Isaías Samakuva ameaçou hoje recorrer a mais manifestações para, disse, contestar “irregularidades” na preparação das eleições gerais de 23 de Agosto em Angola. Tem razão. No entanto, se calhar haveria razões mais válidas para a UNITA sair à rua como hoje fez. Ah! Mas essas iam chatear a sério o regime/MPLA e, nesse caso, o melhor é ficar no remanso dos gabinetes. É isso, não é?
Por Orlando Castro
Então o que é preciso para que a UNITA (e também a CASA-CE) se manifestem nas ruas e assumam o risco de, como os jovens activistas, levar porrada da Polícia Nacional do MPLA?
Angola é um dos países mais corruptos do mundo. Quantas manifestações de rua fez a UNITA para protestar contra esta realidade, para alertar a comunidade internacional para essa epidemia que massacra os angolanos?
Angola lidera o ranking mundial da mortalidade infantil. Quantas manifestações de rua fez a UNITA para protestar contra esta realidade, para alertar a comunidade internacional para essa epidemia que massacra os angolanos?
Em Angola existem cerca de 20 milhões de angolanos pobres. Quantas manifestações de rua fez a UNITA para protestar contra esta realidade, para alertar a comunidade internacional para essa epidemia que massacra os angolanos?
Em Angola a esmagadora maioria dos angolanos são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome. Quantas manifestações de rua fez a UNITA para protestar contra esta realidade, para alertar a comunidade internacional para essa epidemia que massacra os angolanos?
Onde esteve a UNITA quando se realizaram manifestações da sociedade contra o nepotismo, a cleptocracia e a ditadura do regime?
A UNITA continua, e creio que o faz conscientemente, a andar calma e passivamente em cima de um tapete rolante que anda para trás. Samakuva e os seus sargentos (com a morte de Jonas Savimbi a UNITA deixou de ter generais) pensam que estão a progredir. Mas não estão. Estão sempre no mesmo sítio. Quem está na vanguarda é o MPLA que não se limita a andar… corre. Corre, sempre.
A UNITA continua a achar (de modo a manter o seu status quo) que é preferível pedir uma espingarda ao MPLA do que caçar com uma azagaia própria. O MPLA não terá, nunca teve, problemas em emprestar a caçadeira. O problema estará quando se puxar o gatilho com a onça a poucos metros. Nessa altura se descobrirá que a arma foi fornecida sem munições…
Porque será que, apesar da experiência e credibilidade (conforme pacto de rendição de 2002) da maioria dos seus dirigentes, a UNITA continua a julgar que Angola é aquilo que não é nem nunca foi – uma democracia e um Estado de Direito? Só esta ilusão, esta miragem, esta utopia, esta forma de aceitar a mentira como uma verdade sagrada pode levar alguém de bom senso a fingir que faz… sem fazer.
E pronto. Desta forma a UNITA está a desiludir grande parte do seu potencial eleitorado. Os angolanos começam a estar fartos de quem, ingenuamente, teima em não dizer com todas as letras, em todos os locais, que às segundas, quartas, sextas e domingos o MPLA é um partido ditatorial e que às terças, quintas e sábados é um partido cleptocrático.
E por falar em manifestações. Porque razão a UNITA não participou institucionalmente na manifestação cívica contra a nomeação – pelo pai – de Isabel dos Santos para Presidente do Conselho de Administração da Sonangol? Será porque, se fosse governo, faria a mesma coisa?
Para o regime aceitar estas, como todas as outras, manifestações com a normalidade constitucionalmente estabelecida era preciso que Angola fosse – repita-se – o que não é, um Estado de Direito Democrático. Para que a UNITA participasse institucionalmente nas manifestações que visem, assumidamente, mostrar o nepotismo do regime era preciso ter o que não tem – coragem.
A UNITA não acredita na transparência e legalidade das grandes decisões tomadas por José Eduardo dos Santos, sendo que a nomeação da sua filha para PCA da Sonangol é apenas um exemplo, mas um exemplo paradigmático. Não acredita mas quando é chamada a agir, prefere reagir ou até dizer que está a pensar em reagir.
Fazendo fé nos inúmeros comentários e opiniões que chegam ao Folha 8, os angolanos começam a afirmar que, afinal, votar na UNITA (e também na CASA-CE) não significa uma perspectiva de mudança. Talvez acreditem que para pior… basta assim. E, portanto, o MPLA tem terreno livre para se manter no poder durante mais umas décadas.
Em que país vivem alguns os dirigentes da UNITA, a começar pelo seu líder? Por outras palavras. A UNITA diagnostica com bastante precisão, reconheça-se, a enfermidade do doente com malária, por exemplo. Mas quando toca a ministrar a medicação… fecha os olhos e espeta a injecção no doente ao lado que ali está a tratar uma bitacaia.
A UNITA sabe que um país mudo não muda. Quando têm uma oportunidade de, na prática, mostrar aos angolanos que devem falar, que devem dizer o que pensam, ficam… mudos. Só o MPLA fala.
As teses de Isaías Samakuva (tal como as de Abel Epalanga Chivukuvuku), apesar de correctas, correm o risco de ser ineficazes. Os angolanos continuam sem saber se qualquer reflexão que ultrapasse o círculo mediático interno serve para acordar aqueles que sobrevivem com mandioca ou, pelo contrário, apenas se destinam a untar o umbigo dos que se banqueteiam com lagostas em Luanda.
Será que a UNITA e a CASA-CE, com esta ambígua estratégia de quererem vencer sem atacar, vão conseguir viver sem comer? Um dia destes, talvez já em Agosto, o MPLA virá dizer, com uma lágrima no canto do olho (sorridente) que exactamente quando estavam mesmo, mesmo quase, a saber viver sem comer… morreram.