Hospital Geral de Luanda:
Inferno público da morte

A saúde é um bem maior do ser humano. Os Estados responsáveis adoptam políticas e programas de saúde assentes na prevenção, mais barata que o da cura, visando rentabilizar melhor os recursos públicos que devem ser alocados a este importante sector.

Por Sílvio Van Dúnem e Shenia Benjamim

Em Angola, para desgraça colectiva, o descaso governativo, pese a cobertura constitucional, deve-se ao facto de os dirigentes, recorrerem ao exterior, para tratamento e assistência médico-medicamentosa, logo a maioria da população é considerada escumalha, que não necessita de uma assistência digna.

O Governo angolano viola o art.º 77.º (Saúde e protecção social) da CRA (Constituição da República de Angola), porquanto não cumpre os seus articulados, como se pode verificar e comparar, o texto e a realidade vigente:

1. O Estado promove e garante as medidas necessárias para assegurar a todos o direito à assistência médica e sanitária, bem como o direito à assistência na infância, na maternidade, na invalidez, na deficiência, na velhice e em qualquer situação de incapacidade para o trabalho, nos termos da lei.

2. Para garantir o direito à assistência médica e sanitária incumbe ao Estado:

a) desenvolver e assegurar a funcionalidade de um serviço de saúde em todo território nacional;

b) regular a produção, distribuição, comércio e o uso dos produtos químicos, biológicos, farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;

c) incentivar o desenvolvimento do ensino médico-cirúrgico e da investigação médica e de saúde.

3. A iniciativa particular e cooperativa nos domínios da saúde, previdência e segurança social é fiscalizada pelo Estado e exerce-se nas condições previstas por lei.»

Se a Constituição diz uma coisa e o governo, em representação do Estado, que somos todos nós, anda em sentido contrário, isso tem um nome: crime!

Crime, sim, por ser tarefa do governo e dos governantes, zelar e implementar, com dedicação, uma verdadeira política de saúde pública, a favor do cidadão, logo quem pratica um crime, principalmente se este afectar a vida do cidadão, é um criminoso.

Só assim se entende não haver, desde 1975 a esta parte, um hospital público de qualidade, com meios tecnológicos e recursos humanos, capazes de um tratamento imaculado ou próximo disso, a maioria dos cidadãos angolanos.

Isto por a minoria, os governantes, ligados ao poder, na mais pequena enfermidade, ligar os reactores dos aviões, abalando para as clínicas no exterior do país. Se essa oportunidade, não fosse só de e para alguns, não teríamos o estado calamitoso actual dos hospitais públicos, como por exemplo, o Hospital Geral de Luanda, recentemente (re)inaugurado, pois 6 meses após a abertura já apresentava rupturas tais que teve de ser destruído, para dar lugar a outro, sem que ao cidadão fossem dadas explicações e aos responsáveis imputadas consequências, disciplinares e criminais.

É o pico da roubalheira institucional, esta estrutura edificada em 2006, teve de ser reconstruída seis anos depois, Abril de 2012, por problemas estruturais, tendo sido reinaugurado, no dia 8 de Junho de 2015, após três meses de testes aos equipamentos chineses e de treino dos técnicos. Até ao momento não se disse o valor das duas empreitadas, mas uma fonte do F8 não descarta terem sido gastos, cerca de 185 milhões de dólares.

A unidade actual, tem uma área três vezes maior do que o edifício anterior, tanto que aumentou a capacidade para mais de 300 camas, podendo atender diariamente 800 pacientes, contando com equipamentos avançados fornecidos pela empresa chinesa Tianjin Machinery Import & Export Cooperation.

Recorde-se ter sido a obra entregue, no 26 de Fevereiro, provisoriamente, ao ex-governador de Luanda, Graciano Francisco Domingos, pelo embaixador chinês, Gao Kexiang, tendo decorrido a sua reinauguração, na presença do ex- ministro da Saúde, José Van-Dúnem.

Um acordo secreto entre os Governos de Angola e da China formalizou a revisão do plano de construção do projecto de reabilitação, construção e ampliação da nova unidade, em substituição da edificada anteriormente, sem que os valores fossem alguma vez discutidos e levados a conhecimento da Assembleia Nacional.

Actualmente a estrutura, localizada na Kamama, arredores de Luanda, comporta as especialidades de pediatria, maternidade, ortotraumatologia, cuidados intensivos, dermatologia, oftalmologia, fisioterapia, otorrinolaringologia, neurologia e laboratórios.

O quadro orgânico prevê 42 médicos, 155 enfermeiros e 82 técnicos de diagnóstico e terapêutica, mas uma fonte interna, disse ao F8, haver falta de pessoal qualificado, principalmente, médico face as más qualidades de trabalho.

