O ministro do Interior de Angola, Ângelo da Veiga Tavares, exortou hoje, mais uma vez, os partidos políticos a cooperarem activamente no processo de segurança das eleições de 23 de Agosto, prometendo isenção e empenho das forças na manutenção da tranquilidade nesse período. O Governo tem medo de quê? Provavelmente da sua própria sombra.
Por Norberto Hossi
O posicionamento de Ângelo da Veiga Tavares foi expresso em Luanda, durante a cerimónia de abertura da reunião que manteve com os representantes dos partidos políticos e da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), para abordar a segurança do processo eleitoral.
O governante sublinhou a importância do encontro, “tendo em conta a experiência de processos anteriores”, e assinalou que os partidos políticos, dirigentes, militantes e população em geral, desempenham um papel fundamental para que as eleições decorram num clima de paz, harmonia, segurança e tranquilidade.
Para um processo seguro, acrescentou, será importante que os interesses do país estejam acima dos interesses de partidos políticos, grupos, associações e de pessoas singulares ou colectivas. Sabe-se “que os interesses do país” estão acima de todos, menos do MPLA. Mas essa é uma outra história.
“Deste modo, os partidos políticos e coligações de partidos devem educar os seus militantes e simpatizantes para a observância do civismo, tolerância política e espírito patriótico durante todas as fases do processo eleitoral”, observou o ministro.
Das duas uma. Ou o MPLA – por estar no poder desde 1975 – é mais do que um partido e por isso não tem que se preocupar em “educar os seus militantes e simpatizantes para a observância do civismo, tolerância política e espírito patriótico”, ou os outros são um bando de arruaceiros e meliantes.
De acordo com Ângelo da Veiga Tavares, as projecções e os resultados menos conseguidos não vão colocar em causa e em risco o clima de paz que o país vive desde 2002 à custa de grandes sacrifícios dos angolanos.
“Deveremos fazer dessas eleições uma vitória do povo angolano, pois elas servirão para medir o nosso grau de maturidade particularmente da classe política”, sublinhou.
O encontro de hoje juntou no Ministério do Interior e forças políticas concorrentes às eleições gerais de 23 de Agosto, com membros da CNE e os comandantes da Polícia Nacional nas 18 províncias de Angola.
“Estão orientados para entrega total e utilização do uso da força apenas como último recurso e que tudo farão para manutenção da paz, segurança, ordem e tranquilidade públicas, esperando desde já dos partidos políticos a cooperação que se impõe para efeito”, assegurou.
Com uma lata descomunal, o ministro prometeu isenção das forças de segurança, nomeadamente da Polícia e das Forças Armadas, nas eleições. Mais uma vez, e já começam a ser vezes a mais, Ângelo da Veiga Tavares tenta passar aos angolanos um atestado, autenticado e subscrito pelo regime, de matumbez.
Exemplos concretos da mentira
O comandante geral da Policia Nacional do MPLA, comissário-geral Ambrósio de Lemos, recebeu “ordens superiores” para, como Ângelo da Veiga Tavares, dizer que os polícias garantem a prontidão da corporação nos preparativos relativos às próximas eleições, e que – é tão verdade como os rios nascerem na foz – que serão isentos.
“Neste período o trabalho das forças da ordem é redobrado, no sentido de assegurar o movimento das populações para exercer o seu direito ao voto”, afirmou Ambrósio de Lemos, acrescentando que a corporação está preparada para assegurar os postos de voto, dos seus membros e do material a ser utilizado no escrutínio.
Se dúvidas existissem sobre a democracia que não existe em Angola, ou sobre o Estado de Direito que Angola não é, ainda não é, basta ver o que disse e o que diz Ambrósio de Lemos.
No dia 30 de Agosto de 2012, o comandante da Polícia Nacional (do MPLA) criticou o “pronunciamento leviano” do líder UNITA ao pedir o adiamento das eleições gerais e disse que a sua força estava pronta para responder a essa “ameaça” e garantir a votação. Pronta significava nessa altura, como significa hoje, que todos os que pensam de forma diferente do regime são marginais, golpistas e terroristas cujo lugar é na cadeia ou nas águas do Bengo à guarda de jacarés famintos.
Ou seja, aquilo a que se chama erradamente Polícia Nacional de Angola é, de facto, a Polícia Nacional do MPLA. Mas, como é óbvio, nada disso incomoda a CNE, muito menos as instituições internacionais.
Em conferência de imprensa em Luanda, Ambrósio de Lemos afirmou na altura que a Polícia Nacional “não vai permitir que haja perturbações em função dessa ameaça” às eleições gerais, garantindo a defesa até às “últimas consequências” do Governo e do seu líder.
Dúvidas? O comandante da dita Polícia Nacional de Angola garantia, sem papas na língua, com toda a clareza e isenção, que ia defender até às “últimas consequências” o Governo e o seu líder, José Eduardo dos Santos, na altura candidato do MPLA.
Este ano o discurso é o mesmo. Ambrósio de Lemos dirá que a Polícia Nacional vai defender até às “últimas consequências” o ministro da Defesa e candidato do MPLA à Presidência da República, João Lourenço.
