À espera que Angola seja um Estado de Direito

Dois dos filhos de Jonas Savimbi, residentes em Paris, disseram à Lusa que a família vai voltar a pedir ao Governo angolano “um funeral digno”, 15 anos depois da morte do líder histórico da UNITA.

“V amos sempre fazer o pedido até que um dia aceitem e nos dêem os restos mortais. Gostaríamos de fazer um funeral digno na terra dele, na terra natal”, explicou Helena Savimbi, sublinhando que o pai “sempre quis ser enterrado” numa aldeia do município de Andulo, na província do Bié.

O outro filho, Aleluiah Savimbi, reiterou que o corpo do pai “está nas mãos do Governo angolano” e que o pedido para recuperar os seus restos mortais e para fazer um funeral “nunca foi aceite”.

“Nunca vimos o corpo do nosso pai e é muito difícil fazer o óbito para a família porque nunca tivemos o corpo dele e mesmo as nossas crianças hoje não sabem onde é que está o corpo do avô. É uma situação que é muito preocupante e que, infelizmente, nunca avançou até agora”, afirmou o filho de Savimbi, de 39 anos.

Para o 15º aniversário da morte de Jonas Savimbi, em Paris, deverá ser feito um encontro “entre amigos”, num “dia de reflexão, para falar sobre o que ele fez por Angola porque ele contribuiu também para a democracia em Angola”, defendeu Helena Savimbi, adiantando que estão a ser preparadas publicações sobre o pai para serem lançadas em Paris.

Os dois irmãos disseram, ainda, que não vão voltar à justiça para um novo processo por difamação sobre o uso da imagem do pai no jogo de computador “Call of Duty”, depois de, em Março do ano passado, o Tribunal de Grande Instância de Nanterre ter anulado o processo.

Os filhos de Jonas Savimbi consideravam que a edição de 2012 do jogo, “Black Ops II”, apresentava o pai como “um bárbaro” e, mesmo que “o resultado não tenha sido o desejado”, Helena considerou que permitiu contribuir para “reabilitar a imagem do pai”.

“A parte guerreira do meu pai era necessária para poder fazer a paz em Angola e a guerra faz-se sempre em aspectos que são muito difíceis de explicar. Mas fora da guerra, ele foi um pai muito muito carinhoso com os seus filhos, muito presente que nos deu a educação que nós temos até agora”, acrescentou Aleluiah Savimbi.

Ainda que reconheça que a com a morte do pai se “calaram as armas em Angola”, o filho contrapôs que “é uma paz muito relativa” e que “Angola não alavancou para a frente em termos de democracia”.

“Estamos sempre com um sistema completamente controlado pelo Governo e pelo MPLA. O parlamento é um parlamento onde os debates não existem, a televisão é controlada pelo Governo”, disse.

Segundo Aleluiah Savimbi, “o Governo não investiu para poder salvar o povo angolano, os hospitais estão numa situação muito grave, a educação não existe. Angola tem muitos recursos naturais para ser um país digno deste nome, mas infelizmente não há vontade política da parte do Governo para o fazer”.

Questionado sobre se a UNITA pode vencer as próximas eleições gerais, o filho de Savimbi disse acreditar “muito nesta possibilidade porque os angolanos não acreditam mais no MPLA” e “se as eleições forem mesmo justas e transparentes o MPLA não pode ganhar”.

Aleluiah Savimbi, que é analista financeiro em Paris, onde vive desde 1994, afirmou, ainda, que “não fecha as portas” a uma carreira política em Angola porque a UNITA é um partido que o pai criou.

A concretização de um funeral digno é, seria, a mais elementar prova da reconciliação nacional que o regime do MPLA propagandeia mas que, como outras, não faz a mínima intenção de cumprir. O fantasma de Savimbi continua a atormentar os acólitos e o próprio José Eduardo dos Santos.

Caros filhos de Jonas Savimbi. Se 41 de anos depois da independência, uma das quais proclamada pelo vosso pai, 15 anos depois da paz total, Angola continua a ter 68% do seu povo de barriga vazia, continua a ser (re)construída à imagem e semelhança do MPLA, como se fosse um regime de partido único, não vão permitir que se honre (sem esquecer os muitos erros) a memória do vosso pai.

