Procuram-se visionários

Que futuro terá a Comunidade Lusófona numa altura em que a União Europeia vive sob o fantasma da desagregação e o Mercosul tende a seguir o mesmo caminho? Neste âmbito, Portugal e Brasil enfrentam, mesmo que forma sigilosa, cenários críticos.

Por Manuel Quissala

Tirando o Brasil que há muito vive e sobrevive como grande potência regional e mundial, Timor-Leste que está noutro mundo, os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) que ainda procuram o caminho, mau grado mais de 40 anos de independência, sobra Portugal (potência colonizadora de todos eles) que está há demasiado tempo adormecido com o sonho europeu, esquecendo que se o seu presente é (ou foi) em Bruxelas, o futuro será (já deveria ser) certamente em África.

Quando Portugal acordar vai ter um enorme pesadelo. De uma forma geral, Portugal continua a valorizar o acessório e a subestimar o essencial, seja qual for o governo. Por isso, julga que o idioma (ou, melhor, a língua) é algo que não precisa de ser alimentado, que não precisa de ser valorizado.

É pena. Por este andar, não tardará muito que a Lusofonia dê lugar à francofonia ou a outra fonia qualquer. Aliás, Angola – por exemplo – é mais chinesa do que portuguesa.

Em vez de se potenciar a língua como o principal elo de ligação, como factor decisivo de todas as outras vertentes da sociedade globalizada, Portugal pensa que essa é uma vitória eterna. E não é.

No seio da Europa, Portugal não está a crescer. Está a aguentar-se. Apenas isso e sabe Deus como e com que sacrifícios. E até mesmo em matéria cultural poderia dar, ou voltar a dar, luz ao mundo. No entanto continua a olhar para o umbigo.

Nas comunidades de origem portuguesa, as novas gerações pouco ou nada falam português, pouco ou nada querem saber de Portugal. Nos PALOP assiste-se ao legítimo proliferar dos dialectos locais e ao galopante êxito do inglês. O Português tenderá (se nada for feito, se tudo continuar na mesma) a ser apenas uma língua residual.

Ao contrário do que fazem franceses e ingleses, os portugueses têm por hábito deixar para amanhã o que deveriam ter feito ontem.

Não existe, na língua como noutros sectores – com destaque para a economia e para aquilo que deveria ser um mercado cum lusófono -, uma conjugação estratégica de objectivos. Cada um rema para o seu lado e, é claro, assim o barco comum (a Lusofonia) não chega a nenhum porto. Há projectos sobrepostos, e muitas áreas onde ninguém chega. Ninguém não é verdade. Chegam os ingleses, os franceses, os norte-americanos e os chineses.

A CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) deveria ser o organismo que, por excelência, deveria discutir, analisar, partir pedra no sentido de pelo menos estudar a viabilidade de uma União Lusófona. Está, contudo, adormecida. Quando acordar verá que a Lusofonia já morreu…

É claro que o futuro de Portugal passa necessariamente pela África (ainda) lusófona. Mas o contrário não é necessariamente verdade. Acontece que, nesta altura, a União Europeia continua a mandar muito dinheiro para Portugal. E, ao contrário de outros tempos, Lisboa não está interessada em dar luz ao mundo. Ao contrário de muitos outros países que estão na UE mas também em África. Mas não só.

Ou seja, a China, por exemplo, está há muito tempo a preparar muitos dos seus melhores quadros para que dominem a língua portuguesa. Fazem-no para conquistar os mercados lusófonos. Nada mais do que isso.

De uma forma geral, todos (mais uns do que outros, importa dizê-lo) continuam à espera que o burro aprenda a viver sem comer. Mas, quando olharem para o lado, vão ver que quando o burro estava quase a saber viver sem comer… morreu.

Acresce que Portugal ainda não percebeu que foi o «pai» mas que os «filhos» já são independentes. Os países africanos ainda não compreenderam que o «pai» errou em muitas coisas mas que não é por isso que deixou de ser «pai».

A Lusofonia, essa realidade que em muito ultrapassa os 250 milhões de cidadãos em todos os cantos do planeta, parece condenada a ser ultrapassada, ou até mesmo aniquilada. Parafraseando Luís de Camões, em português se cantou o peito ilustre lusitano e, na prática, importa recordar que a ele obedeceram Neptuno e Marte. Além disso, importa dizê-lo, mandava cessar (se para tal todos os lusófonos tiverem engenho e arte) «tudo o que a Musa antiga canta».

Quando será que, de forma consciente e consistente, Portugal entenderá que “outro valor mais alto se alevanta”? Por culpa (mesmo que inconsciente) dos poucos que não vivem para servir e que, por isso, não servem para viver, continuam os milhões que se entendem em português a comer e calar, amordaçados pela mesquinhez dos que se julgam únicos detentores da verdade e do sonho que faz o mundo avançar.

É claro que, como em tudo na vida, não faltarão os que dirão que não é possível entregar a carta a Garcia. Dirão isso e, ao mesmo tempo, apontarão a valeta mais próxima.

A História do Mundo desmente-os. A História de Portugal desmente-os. Além disso, não custa tentar o impossível, desde logo porque o possível fazemos nós todos os dias. Mas não será com esses que se fará a História da Lusofonia apesar de, reconheça-se, muitos deles teimarem em flutuar ao sabor de interesses mesquinhos e de causas que só se conjugam na primeira pessoa do singular.

A Lusofonia deveria ser um desígnio nacional e internacional. Defender esta tese é, provavelmente, pregar paras os peixes. Mas vale a pena continuar a lutar. Lutar sempre, apesar da indiferença de (quase) todos os que podiam, e deviam, ajudar a Lusofonia, vendo um pouco mais além do umbigo. Será desta? Não cremos

Alguns visionários inspiraram a criação da actual União Europeia. Sem a sua energia e motivação, não estaríamos a viver tempos de paz e estabilidade. Os pais fundadores da UE formavam um grupo de personalidades provenientes de diferentes quadrantes que partilhavam o mesmo ideal: a criação de uma Europa pacífica, unida e próspera.

Será que a nível da União Lusófona não existem visionários?

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