Um luxo chamado… pão

O Entreposto Aduaneiro de Angola E.P. começou hoje, quinta-feira, a comercializar o saco de (50 quilogramas) de farinha de trigo ao preço de sete mil kwanzas, uma medida que, segundo as autoridades, visa baixar a alta do preço do pão, garantida que está – afirmam- a chegada regular de matéria-prima.

A venda é destinada inicialmente aos membros da Associação das Industrias de Panificação e Pastelaria de Angola (AIPPA), uma organização com 59 associados em Luanda e com representações nas 18 províncias do país.

O pagamento a pronto não é a única forma de liquidação. Os associados da AIPPA também poderão pagar a crédito, refere o director comercial do Entreposto Aduaneiro de Angola E.P, José Costa.

Foram, para esse efeito, criadas duas modalidades de venda a crédito, uma em que o comprador paga oito mil kwanzas e outra em que paga nove mil.

Segundo o director comercial, no crédito em que o saco será vendido a oito mil kwanzas, os associados da AIPPA pagarão 30 por cento do valor da compra deste produto, no prazo de 15 dias.

Quanto à modalidade, cuja venda está fixada nos nove mil kwanzas, o associado da AIPPA deverá pagar 30 por cento também sobre o valor da compra, mas num prazo de 30 dias.

José Costa disse tratar-se de duas modalidades que visam permitir a todos os associados adquirir este produto, tendo em conta que a condição financeira não é igual para todos.

Nesta perspectiva, o Executivo disponibilizou alguns valores financeiros para a compra de produtos da cesta básica, incluindo a importação de 40 contentores de farinha de trigo.

A referida quantidade, correspondente a 20 mil sacos (50 Kg), tem uma equivalência a um milhão de quilogramas de farinha de trigo, para esta primeira fase.

Os 40 contentores de farinha de trigo importados na semana em curso vão ser, inicialmente, vendidos aos industriais do sector de panificação e pastelaria. Nas semanas seguintes, a venda vai estender-se a todos os clientes do país, afirmou o presidente do Conselho de Administração do Entreposto Aduaneiro de Angola, Joffre Van-Dúnem.

Segundo o gestor quinzenalmente haverá entrada de igual quantidade (40 contentores) deste produto no país, referindo que se trata de uma medida que visa combater a especulação de preços da farinha de trigo no país, cujas consequências incidem na subida constante do custo do pão.

Joffre Van-Dúnem afirmou que a partir das próximas semanas a farinha de trigo distribuída pelo Entreposto Aduaneiro vai chegar às 18 províncias do país.

A partir de Outubro os clientes não membros da AIPPA também terão acesso a compra de farinha de trigo a partir do Entreposto.

Assim, para atender a esse segmento fora da AIPPA, o gestor do Entreposto informou que dentro das divisas que forem disponibilizadas pelo Executivo angolano para a compra de produtos da cesta básica, incluindo a farinha de trigo, a farinha vai ser vendida a todos os clientes, sem excepção.

Numa reunião realizada em Junho do ano em curso, a AIPPA sugeriu a fixação do preço do pão no mercado nacional para permitir que o produto chegue mais facilmente à mesa do consumidor.

Recorde-se que actualmente o preço do pão varia de 75 a 125 kwanzas. Antes o preço variava de 10 a 25 kwanzas.

Quando a barriga está (e está quase sempre) vazia…

A crise no preço do pão em Angola, que disparou em poucas semanas, está a levar as famílias de Luanda a mudar o hábito do “mata-bicho” pelo início da manhã, agora com arroz e chá, para “aldrabar o estômago”.

É que devido às alegadas dificuldades na importação de farinha de trigo, pela falta de divisas, o custo deste produto subiu em flecha, repercutindo-se nos preços do pão.

Um pão pequeno que antes custava à volta de 20 kwanzas chega a valer agora entre 70 a 100 kwanzas, enquanto um cassete, maior, passou para o dobro, 100 kwanzas. Além disso, é já costume formarem-se filas à porta destas padarias de bairro e mesmo nas grandes superfícies.

A tradição de “mata-bichar”, um pequeno-almoço que em Angola obriga a ter à mesa pelo menos pão com manteiga ou com omelete, está agora dificultada para famílias que já estavam a braços com o aumento generalizado dos preços de todos os restantes produtos.

“Os meus filhos gostam mais é de pão com leite ou com chá. Quando você dá um ‘mata-bicho’ de arroz com lambula [sardinha maior] eles dizem que não ‘mata-bicharam’”, queixa-se Paula Marques, de 32 anos, a viver em Luanda.

Comprava habitualmente, todos os dias, logo pela manhã, pelo menos dez pães, mas a subida de preço dos últimos dias já só permite levar cinco: “Não chega para nada. Eu só queria saber porque é que o trigo subiu desta forma”, questiona.

Em média, o preço do saco de 50 quilos de farinha trigo disparou de pouco mais de 3000 kwanzas para quase 30.000, em menos de dois meses, com os fornecedores a alegarem dificuldades de importação, por falta de divisas tendo em conta a crise que Angola atravessa.

António Bula, de 31 anos, recorda que gastava há poucas semanas à volta de 100 kwanzas em pão para o “mata-bicho” dos três filhos, quando hoje não chegam 300 kwanzas diários.

“E não serve, por causa do preço, está muito caro”, afirma, admitindo que sem pão, resta o arroz seco com lambula e chá para começar o dia: “Estamos a sofrer muito”, lamenta.

Fernando Paulo da Costa, de 29 anos, dá voltas para tentar explicar a subida dos preços e as dificuldades que enfrenta: “Foi subindo sem a gente perceber porquê”, diz. Mora em Luanda e compra um pão por 100 kwanzas, algo que a sua bolsa não permite: “Antes comprava dez só para o pequeno-almoço e agora apenas três ou quatro, mas não tem chegado para nada”.

“Às vezes fazemos um arroz com chá, só para tentar aldrabar o estômago”, desabafa.

Literalmente do outro lado do balcão está Alfa Amoro, nascido há 31 anos na Guiné-Bissau e naturalizado angolano, actualmente gerente de uma padaria de bairro, em Luanda.

No seu pequeno negócio cada pão custa entre 70 a 200 kwanzas, o dobro desde Junho, aumentos que tenta explicar com o preço galopante da farinha de trigo. “Não sei, fico admirado com a subida do preço. Uma coisa que era 3000 subiu para 20.000 e tal”, conta.

O negócio, admite, também já não é o mesmo, até porque os clientes – quer seja ao balcão ou para revenda na rua – começam a arranjar outras alternativas ao pão. “Antes tinha mais negócio, agora não”, afirma.

Como exemplo refere a caixa de pão que as mulheres compravam na padaria para depois revenderem nas ruas, durante o dia, que ainda há poucas semanas custava 800 kwanzas. “Hoje tenho de vender por 2.800 kwanzas“, remata.

Dos 13 produtos alimentares que constituem a cesta básica, a farinha de trigo foi a mais importado por Angola em 2016, ascendendo a quase 800 milhões de dólares.

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