Se o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, herói nacional há só um, Agostinho Neto e mais nenhum. Quando o MPLA for apenas um dos partidos do país e Angola for um verdadeiro Estado de Direito, então haverá outros heróis. Então o vosso pai terá o reconhecimento que merece.

Até lá, os angolanos continuarão sujeitos à lavagem do cérebro de modo a que julguem que António Agostinho Neto, primeiro, e depois Eduardo dos Santos, são os únicos que deram um contributo na luta armada contra o colonialismo português e na conquista da independência nacional.

Reparem, por exemplo (e, por favor, não deixem de ter memória) que o dia 17 de Setembro, instituído feriado nacional em 1980 pela então Assembleia do Povo, um ano após o falecimento de Agostinho Neto, em 10 de Setembro de 1979 na antiga União das Republicas Socialistas Soviéticas, deve-se, segundo a cartilha do MPLA, ao reconhecimento do seu empenho na libertação de Angola, em particular, e do continente africano.

Não se admiram que um dia destes ainda venham dizer que ele, ou Eduardo dos Santos, deu um decisivo contributo para a libertação da Europa…

Fruto da entrega de Agostinho Neto à causa libertadora dos povos, o Zimbabué e a Namíbia ascenderam igualmente à independência, assim como contribuiu para o fim do Apartheid na África do Sul, esclarecem os donos do poder na nossa Terra.

Pelos vistos, desde 1961 e até agora que só existe Agostinho Neto. Se calhar até é verdade. Aliás, bem vistas as coisas, tanto Holden Roberto como o vosso pai, tanto a FNLA como a UNITA, nunca existiram e são apenas resultado da imaginação de uns tantos lunáticos.

Agostinho Neto foi também, segundo uma cartilha herdada do regime de partido único (hoje em termos práticos assim continua), “um esclarecido homem de cultura para quem as manifestações culturais tinham de ser antes de mais a expressão viva das aspirações dos oprimidos, arma para a denúncia dos opressores, instrumentos para a reconstrução da nova vida”.

Cá para nós, quem tem razão é José Eduardo Agualusa quando diz que “uma pessoa que ache que o Agostinho Neto, por exemplo, foi um extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre”.

Continuemos, contudo, a ver a lavagem cerebral – bem visível hoje em todo o país – que o regime do MPLA pretende levar a cabo: “Dotado de um invulgar dinamismo e capacidade de trabalho, Agostinho Neto, até à hora do seu desaparecimento físico, foi incansável na sua participação pessoal para resolução de todos os problemas relacionados com a vida do partido, do povo e do Estado”.

Numa coisa a cartilha do MPLA tem toda a razão e actualidade: “como marxista-leninista convicto, Agostinho Neto reafirmou constantemente o papel dirigente do partido, a necessidade da sua estrutura orgânica e o fortalecimento ideológico, garantia segura para a criação e consolidação dos órgãos do poder popular, forma institucional da gestão dos destinos da Nação pelos operários e camponeses”.

Como sabem, os destinos da Nação estão entregues desde 11 de Novembro de 1975 a um tipo de operários e camponeses contra os quais o vosso pai lutou e deu a vida. Ou seja, contra os poucos que têm cada vez mais milhões. Ao vosso pai interessaram mais os milhões que tinham pouco ou nada.

Em reconhecimento da figura do (suposto único) fundador da Nação angolana, estão erguidas em vários pontos do país estátuas, que simbolizam os seus feitos e legados, marcado pelas suas máximas “De Cabinda ao Cunene um só povo e uma só nação” e “O mais importante é resolver os problemas do povo”.

Pois! Nem Cabinda é Angola nem os problemas do povo foram resolvidos. Mas as estátuas aí estão para serem vistas por um povo que continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com… fome.

Mas, acreditem, é esse povo que ainda hoje é gerado com fome, que nasce com fome e morre pouco depois com fome que se orgulhou de – mesmo só comento mandioca – trazer um Galo Negro ao peito. É esse povo que, mesmo calado, continua a ver no vosso pai o que ele merece e que um dia será reconhecido. Ou seja, ser um dos heróis de Angola.

Folha 8 com Lusa

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