Os diplomas sobre a organização e funcionamento das autarquias locais em Angola e o respectivo quadro legislativo eleitoral estão em fase final para serem apresentados ao Presidente da República, anunciou hoje o Governo.
A informação foi hoje avançada pelo ministro da Administração do Território, igualmente candidato a vice-presidente da República nas eleições (não nominais) previstas para Agosto, Bornito de Sousa, que discursava na abertura de mais um curso de gestão municipal.
O governante recordou que a Assembleia Nacional aprovou um calendário de tarefas essenciais para a preparação e organização das eleições gerais e autárquicas em Angola, estas últimas as primeiras a realizar no país, fortemente reclamadas há vários anos pela oposição mas que, é claro, terão lugar quando e como o regime do MPLA muito bem entender.
Com este quadro criado e com base na Lei Constitucional (a tal que só é válida para o que o regime entender), acrescentou, os órgãos constitucionais competentes vão “determinar a data das eleições e o doseamento da tutela administrativa e do gradualismo”.
“A este respeito, e no alinhamento com as pertinentes orientações do Titular do Poder Executivo (José Eduardo dos Santos), não posso deixar de saudar mais um passo nesse sentido, embora ainda num plano de desconcentração administrativa, dada pelo ministro das Finanças e pelo governador da província de Luanda, quanto aos mecanismos de utilização das receitas locais”, referiu o governante angolano.
Para Bornito de Sousa, esse desenvolvimento, a par do trabalho em curso no sentido da elaboração de uma grelha abrangente de receitas locais, na sequência de um despacho conjunto dos ministros das Finanças e da Administração do Território, e da perspectiva do seu alargamento gradual às demais províncias e municípios do país, são um indicador do caminho da aproximação dos serviços aos cidadãos.
A realização de eleições autárquicas faz parte da moção de estratégia do líder do MPLA, José Eduardo dos Santos, igualmente Presidente da República, aprovada em 2016, no último congresso do partido.
Bornito de Sousa, ministro e número dois da lista do MPLA às próximas eleições gerais em Angola, destacou ainda a municipalização dos serviços de educação, de saúde, e, mais recentemente, dos serviços de assistência e protecção social, bem como a criação de Agentes de Desenvolvimento Comunitário e Sanitário (ADECOS), como essenciais no combate à pobreza nas comunidades rurais e periurbanas.
“Com efeito, os municípios e as demais unidades urbanas próximas dos cidadãos são uma peça fundamental para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e das comunidades, mas também para potenciar o desenvolvimento do país e estabelecer os necessários equilíbrios na distribuição territorial nacional dos benefícios do desenvolvimento”, sublinhou.
Brincar aos Estados de Direito
A resolução final da Assembleia Nacional com o plano de tarefas essenciais para realizar as próximas eleições gerais, em 2017, e as primeiras autárquicas, ainda sem data, proposta pelo MPLA, no poder desde 1975, e que incorporou propostas dos partidos da oposição referia que realização das primeiras eleições autárquicas em Angola seria antecedida, em 2015, pela elaboração de um diagnóstico sobre os recursos humanos do actual poder local e por uma delimitação territorial.
No caso das autárquicas, esta resolução – além de passos para o registo eleitoral – previa a realização de um diagnóstico exaustivo sobre o estado actual dos recursos humanos, financeiros e infra-estruturas necessárias à autarquias locais, a concluir “até Agosto de 2015”.
No segundo semestre de 2015 seria – dizia o MPLA – realizada a delimitação territorial, “definindo correctamente os limites territoriais de cada circunscrição autárquica e outros elementos necessários”.
Neste último processo serão definidos limites geográficos das circunscrições administrativas e autárquicas, fixados marcos geodésicos e placas identificativas dos limites territoriais, definida e clarificada a toponímia, além de atribuídos números de polícia a cada circunscrição territorial.
Igualmente no segundo semestre de 2015, o Governo angolano deveria avaliar o potencial de arrecadação de receitas pelos futuros municípios e adaptar a estrutura e funções do Orçamento Geral do Estado e a da Administração Fiscal para o efeito, além de fazer o levantamento do património imobiliário da administração local actual e decidir “sobre o património a transferir para as autarquias locais”.
