Os partidos políticos angolanos desde 1992 que se têm queixado da lei eleitoral que permite a fraude, por parte do MPLA. Mas o que têm feito para inverter tal situação? Pouco. Muito pouco. Lagosta sempre foi melhor do que a mandioca.
Por Orlando Castro
A Oposição sabe que a democracia assim não vai lá, sabem que assim nunca seremos um Estado de Direito. Mas, alegam, não é possível alterar este estado quando o regime se está nas tintas para a força da razão e, o que é verdade, põe em marcha a razão da força. Talvez seja necessário adoptar a estratégia de Afonso Dhlakama, em Moçambique. Será necessário regressar à mata e dizer que o que não vai a bem tem de ir a mal?
Quem decide as eleições em Angola, nomeadamente a percentagem de votos que cada partido ou coligação tem, é a Casa Militar do Presidente da República. O Povo e os observadores foram e serão meras figuras decorativas. É assim que a comunidade internacional quer, é assim que o regime faz. Ou é ao contrário? É assim que o regime quer, é assim que a comunidade internacional faz.
Os milhares de observadores internacionais que se passeiam pelo nosso país durante os actos eleitorais confirmam sempre democraticidade da votação. Bem, não são milhares, são centenas. Centenas também será um exagero. Fiquemos pelas dezenas. Ou, melhor, por meia dúzia.
Para além de ficarem nos melhores hotéis (ninguém lhes paga para ir ao país profundo ou para indagarem sobre o que se passa do lado de lá da cortina… de ferro) e comerem do bom e do melhor (se não fosse para isso o que é que vinham cá fazer?), estão sempre – honra lhes seja feita – na primeira fila. E estão na primeira fila para, dizem, ver tudo o que se passa. Além disso a sua localização estratégica permitiu que todos os vejam.
São espertos e fazem de nós matumbos. Os competentes na arte de ganhar eleições ficam lá atrás. Não são vistos, mas nada lhes escapa. De facto, e como é regra do regime para aceitar a democracia que – como diz Eduardo dos Santos – lhe foi imposta, na primeira fila de observação está sempre a subserviência, colectiva ou individual.
Respeitando as regras de quem os convida, os ilustres membros da comunidade internacional (Margareth Anstee foi um bom exemplo de acefalia bajuladora) estão sempre na primeira fila da ribalta construída pelo MPLA. Esse é o lugar de honra que nunca permite ver o que se passa. É uma boa estratégia para todos, com excepção do Povo. É que se vissem seria uma chatice não relatar.
E para uma comunidade internacional que se preze, o silêncio é uma regra de ouro. E se a isso conseguir juntar a cegueira, então é o diamante no cimo dos dólares. Angola é um exemplo acabado dessa realidade.
Vejam-se exemplos recentes, os de 2012. Como lhe competia, o MPLA só dá luz verde aos observadores que entende. A União Europeia passou de 100 em 2008 para 2 (dois) em 2012. A CPLP conseguiu resolver a questão com 10 (dez). Apesar da redução numérica, o regime colocou como condição “sine qua non” serem invertebrados, corruptos e cegos.
Quem melhor, por exemplo, do que Pedro Pires para chefiar a Missão de Observadores da União Africana? Não foi ele quem em 2001 ganhou as eleições presidenciais cabo-verdianas à custa de uma fraude?
No entanto, a fraude não se limita ao acto do colocar o voto na urna. Começa antes, bem antes. Tão antes que ninguém da oposição consegue a tempo e horas (como, aliás, estava previsto na lei) saber o que se passa.
Por alguma razão as pessoas que o regime entendeu serem as mais credenciadas para as mesas e assembleias de voto das últimas eleições foram membros da JMPLA e do SINFO, aparecendo alguns destes como sendo até indicados pelos partidos da oposição.
Pela via informática/electrónica, sob comando de técnicos mercenários, os resultados reais são convertidos na linguagem já estabelecida, razão pela qual muitos dos resultados apurados in loco nas assembleias de apuramento não coincidiram com os divulgados pela CNE. Por outras palavras. O cidadão vota na FNLA, mas os controladores sabem que isso aconteceu por engano, já que o MPLA é o Povo. Por isso contabilizam o voto para o guia supremo.
E, em muitos casos, a culpa nem é da CNE que, de facto, divulga os dados que recebe e que julga terem origem nos centros de escrutínio. Mas não. Os enviados desses centros passam pelo “campo de reeducação patriótica” e são convertidos e reenviados para a CNE.
A comunidade internacional diz sempre que as eleições podem ser consideradas mais ou menos justas. Uma terminologia exclusiva para os pretos africanos, pois no Ocidente (Europa e EUA) tal é intolerável. Não há eleições mais ou menos qualquer coisa. Ou são ou não são justas. Não há mais ou menos liberdade. Ou há ou não há.
Alias se dúvidas ainda houvessem, a antiga representante do Secretário-Geral das Nações Unidas em Angola, e chefe da Unaven II, Margareth Anstee, dissipou-as ao vir beijar a mão de José Eduardo dos Santos no seu 72 aniversário.
O regime faz o que quer, quando quer, sempre que quer. Perpetuar-se no poder é para o MPLA uma questão de vida. Para isso usa, quando lhe dá jeito, os argumentos da comunidade internacional e, é claro, as debilidades dos partidos adversários e até da própria sociedade civil.
Paridos esses que, por inexperiência, comodismo ou cobardia, acham que a nossa democracia se esgota na sua presença, passiva e inoperacional, na Assembleia Nacional. Ou, em alguns casos, nos “orgasmos e masturbação” inerentes ao facto de dizerem que, com algumas mordomias, são deputados. Já que o Governo e os deputados da maioria não sabem o que isso é, a Oposição tem obrigatoriamente de saber que se não vive para servir, não serve para viver.
UNITA, CASA–CE e PRS limitam-se a, de vez em quando, berrar para continuarem a mamar. Mas política não é isso. Não foi para isso que o Povo, mesmo com fraudes, os elegeu. Não foi para ter no Parlamento representantes invertebrados que os angolanos, apesar das ameaças, da porrada e da barriga vazia neles votaram. Não foi para, por cobardia e medo, os ver atirar a toalha ao tapete e dizer que, quem sabe, um dia o regime se auto-converterá à democracia, à liberdade, aos direitos humanos, à equidade social.
Todos sabemos e, é claro, também os partidos da Oposição, que o MPLA não está preparado para a democracia, é alérgico à reconciliação nacional, é avesso a tudo quanto significa igualdade entre os angolanos. É por isso que, custe o que custar, tudo faz para se perpetuar no poder, seja pela fraude, pela atemorização, pela barriga vazia.
Assim sendo, assim é de facto, para grandes males tem de haver grandes remédios. Em Moçambique, por exemplo, Afonso Dhlakama encontrou uma fórmula. Foi para as matas e de lá volta a tentar vitaminar a democracia e, sobretudo, os direitos do Povo.
Estamos a defender uma estratégia idêntica para Angola? Não. Quem está a indicar esse caminho como uma solução possível, eventualmente a única, é o próprio regime, o próprio MPLA. Ao não querer respeitar as regras de uma democracia e de um Estado de Direito, o regime está a dizer aos angolanos que o que não vai a bem tem de ir a mal.
Na verdade, tudo indica que será necessário, que será a única alternativa, que os angolanos se embrenhem na mata (que aliás tão bem conhecem) para reivindicar a higienização não só da democracia como dos órgãos eleitorais. E se tiver que ser… que seja.