Cidadão tratado como cão pelo colono negro

O hospital pese ser novo, com equipamentos recentes, a prestação de serviço e atendimento é antiga, melhor, é má, numa só palavra: ruim!

E tanto assim é que obriga os doentes internados a terem de contar, para todas as serventias, não vá o diabo tecê-las, no exterior, com a prestimosa e solidária ajuda de familiares, para na falta dos fármacos principais, no hospital, elas puderem correr para a farmácia mais próxima, providenciando-os.

É um quadro doloroso, mas é a realidade, que leva mulheres, velhos, jovens e crianças, resignados a pernoitar ao relento, fora do recinto hospitalar, dia após dia, sem condições de habitabilidade, correndo o risco de contraírem, elas também doenças.

“Durmo no chão, num pedaço de contraplacado e plástico, para fazer companhia ao meu marido, que está lá dentro, com um problema no estômago“, explica Maria Rosa, acrescentando que, “se não fizermos esse sacrifício o nosso doente passa mal e pode morrer, por falta até de um comprimido, que as vezes custa 200 kwanzas“, relata, rodeada de lixo, lama, moscas e mosquitos, “companheiros“ fiéis do dia-a-dia, de todos quantos em defesa do próximo, passam os dias e noites, ao longo do muro exterior do hospital.

“Quando não há chuva, dormimos mesmo cá fora, onde tem muita lama, por vezes, mesmo com chuva, para entrarmos dentro do recinto, somos obrigados a fazer greve, discutir com os seguranças a fim de nos abrigarem no quintal do hospital para dormirmos, mas quando batem quatro horas da manhã, obrigatoriamente temos que acordar para vir cá fora“, assevera Diavo Ngueto Nsangalo, com o coração amargurado.

É difícil acreditar que dirigentes angolanos, muitos com vivência no período colonial, onde ninguém podia, por não ser necessário, dormir ao relento, face à assistência médica responsável, o que não ocorre hoje.

No tempo colonial, muitas vezes, alguns familiares, até iam comer, durante a visita a refeição do paciente, um luxo, que hoje nem na imaginação se realiza.

“Uma coisa nos preocupa, face à produção do lixo, que são as senhoras que vendem defronte ao Hospital e depois não o limpam. Por outro lado, os directores do hospital nem sequer se importam onde as pessoas dormem e perdem muitos documentos, sob alegação de ser uma orientação de todos hospitais”, denuncia Diavo Nsangalo, que tem no interior a irmã internada. 

Os guardas são acusados de preferirem as pessoas debaixo de chuva ou ao relento, que o contrário, tudo porque dizem ter instruções dos directores dos hospitais, logo é uma orientação do partido no poder, de quanto pior estiver o cidadão, melhor, para eles.

Durante a reportagem, uma anciã caiu na lama, espalhando e perdendo a maioria dos seus pertences, mas nem isso demoveu os guardas na sua insensibilidade, “por nós estamos a cumprir ordens dos administradores e directores do hospital, pois nós não temos poder de impedir ninguém. Uma vez um nosso colega foi despedido, quando o director deste hospital ouviu que ele abriu a porta, para uma senhora que estava a se sentir mal, dormir nos corredores“, justificou ao F8, o guarda que solicitou o anonimato.

“Ele é quem diz que não quer ver ninguém cá dentro e ponto final, não se fala mais nisso. Quando precisam dos acompanhantes, os enfermeiros ou estagiários é que vão lá fora chamar”, concluiu.

No ataca e recua da responsabilidade e insensibilidade criminosa dos responsáveis da saúde, um familiar desabafou: “o pior é não ficarmos aqui à toa. Eles precisam de nós. Eles vêem até aqui, nos gradeamentos darem-nos notícias sobre os nossos familiares de qualquer coisa que precisam e que temos de comprar. Então que dêem-nos um lugar para ficarmos. Não estamos a pedir comida ou outra coisa qualquer, apenas um local para ficarmos. Não podemos continuar aqui assim a sermos tratados que nem animais. Eu posso até sair daqui hoje ou amanhã, mas esta situação irá permanecer”, disse Manuel.

“Onde se encontram os dirigentes, todos aqueles que têm passado vezes sem conta nas televisões, falando dos cuidados que as pessoas devem ter para não apanharem paludismo e outras doenças? Para quê tudo isso se quando as pessoas vão ao hospital, o que vivem chega a ser pior do que em casa?” questionou João Duas Horas.

O Hospital Geral de Luanda, que por um lado parece perfeito e acolhedor, no outro, os familiares dos pacientes vivem uma realidade que muitos desconhecem ou conhecem, mas ninguém se importa ou faz alguma coisa para mudar essa dantesca situação.

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