupção, branqueamento de capitais etc. no seio dos mais altos dirigentes do regime.
Também não escrevemos que o próprio Ricardo Salgado, ex-líder do BES, já tinha avançado ao Ministério Público a hipótese de altas figuras do MPLA terem contribuído para o buraco de mais de 5,7 mil milhões de dólares que foi detectado no BESA.
Igualmente não tornamos público que as transferências alegadamente realizadas pelo general Kopelipa, chefe da Casa Militar do Presidente José Eduardo dos Santos, foram denunciadas na reportagem da SIC “Assalto ao Castelo”.
Reiteramos que não redigimos textos em que se diga que Ricardo Salgado já tinha denunciado, no interrogatório a que foi sujeito no dia 18 de Janeiro na Operação Marquês depois de ser constituído arguido por alegadamente ter corrompido José Sócrates, a possibilidade das mais altas esferas da classe política do regime do MPLA estarem envolvidas no desaparecimento de 5,7 mil milhões de euros no BESA, sendo esta a primeira vez que Salgado não responsabilizou exclusivamente Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BESA, pelo buraco detectado na sucursal angolana do BES.
Assim sendo, abstemo-nos de escrever que quando foi interrogado no âmbito da Operação Marquês, Ricardo Salgado sugeriu que Álvaro Sobrinho tinha tido cúmplices. Sobre o empresário angolano, disse que ele “devia ter ido logo para a cadeia” e que “devia ter sido preso em Angola”. Porém, “ninguém lhe tocou”. “Portanto, eu só posso concluir que houve mais pessoas em Angola que beneficiaram com o prejuízo do BESA”, concluiu.
Pois bem, recusamo-nos a escrever que na reportagem “Assalto ao Castelo” emitida pela SIC, alegou-se que o general Manuel Vieira Dias, chefe da Casa Militar do Presidente José Eduardo dos Santos e também conhecido como “Kopelipa”, ajudou na fuga de 300 milhões de dólares do BESA.
Também não vamos recordar que no meio de todo este velho imbróglio, já em 2013, depois da abertura, em Portugal, de investigações criminais por suspeitas de branqueamento de capitais contra João Maria de Sousa, procurador-geral da República, o general “Kopelipa” e o próprio Manuel Vicente, José Eduardo dos Santos anunciou formalmente o fim da “parceria estratégica com Portugal”.
Não vamos fazer como Jorge Costa, em artigo publicado na altura no Esquerda.net, que disse que “como é costume nestes casos, as auditorias internas do BES não indicavam problemas na filial angolana, os accionistas locais (generais Kopelipa e Leopoldino do Nascimento, entre outros) não se queixavam de nada e a consultora KPMG nunca soou alarmes. O BESA recebia prémios internacionais”.
Pois também evitamos dizer que a garantia concedida pelo Estado angolano para salvar o BES Angola ascendeu a cinco mil milhões de dólares, nada menos que o valor equivalente ao do famoso Fundo Soberano do país, lançado com estrondo e entregue – pois claro! – ao filho de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos.