O recurso ao indeferimento do Tribunal Supremo de Angola à acção contra o Presidente da República, pela nomeação da sua filha Isabel dos Santos para liderar a petrolífera do regime, Sonangol, aguarda há três semanas para ser aceite no Tribunal Constitucional. Presume-se que os juízes estejam a aguardar “ordens superiores”.
A informação foi confirmada por David Mendes, porta-voz do grupo de 12 advogados angolanos que a 10 de Junho, oito dias após a nomeação feita por José Eduardo dos Santos, avançaram com uma providência cautelar tentando travar a posse de Isabel dos Santos na Sonangol, alegando violação da lei da Probidade Pública.
A violação existiu mas, de facto e de jure, a Probidade Pública só se aplica a quem sua majestade o rei Eduardo dos Santos quiser e, é claro, ele não quer que seja aplicada à sua filha.
A prerrogativa de Eduardo dos Santos não consta de nenhuma lei nem na Constituição, mas está implícita no facto de ele ser, há 37 anos, Presidente do MPLA (partido no poder há41 anos), Titular do Poder Executivo e Presidente da República. Ou seja, em linguagem típica do regime, ser o “querido líder” e o “escolhido de Deus”.
“Até à presente data não fomos notificados da admissão do referido recurso, para o pagamento das custas. Já fomos ao Tribunal Constitucional por duas vezes e até hoje não há nenhum despacho [aceitando ou recusando o recurso]”, explicou o advogado, recordando que o processo deu entrada a 28 de Dezembro de 2016.
Por despacho de 22 de Dezembro, mais de seis meses depois da interposição da providência cautelar, o Tribunal Supremo de Angola recebeu “ordens superiores” para indeferir a acção, considerando legal a nomeação de Isabel dos Santos para Presidente do Conselho de Administração da petrolífera do MPLA/regime pelo pai e chefe de Estado angolano, há 37 anos no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito.
No recurso à decisão que agora está pendente de aceitação no Tribunal Constitucional, estes advogados alegam “violação de normas constitucionais” na apreciação do Supremo, nomeadamente o “princípio da igualdade”, segundo o qual “ninguém pode ser privilegiado pela sua ascendência ou descendência”.
“Pensamos que Isabel dos Santos foi privilegiada. Só não seria se, em nosso entendimento, estivesse entre iguais, se concorresse com outros iguais e nas mesmas circunstâncias. Não foi dado exemplo de outros potenciais candidatos que foram preteridos porque ela apresentasse melhores condições”, apontou David Mendes.
David Mendes, tal como os seus colegas, sabe que esse argumento de “entre iguais” não cola porque, desde sempre, não há ninguém igual a Isabel dos Santos, diferenciação lógica que separa os plebeus da elite do regime, que separa os escravos dos seus senhores feudais.
O advogado refere que neste recurso volta a ser invocado o princípio da “probidade pública nos actos administrativos” previsto na Constituição, alegando um benefício com a nomeação da filha do chefe de Estado, exercendo José Eduardo dos Santos funções públicas de governação.
Novamente um tiro ao lado. A vigência da Constituição, como todos sabemos, termina onde começam os interesses pessoais do clã presidencial. É, mais uma vez, o caso.
“Se tivermos em conta a fundamentação do Tribunal Supremo, não foram capazes, no nosso entender, de declarar que não existe de facto improbidade. E é uma questão constitucional, também”, apontou.
Os juízes (ou parte deles) do Tribunal Supremo são, devido às “ordens superiores”, obrigados a pensar no que dizem e, por isso, não dizem o que pensam. Muitos sabem de que lado está a razão, mas isso não é suficiente…
O princípio da celeridade processual é igualmente invocado neste recurso para o Tribunal Constitucional, tendo em conta os mais de seis meses que o Tribunal Supremo levou para decidir a providência cautelar, inviabilizando qualquer efeito prático sobre o pedido de suspensão da nomeação de Isabel dos Santos.
A celeridade, tal como o país, é aquilo que o regime quiser que seja. Por alguma razão até prova em contrário todos nós (com excepção do clã Eduardo dos Santos) somos, até prova em contrário, culpados.
“Também foi violado porque um processo como este devia ter um carácter de urgência e prejudicou, e de que maneira, essa urgência e aquilo que era a razão da nossa fundamentação, que nos actos que ela praticaria poderia vir prejudicar em caso de anulação [da nomeação, pelo tribunal]”, explicou o advogado.
Para estes juristas, a nomeação de Isabel dos Santos para presidente do Conselho de Administração da Sonangol viola a Lei da Probidade Pública (sobre o exercício de funções públicas), de 2010, e envolve uma queixa na Procuradoria-Geral da República, subscrita pelos mesmos.
Os advogados alegavam, na acção movida, que, “ao ter permitido que sua filha fosse nomeada”, o Presidente terá cometido “uma improbidade pública” e que “devia ter-se abstido, como manda a lei”. A lei de Angola que se sujeita, é claro, a uma lei ainda mais poderosa: a lei do regime.
Sobre o assunto, Isabel dos Santos pronunciou-se, manifestando crença na Justiça (pudera!) e na existência da legalidade (ditada pelo seu pai ao sabor das circunstâncias e dos intervenientes) em Angola, manifestando-se disponível para prestar “todo e qualquer esclarecimento” em tribunal sobre a sua nomeação.
“Como cidadã angolana acredito na justiça e acredito na existência da legalidade. E estou na disposição da justiça do meu país para responder a toda e qualquer convocação e prestar todo e qualquer esclarecimento. Como qualquer angolano ou angolana, tenho o dever de cumprir a lei e prestar contas se estiver a agir fora da lei”, disse em Novembro Isabel dos Santos.
Folha 8 com Lusa