Nos últimos dias, têm surgido notícias ambíguas de que o ditador José Eduardo dos Santos abdicará do poder, tendo indicado o general João Lourenço como seu sucessor. Embora esta informação seja anunciada como certa, a realidade é que até ao momento os únicos dados de confirmação foram a fotografia de uma deliberação e uma declaração do camarada jurista deputado João Pinto.
Por Rui Verde (*)
Esta forma oblíqua de anunciar decisões políticas tem raízes profundas nas práticas ditatoriais. Lembremo-nos do famoso discurso “Desabrochem Cem Flores”, em que Mao Tsé-Tung incentivou à mudança e à expressão do pensamento livre, para depois punir todos aqueles que o puseram em prática. É bem possível que estejamos agora a assistir a uma encenação do presidente angolano, para descobrir os alinhamentos reais de todos os camaradas, e depois punir aqueles que saíram da linha ortodoxa.
Mas também pode ser verdade que o ditador está doente, quer passar os seus últimos dias a descansar em Barcelona, a sua cidade favorita, e vai mesmo abandonar o poder.
José Eduardo dos Santos vai abandonar o poder e indicou, à boa maneira do autoritarismo mexicano, através do dedazo, o seu sucessor, sem passar por qualquer processo público e transparente de escolha.
Nesse caso, iremos assistir à aplicação prática das imortais palavras de Tomás de Lampedusa: “É preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma.” Muda-se a cara do ditador, para que a ditadura fique igual. A demonstrar isso mesmo, temos o belo exemplo do ministro da Administração do território, responsável pelo processo eleitoral (porque a CNE deixou de existir, sobretudo desde que o seu presidente se tornou um “pato coxo”, com as notícias da sua demissão iminente): Bornito de Sousa será o candidato à vice-presidência da República. A simples notícia desta candidatura deveria bastar para que Sousa se demitisse do controlo do processo eleitoral. Como é por demais evidente, não tem sentido que um candidato a um dos mais importantes cargos do Governo seja simultaneamente o chefe das operações eleitorais.
É verdade que a mudança de cara trará algum oxigénio ao regime. Entre uma população farta de ver José Eduardo dos Santos e a sua família a tomarem conta de todas as riquezas do país, enquanto condenam mais de 20 milhões à pobreza e à miséria, é normal que a simples mudança de rosto alivie a pressão que agora se sente.
Contudo, esse alívio de pressão não deve ser utilizado para manter um regime podre. Pelo contrário, deve ser usado para negociar com as forças vivas e com a sociedade civil uma verdadeira transição de regime, de modo que o país rume a um futuro melhor.
(*) Maka Angola
Foto: Folha 8