Não é anedota. Poderia ser mas mão é. É, apenas, o espelho dessa coisa chamada CPLP. O Governo da Guiné-Bissau anunciou hoje que vai atribuir a principal condecoração nacional, a medalha Amílcar Cabral, ao Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema.
“A Guiné-Bissau e a Guiné Equatorial têm excelentes relações”, justificou Olívio Pereira, secretário-geral da presidência do Conselho de Ministros.
De acordo com aquele responsável, “Teodoro Obiang tem sido um estadista atento à evolução da situação politica na Guiné-Bissau, tendo manifestado a sua solidariedade com diversos governos e em diversas ocasiões com o povo da Guiné-Bissau”.
A atribuição da medalha é, assim, “um gesto de reconhecimento que o Governo liderado por Umaro Sissoco Embaló decidiu prestar-lhe”, acrescentou.
A atribuição da medalha deverá ocorrer “brevemente”, concluiu.
Amílcar Cabral, fundador do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), foi um dos mais influentes independentistas africanos da década de 1960.
Teodoro Obiang Nguema está no poder na Guiné Equatorial desde 1979.
Nem todos concordam
O antigo embaixador do Brasil junto da CPLP, Lauro Moreira, considera que a entrada da Guiné Equatorial no bloco lusófono é uma questão que envergonha a organização.
“É uma vergonha. Se não fossem suficientes os problemas que nós temos internamente, agora temos um problema que é pavoroso, porque é uma questão que envergonha a CPLP”, afirmou Lauro Moreira, que é presidente do Conselho Directivo do Observatório da Língua Portuguesa (OLP).
Para o antigo embaixador brasileiro junto da CPLP (2006-2010), o bloco lusófono já tem, por exemplo, “problemas seríssimos com a Guiné-Bissau, que é um país maravilhoso, que ao mesmo tempo tem óptimos quadros superiores, mas que agora está reduzido a um narco-Estado”.
“Este país (Guiné Equatorial) é pária na comunidade internacional”, sublinhou Lauro Moreira.
A Guiné Equatorial – que é uma antiga colónia espanhola e também não tem laços culturais com os países lusófonos — aderiu formalmente ao bloco lusófono durante a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP em Díli, em 2014.
O Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, é um dos governantes mais antigos à frente de um Governo em África, desde Agosto de 1979 (a par com José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola), através de um golpe de Estado contra o próprio tio, Francisco Macías, que foi posteriormente fuzilado.
Obiang e membros da sua família (nomeadamente o seu filho ‘Teodorin’ Obiang) – que têm uma das maiores fortunas em África segundo a revista Forbes – enfrentam processos em alguns países por corrupção, fraude e branqueamento de capitais, assim como o Presidente equato-guineense enfrenta acusações de violação dos direitos humanos por várias organizações não-governamentais (ONG).
A pena de morte na Guiné Equatorial está suspensa neste momento, medida que foi tomada para poder entrar no bloco lusófono. Também segundo a ONG Transparency International, é um dos países mais corruptos do mundo.
Segundo Lauro Moreira, Teodoro Obiang “reina em absoluto sobre um país que flutua hoje em petróleo e sobre uma população naufragada na maior miséria”.
É, de acordo com o diplomata, “um país desconsiderado pela comunidade internacional, isolado pela língua (o único a falar espanhol em toda a África), cuja história, cultura e comportamento nada tem a ver com os ideais que presidiram a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em 1996”.
Na Cimeira da CPLP em Brasília, que decorreu em Novembro, o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou estar, tal como o primeiro-ministro António Costa, “muito à vontade” quanto à entrada da Guiné Equatorial na CPLP porque ambos não participaram na cimeira que aprovou a adesão.
O Presidente português assinalou que actualmente a pena de morte não é aplicada na Guiné Equatorial, mas garantiu que Portugal estará “atento aos passos” dados por este país para alterar o panorama dos direitos humanos antes da próxima cimeira lusófona e destacou os passos “para a valorização da língua portuguesa”.
Lauro Moreira afirmou que a CPLP ficou desfigurada com a estrada da Guiné Equatorial para o bloco lusófono, pois é “um país que nada fez na prática para merecer essa concessão a não ser introduzir às pressas o português como língua oficial, ao lado do espanhol e do francês, e acenar com os seus petrodólares de novo-rico”.
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