O líder da seita angolana “Kalupeteka”, que responderá em tribunal por homicídio devido a confrontos com a polícia, não foi notificado (apesar de estar detido) para testemunhar no julgamento dos 17 activistas acusados de rebelião.
J osé Julino Kalupeteka, que também dá nome à seita (ilegal a partir do momento em que se afastou do regime do MPLA) “A luz do mundo”, foi `indicado` para o cargo de Presidente da República numa lista escolhida nas redes sociais para um governo de salvação nacional em Angola, documento que é – pasme-se – uma das provas da acusação contra os activistas em julgamento em Luanda, 15 dos quais em prisão domiciliária.
Em declarações à Lusa, David Mendes, advogado de defesa de Kalupeteka – detido no Huambo desde os confrontos entre fiéis e a polícia que em Abril último provocaram centenas de mortos entre os seguidores do “profeta” – afirmou que aquele não foi notificado para testemunhar no processo de Luanda, apesar da intenção de o tribunal em ouvir, enquanto testemunhas, os cerca de 50 elementos indicados na lista para o alegado governo de salvação nacional.
“Não fomos notificados para isso. Mas era útil ouvi-lo em tribunal, até porque se pretende ouvir os outros. Logo, faz todo o sentido ouvir aquele que era indicado para Presidente, é a peça fundamental para desmontar toda a teoria da acusação”, disse ainda o advogado e dirigente da associação Mãos Livres, que simultaneamente defende cinco dos 17 arguidos acusados em Luanda de supostos actos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o chefe de Estado.
Este julgamento está suspenso desde 12 de Janeiro, devido à não comparência em tribunal das testemunhas arroladas, precisamente os elementos indicados para o governo de salvação nacional, e só será retomado no próximo dia 25, depois de novo processo de notificação pelo tribunal.
O próprio David Mendes, enquanto advogado de defesa neste processo, confirmou ter sido notificado esta semana para ser ouvido pelo tribunal de Luanda, como declarante, por estar `indicado` na referida lista de um governo de salvação nacional para o cargo de juiz-presidente do Tribunal Constitucional de Angola.
“Eu só agora fui notificado para ser ouvido, no dia 25, mas não vou comparecer como declarante. Sou advogado, tive acesso ao processo, aos declarantes, aos réus, por isso não posso ser ouvido. Mas se tivesse que declarar, o tribunal ia ouvir o que não queria”, disse David Mendes.
Alega o Código do Processo Penal angolano e os estatutos da Ordem dos Advogados, instituição de que diz esperar agora uma posição, para não prestar declarações em tribunal.
Os 17 activistas – entre os quais duas jovens que aguardam em liberdade e os 15 que estiveram em prisão preventiva entre Junho e Dezembro – estão acusados, em co-autoria, de actos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, entre outros crimes menores, incorrendo numa pena de três anos de cadeia.
O caso, segundo a acusação deduzida pelo Ministério Público do regime, remonta a 16 de Maio de 2015, quando se realizou a primeira sessão de um letal e eventualmente atómico “curso de formação para formadores de activistas”, em Luanda.
Teriam lugar todos os sábados, durante três meses, com base no livro de Domingos da Cruz (um dos 17 réus) “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura, filosofia da libertação de Angola”, adaptação da obra “From dictatorship to Democracy”, de Gene Sharp, que inspirou as revoluções da denominada “Primavera Árabe”.
Perante um regime que está no poder há 40 anos e um Presidente da República (Eduardo dos Santos) que está no poder há 36 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito, os jovens queriam que a Primavera também fizesse parte de Angola, fartos que estão os angolanos de um prolongado e pelos vistos irreversível Inverno.
A 20 de Junho foram detidos 13 jovens activistas, alegando a polícia flagrante delito no envolvimento em “actos tendentes a alterar a ordem e a segurança pública”.
Foram detidos nessa operação, na sexta sessão de formação, Henrique Luaty Beirão (que esteve depois 36 dias em greve de fome em protesto pela prisão), Manuel “Nito Alves”, Afonso Matias “Mbanza-Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessy Chivonde, Inocêncio António de Brito, Sedrick Domingos de Carvalho, Albano Evaristo Bingobingo, Fernando António Tomás “Nicola”, Nélson Dibango Mendes dos Santos, Arante Kivuvu Lopes e Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias.
O professor universitário Domingos José da Cruz foi detido a 21 de Junho em Santa Clara, no sul de Angola, junto à fronteira com a Namíbia, segundo a acusação, em suposta do país. Três dias depois, foi detido o tenente das Forças Armadas Angolanas (Força Aérea) Osvaldo Caholo.
Folha 8 com Lusa