Há cerca de um ano, o general Mateus Miguel Ângelo “Vietnam”, de 61 anos, colocou o seu cargo de secretário de Estado da Reinserção Social à disposição do presidente José Eduardo dos Santos e regressou à sua terra natal, na província do Cunene, para se dedicar ao cultivo do milho.
Por Rafael Marques de Morais
Desde então, o general Vietnam tem-se dedicado exclusivamente à agricultura, mas o presidente continua a alimentar a ilusão pública de que o ex-secretário de Estado se mantém em funções, sob a alçada do ministro da Reinserção Social, João Baptista Kussumua.
Em 2006, era então chefe do Estado Maior do Exército das Forças Armadas Angolanas (FAA), o general Vietnam foi nomeado vice-ministro [cargo hoje designado como secretário de Estado] da Reinserção Social, com o objectivo de o acomodar politicamente. O general era considerado como o mais apto candidato ao posto de chefe do Estado-Maior General das FAA, para o qual acabou por ser nomeado o general Francisco Furtado.
Na Reinserção Social, de acordo com fontes ministeriais, o general foi remetido à condição de corta-fitas e, com o tempo, passou a não receber quaisquer tarefas do ministro ou do chefe do Executivo. Consta que se fartou de ir ao gabinete “para não fazer nada e ser desprezado pelo ministro”.
O governo angolano é o mais numeroso do mundo, com 35 ministros e 47 secretários de Estado, e o caso do general Vietnam demonstra que muitos dos cargos de governo não têm serventia alguma, salvo para atribuir prémios, recompensas ou poisos de acomodação para os seus titulares.
Antes de bater com a porta, o general requereu audiências ao presidente da República, mas foi ignorado. Enviou cartas a relatar a sua situação e não obteve resposta. Cansado de fazer de conta que era dirigente, rumou à sua terra natal. Com um crédito avaliado em US $500 mil concedido pelo Banco de Poupança e Crédito, o general tornou-se num grande produtor de milho e passou a dirigir o seu projecto pessoal.
Passados alguns meses, começaram a chegar à residência do general delegações provenientes de Luanda, incluindo do actual chefe do Estado-Maior General, general Geraldo Sachipengo Nunda. O objectivo de todas elas era aconselhar o general-agricultor a regressar ao seu posto de secretário de Estado – sem tarefa.
O general Vietnam é descrito por muito dos seus colegas, incluindo antigos generais da UNITA contra quem combateu, como um dos mais valorosos, competentes e hábeis cabos de guerra que serviu as extintas FAPLA e as FAA.
Apesar da sua lealdade para com o comandante-chefe José Eduardo dos Santos, durante a sua carreira o general passou por despromoções e fases de ostracismo. Alguns colegas seus sugerem que os interesses de grupo, no exército, sempre excluíram o general Vietnam da partilha dos espólios e louros de guerra, por causa da sua integridade e intransigência, as quais o levavam a incutir métodos de organização e de gestão de recursos que colidiam com os referidos interesses.
Nos piores momentos da guerra, o presidente, na qualidade de comandante-chefe, chamou-o sempre para acudir às frentes onde as forças governamentais enfrentavam as maiores dificuldades ou se mostravam desarticuladas. Assim, Vietnam comandou a Frente Militar Norte, no auge da guerra civil pós-eleitoral, de 1993 a 1999, tendo sido depois nomeado comandante da Frente Militar Centro (1999 a 2001), que supervisionou a queda dos últimos bastiões da UNITA, no Bailundo e no Andulo.
“O general Vietnam é explosivo. Mas é conhecido por ser humano, por ter autoridade, ser organizado e, sobretudo, pela sua conduta sempre a favor da melhoria das condições de trabalho e operacionais dos efectivos sob seu comando”, explica fonte do Estado-Maior do Exército.
O general Vietnam é mais um de entre muitos exemplos de servidores do regime que são trucidados pela máquina de interesses pessoais que o comanda. Neste regime, a lealdade ou a competência não são a característica mais importante, mas sim a conivência ou cumplicidade no interminável processo de saque e pilhagem da riqueza e dos bens nacionais.
O general teve a inteligência de se retirar atempadamente, qual Cincinato, o cônsul romano elogiado pelas suas virtudes e desapego material.
Cincinato era chamado pelo Senado de Roma sempre que havia crises, e resolvia-as. Depois de resolver as crises retirava-se para a sua vida pastoril e não mais voltava a Roma.
A sua renúncia ao poder no final das crises é habitualmente referida “como um exemplo de liderança excepcional, serviço ao bem maior, virtude cívica, falta de ambição pessoal e modéstia” (Tito Lívio, historiador romano). Precisamente características que não abundam entre a elite dirigente angolana.
A forma como o comandante-chefe tem baralhado os valores dos seus generais, oficiais e soldados confere-lhe a ilusão de ter vencido as batalhas sozinho. Apesar do notável desprezo pelas consequências dos seus actos, José Eduardo dos Santos ainda poderá acordar só e desesperado por causa das suas manobras, sem espaço para continuar a manipular os interesses da sua corte.
In: Maka Angola