“Somos uma instituição do Governo e a polícia vai defender este Governo até às últimas consequências e muito especialmente o seu líder, porque é um Presidente que está aqui, e não podemos permitir que qualquer pessoa de forma leviana desafie e insulte a mais alta entidade deste país”, declarou, em 2012, o comandante nacional da Polícia. O que muda em 2017? Nada de substancial. Por isso aí vamos ter a Polícia vestida e armada a rigor. Por baixo da farda terá as t-shirts do MPLA.
Ora tomem! A Polícia Nacional de Angola não é uma instituição do país mas, isso sim, “uma instituição do Governo”. Que não haja dúvidas. Repita-se o que diz e pensa o comandante geral da Policia, Ambrósio de Lemos: “Somos uma instituição do Governo”.
A Polícia Nacional, garantiu Ambrósio de Lemos também em 2012 , “está pronta e prestará serviços específicos para dar resposta a todos os desafios que atentem contra a estabilidade e a materialização das eleições” e apelou “a todas as formações políticas para que os seus militantes e simpatizantes observem as leis, normas e regulamentos estabelecidos”.
“Os pronunciamentos de incitamento à desordem devem ser banidos de qualquer um dos políticos envolvidos neste processo eleitoral”, disse Ambrósio de Lemos, insistindo que, em caso da perturbação da ordem, a sua força não irá esperar para dar “uma resposta para o imediato restabelecimento da segurança pública”.
E as Forças Armadas? Na mesma onda
O regime angolano do MPLA é, de facto e de jure, um exemplo de tudo quanto contraria a democracia. Não deixa, contudo, de satisfazer as verdadeiras democracias para quem é melhor, muito melhor, negociar com ditaduras.
Em alguma democracia séria, em algum Estado de Direito, se vê o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas dizer, em plena campanha eleitoral, que um dos candidatos – mesmo que seja o presidente da República – marcou a sua postura “por momentos de sacrifício e glória”, permitindo “a Angola preservar a independência e soberania nacionais, a consolidação da paz, o aprofundamento da democracia, a unidade e reconciliação entre os angolanos, a reconstrução do país, bem como a estabilidade em África e em particular nas regiões Austral e Central do continente”?
Não. Nas democracias seria impossível o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas ter manifestações públicas deste género, tomando partido por um dos candidatos. Em democracia, os militares são apartidários.
Mas como Angola não é uma democracia, muito menos um Estado de Direito, o Chefe Estado Maior das Forças Armadas, general Geraldo Sachipengo Nunda, resolveu fazer campanha em 2012 em prol de um dos candidatos, no caso – obviamente – José Eduardo dos Santos. Certamente que em 2017 fará o mesmo, desta feita apoiando o seu ministro da… Defesa.
E o que disse, em 2012 a propósito das declarações do general Nunda, a Comissão Nacional Eleitoral? E o que disseram os observadores eleitorais? E o que disse a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP)? Nada. Ou seja, corroboraram pelo silêncio a partidarização das Forças Armadas de Angola em favor de um dos candidatos.
Geraldo Nunda sempre reproduziu com especial e canina fieldade as ordens superiores. Foi isso mesmo que fez quando disse que com a promulgação e entrada em vigor da Constituição da República de Angola “o país entrou numa nova etapa histórica do seu desenvolvimento”. Referia-se, recorde-se, à Constituição que aboliu a eleição presidencial.
É, aliás, admirável a forma como os militares angolanos estão sempre a falar da necessidade da preservação da paz (já cimentada há 15 anos), da Constituição e do culto ao MPLA.
“A reconstrução nacional tem permitido a normalização da vida em todo o território nacional”, diz Geraldo Sachipengo Nunda, acrescentando que existem sinais visíveis de um país que renasce após longos anos de guerra.
Que a guerra em Angola, como qualquer outra, deu cabo do país é uma verdade incontestável. Também é verdade que o país está a crescer, embora esse crescimento só esteja a ser feito para um dos lados (para aquele que está com o regime).
Mas será que Geraldo Sachipengo Nunda se esqueceu da Angola profunda dos 20 milhões de pobres, daquela onde o povo, o seu povo, é gerado com fome, nasce com fome e morre pouco depois com fome?
Será que Geraldo Sachipengo Nunda se esqueceu que o seu actual presidente (Eduardo dos Santos), a sua Constituição, o seu regime, considera um crime contra o Estado ter opiniões diferentes das oficiais? Será por isso que teve de lamber as botas ao candidato José Eduardo dos Santos e agora fazer o mesmo a João “Malandro” Lourenço?
Mas será que, apesar dos decibéis da bajulação, João “Malandro” Lourenço enquanto vencedor das próximas eleições (a batota eleitoral é infalível) irá manter no cargo Geraldo Sachipengo Nunda? Hum!
Espero que o comportamento eleitoral venha a ser salutar, preservando a paz, a unidade e a estabilidade nas suas mais variadas vertentes e que o eleitorado consiga votar.
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