A última das tarefas definida nesta resolução de 2015 prevoa a promoção da discussão e adopção da legislação de suporte à realização das primeiras autárquicas, até Março de 2016, e sem referir datas, concluiu pela necessidade de “promoção de condições efectivas para convocação das Eleições Autárquicas”.
A convocação das primeiras eleições autárquicas em Angola é um assunto que divide o MPLA, que advoga a necessidade de se criarem condições para o acto, e a oposição, que exige a sua rápida realização, em cumprimento da Constituição.
A 15 de Outubro de 2014, no seu habitual discurso anual sobre o estado do regime, o Presidente de Angola excluiu a realização das primeiras eleições autárquicas no país antes de 2017, advertindo que “é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”.
“Penso que devemos trabalhar de forma mais unida e coerente para a concretização deste grande desejo dos angolanos, ao invés de transformarmos este assunto em tema de controvérsia e de retórica político-partidária”, apontou José Eduardo dos Santos.
Nessa intervenção, o chefe de Estado alertou que “são várias as questões” que os órgãos de soberania “têm que tratar até que sejam reunidas as condições necessárias para a criação das autarquias”.
“Penso que todos queremos dar passos firmes em frente para aprofundarmos o nosso processo democrático, mas é melhor evitar a pressa para não tropeçarmos”, afirmou, desafiando a Assembleia Nacional a clarificar um calendário para “depois passar à acção”.
Palhaçadas atrás de palhaçadas
Baseando-se na melhor desculpa dos últimos 15 anos, o conflito armado, o MPLA diz que a situação do país “é diferente de uma nação normal”. Isto, é claro, aplica-se apenas às eleições autárquicas. Para as outras é óbvio – ou a vitória do MPLA não fosse conhecida muito antes do sufrágio – que o país é uma nação normal.
A isso acresce que, seja em 2017 ou 2027, é sempre possível dizer (até porque é verdade) que o país vem de uma situação de pós-conflito armado. Já não é possível culpar Jonas Savimbi, mas é exequível acusar a UNITA.
“Angola não pode ter um percurso de ciclos de eleições que seja de um país normal”, asseverou, em Dezembro de 2014, Virgílio de Fontes Pereira, presidente do Grupo Parlamentar do MPLA, ao mesmo tempo que aconselhava os angolanos a encararem as coisas com realismo e objectividade, e a não darem passos que possam comprometer os ganhos já alcançados.
Ora aí está. Se começam a pensar que o nosso país é uma democracia e um Estado de Direito, o MPLA vai acusá-los de estarem a “comprometer os ganhos já alcançados” e, dessa forma, acenar com o fantasma da guerra e até – capazes disso são eles – de dizer que afinal Jonas Savimbi ressuscitou.
Na óptica de Virgílio de Fontes Pereira, as eleições autárquicas devem juntar-se aos proventos obtidos com sacrifício de muitos angolanos, nomeadamente a paz, a reconciliação nacional e o crescimento económico. Ou seja, ao MPLA.
Por outras palavras, só é preciso ter (o que até não é difícil) boletins de voto que cheguem. De resto, nada mais é preciso. Nem sequer ir votar. Para isso está lá o MPLA.
Segundo Virgílio de Fontes Pereira, são relevantes as tarefas que passam por um envolvimento das instituições do Estado que têm responsabilidade para os actos eleitorais, como o Poder Judiciário, o Parlamento, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), a Sociedade Civil e a Imprensa. Tudo órgãos “independentes” ao serviço do regime.
“Toda a sociedade deve envolver-se nas tarefas inerentes à preparação dos processos eleitorais, para que as eleições sejam tidas como livres, justas, transparentes e democráticas”, almejou Virgílio de Fontes Pereira.
Virgílio de Fontes Pereira diz muito bem: “sejam tidas como livres, justas, transparentes e democráticas”. Não importa se o serão. O que importa é que sejam tidas como tal.
Folha 8 com Lusa