O MPLA, partido no poder desde 1975 e que, para esse efeito, contou com o apoio decisivo do Mário Soares, recordou hoje o ex-presidente da República de Portugal, ontem falecido, como uma “insigne figura da vida política portuguesa”. Fê-lo, certamente, a muito custo porque com o tempo Mário Soares reconheceu que o MPLA não passava de mais um partido totalitário, ditatorial e cleptómano.
Por Orlando Castro
A posição do regime angolano está expressa numa curta nota de condolências do Bureau Político do Comité Central do MPLA, liderado pelo também (nunca nominalmente eleito e no poder há 37 anos) chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, sobre a morte do antigo Presidente português, ocorrida no sábado, em Lisboa.
“Neste momento de dor e de luto, o Bureau Político do Comité Central do MPLA inclina-se perante a memória do doutor Mário Soares e, em nome dos militantes, simpatizantes e amigos do partido, endereça ao Partido Socialista de Portugal e, através deste, à família enlutada as suas mais sentidas condolências”, lê-se na mesma nota.
O MPLA tem no seu ADN o fenómeno típico dos cobardes que é o de atirar a pedra e esconder a pata. Um dia destes lá vamos ver, voltar a ver, o seu Boletim Oficial (Jornal de Angola) a criticar, em editorial, o estado das relações com Portugal, aproveitando para criticar forte e feito, pelas costas, o filho de Mário Soares.
Preparemo-nos para ler um novo editorial, talvez intitulado “Contornos de uma conspiração”, em que o regime voltará a enxovalhar o “filho de Mário Soares” (como se este não tivesse nome), descarregando nele todo o ódio gerado por um símio e atávico complexo de inferioridade relativo a Mário Soares.
“A mesma personagem percorre os canais de televisão portugueses disparando insultos e calúnias contra titulares dos órgãos de soberania de Angola. Afirma reiteradamente que os investimentos angolanos em Portugal provêm de fundos roubados. Fala em ‘cleptocratas de Luanda’ com a maior desfaçatez. E nunca se esquece de lembrar a sua condição de membro do CFSIRP (Conselho de Fiscalização do Sistema Serviços de Informações da República Portuguesa) para chancelar as suas mentiras e calúnias”, apontava um editorial do Boletim Oficial do regime de José Eduardo dos Santos, de Novembro de 2014.
Constou na altura, hipótese que não se concretizou, que João Soares, mesmo estando longe dos jacarés do Bengo, para além de reforçar a sua segurança pessoal estava a pensar refugiar-se na…. Jamba.
Acrescentava o pasquim, que um “deputado da Nação [portuguesa] que se entretém diariamente a chamar ladrões aos titulares dos órgãos de soberania em Angola” sem que “os seus pares” se “demarquem de tão graves crimes”, é “evidente que está mandatado para assim proceder”.
Ladrões? Constou igualmente na altura que os ladrões que estavam detidos nas cadeias de Portugal iam, também eles, intentar uma acção judicial contra o Jornal de Angola por ofensa ao seu bom nome ao serem comparados aos seus “homólogos” do regime de Eduardo dos Santos.
“E não venham dizer-nos que estamos perante o exercício da liberdade de expressão. Não façam de nós indigentes mentais. O filho de Mário Soares, deputado do Partido Socialista, está a exercer aquilo que ele considera ser o seu direito de conspiração contra Angola. Todos estes dislates ultrapassam o mero exercício do direito a emitir opiniões. A liberdade de expressão tem limites. E no caso do fiscalizador do SIS, esses limites são ainda mais estreitos”, enfatizava o editorial do Boletim Oficial, escrito por alguém do Bureau Político do Comité Central do MPLA e assinado por um dos seus sipaios, certamente convicto que, por essa via, chegará a chefe de posto.
Defendia o “Avante” do MPLA que, “sempre que o filho de Mário Soares fala em dinheiro ilegal exportado de Angola, de ladrões, de corruptos e cleptocratas”, a opinião pública portuguesa “acredita porque pensa que ele tem informações secretas fornecidas pelos serviços secretos que é suposto fiscalizar”.
Nada disso. A opinião pública portuguesa, como a angolana, acredita porque sabe que é verdade. Apenas por isso.
“Nós sabemos que não. Tudo o que ele diz são mentiras e calúnias. Todas as suas afirmações são peças da conspiração que o ministro do Interior [de Angola] denunciou. Disso não temos dúvidas”, lê-se num texto não assinado e que, originalmente, terá tido a impressão digital do autor, conseguida através das velhas técnicas coloniais usadas por quem não sabia assinar.
Num segundo editorial consecutivo em que aludia a estas “ameaças” ao “regime democrático” angolano e à interferência de sectores portugueses, o Boletim Oficial do MPLA afirmava que recentes “cumplicidades” tornadas públicas, nomeadamente com a Operação Labirinto e o envolvimento de responsáveis do Serviço de Informações de Segurança (SIS), “são inquietantes e exigem um esclarecimento urgente por parte das autoridades de Lisboa”.
“A Operação Labirinto em Portugal levou à detenção de altas figuras do Estado. Mas também trouxe à luz do dia uma situação insólita em qualquer parte do mundo, mesmo no país do filho de Mário Soares, da filha do senhor Gomes, deputada europeia do Partido Socialista, ou do filho do senhor Louçã, líder escondido do Bloco de Esquerda”, lia-se no mesmo texto.
Ao menos, o pasquim sabe quem são os pais dos visados. Isso, contudo, não acontece com os mercenários do Jornal de Angola, alguns recentemente saídos das copas das árvores directamente para as latrinas que guardam os restos da gamela do poder, com José Ribeiro à cabeça.
Face à alegada intervenção do SIS no caso dos vistos gold, recordada pelo jornal do MPLA, o editorial insurgia-se: “Nós temos o direito de suspeitar que os mesmos serviços varrem o quintal dos amigos e atiram com o lixo para a porta de Angola, servindo-se do livre acesso do filho de Mário Soares a todos os canais de televisão portuguesa”.
Têm esse direito. Têm, aliás, direitos que negam aos outros. Mas isso é mesmo assim quando se vive numa espécie de socialismo de sanzala, como diria o ilustríssimo bajulador, sipaio condecorado e mercenário de honra, Artur Queiroz.
O editorial terminava com uma garantia: “Uma coisa é certa: qualquer ataque contra o regime democrático está votado ao fracasso”.
Bem visto. Por muito que isso custe aos filhos da… mãe Ribeiro, Queiroz, Carvalho e sucedâneos, se o regime angolano é democrático, o “querido líder” Kim Jong-un é um paradigma da liberdade, da transparência e – é claro – da democracia.