Liberdade na guilhotina

Ponto prévio: Na senda do que vimos defendendo, sobre a necessidade de um Pacto do Regime, capaz de garantir uma transição pacífica, é mister rememorar, não serem boas as rupturas violentas, pois estas geram excessos imprevisíveis, para os povos e países.

Por William Tonet

Angola já teve rupturas violentas, com resultados desoladores, primeiro no seio dos ex-movimentos de libertação (FNLA, MPLA, UNITA) onde a justiça tinha como procuradores os bajuladores, cabendo o papel de juiz ao líder, que discricionariamente, mandava prender ou assassinar, todos quantos temesse ou pensassem com a própria cabeça.

Os três acumularam um passivo negativo, destacando-se, por exemplo, as queimadas de pessoas vivas em fogueiras, nomeadamente, MPLA em 1968, no Leste, onde o comandante Paganini foi acusado de feitiçaria e, vinte anos depois, 1986, a UNITA, no Sul, Jamba, imitando Agostinho Neto mandou queimar mulheres e homens, acusados também de feitiçaria.

Como se pode ver, as desavenças políticas eram resolvidas à lei da bala, nunca do diálogo, resquícios que, infelizmente, continuaram, no pós-independência, na luta individual afirmativa (dos movimentos de libertação), para o controlo do poder político do país, tanto que o primeiro Presidente da República Popular de Angola é responsável moral, face à célebre frase, em Maio de 1977: “não vamos perder tempo com julgamentos”, pelo assassinato de cerca de 80 mil intelectuais militantes do MPLA, numa alegada, porque nunca provada, intentona golpista.

Caricatamente, os actuais detentores do poder político, em Angola nunca fizeram uma ruptura contra o poder colonial português, pelo contrário, preservam as suas leis e as formas organizativas de Estado, de forma quase perene e solene, ao ponto do livro de nomes dos cidadãos angolanos, continuar, 41 anos depois da proclamação da independência pelo MPLA, a ser o de nomes portugueses, nas conservatórias de Registo Civil, havendo uma imposição da adopção de nomes lusos, numa clara demonstração de “subserviência dos assimilados”, quando se deveriam promover os lindos nomes angolanos.

Pode parecer um ponto banal, mas é de extrema relevância, para se perceber, muitas das acções e motivações que voluntária ou involuntariamente vêm sendo tomadas para descaracterizar a cultura, línguas, tradições e costumes dos vários povos de Angola, por parte das actuais estruturas governativas, como se fossem continuadoras dos colonizadores, numa magistral política de neocolonização negra (no poder), contra a maioria preta.

Actualmente, em 2017 do século XXI, com a acumulação destes erros, que conduziram a muitas guerras, perseguições, discriminações e assassinatos, ainda não se aprendeu a adoptar uma política de tolerância, harmonia e reconciliação, capaz de sarar as feridas entre os “actores diferentes”, com base no respeito mútuo, diálogo, conciliação nacional e cidadania. É grave! Muito, principalmente, numa altura em que no seio do único poder, que impôs uma governação autocrática e de cariz monárquico, surge a necessidade de renovação da liderança e com ela a indefinição e temor do rumo futuro.

Se imperar a leviandade neste acto, que transcende já as fronteiras do MPLA, poderemos resvalar por uma nova ruptura, interna e externa, quiçá, mais violenta, que as anteriores.

Primeiro, no seio do partido governante, se a indicação do novo líder for administrativa, ao invés de democrática, com eleições livres, uma vez o quadro ser diferente do de 1979, poderá haver lutas intestinais agudas, face à distância que separa os grupos dos poucos endinheirados e dos muitos pobres.

Segundo, se os partidos da oposição e os actores da sociedade civil, diante das indefinições do regime, apenas virem uma oportunidade, mas não se unirem, visando um bem maior e, negociarem, para combater de forma unida e diferente, nesta fase, na busca de uma nova aurora, uma nova cidadania, uma nova independência, fracassarão na ilusão de individualmente, sem poderio económico ou grupos financeiros, nacionais e internacionais, poderem chegar ao poder… Na imprevisibilidade, pode acontecer um tsunami ou uma calema, mas afigura-se difícil, dada a distância do mar, do centro do poder político.

E, assim, na falta de uma visão mais responsável dos actuais actores partidários, distraídos com as vaidades umbilicais, poderão permitir o emergir de um ente desconhecido, mobilizador, quiçá populista, capaz de encarnar o sofrimento, a desgraça, o desemprego, a discriminação, as injustiças e o desejo de mudança dos povos. Mobilizando estes exércitos de descontentes, poderá partir para a empreitada de derrube, não só já do poder actual, mas de todo o sistema político de Estado.

Angola não está imune ao surgimento de um novo líder populista, avesso a qualquer consenso, com os tradicionais actores políticos; do poder e da oposição, optando por uma ruptura violenta, destruindo todos os pilares do actual Estado: poderes, legislativo, executivo e judicial, para implantar, através da força de uma nova maioria ruidosa, um Estado, “fundamentalistamente” falando.

Por isso. nesta hora, José Eduardo dos Santos e pares, os líderes dos partidos da oposição e pares e os intelectuais da sociedade civil, deverão elevar as capacidades intelectuais para adoptarem uma estratégia política de Estado, capaz de garantir, não só uma pontual vitória eleitoral (semelhante a vitória de Pirro), mas através de um “Pacto de Regime”, debaterem de forma aberta, sincera e responsável, o passivo sobre tantos problemas de índole, económico, político, social, de corrupção, de delapidação do erário público, conciliação, da fraude eleitoral, das injustiças e de reconciliação, para depois disso, serem lançadas as sementes da Vitória da Cidadania, que garantirão a colheita da estabilidade futura, capaz de estancar apetências para convulsões sociais violentas, salvando a liberdade da guilhotina.

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