O Banco Português de Investimento (BPI) está à beira do fim, não por estar falido ou ter problemas graves, mas porque vai ficar sem o Banco de Fomento de Angola (BFA), a sua operação em Angola.
Por Rui Verde
doutor em Direito (*)
N os primeiros sete meses de 2015, o BFA contribuiu com 70% dos lucros do BPI. Basta olhar para este número para ver a dependência do BPI face a Angola. A sócia do BPI no BFA em Angola é uma empresa chamada Unitel.
Quem tem nas mãos o destino do BPI é Isabel dos Santos. Se a vida se passasse no País das Maravilhas, era interessante ver uma empresária (mulher e africana) a levar ao tapete um banco da aristocracia portuguesa (Santos Silva e Ulrich). Contudo, a realidade é bem mais sinistra e o papel de Isabel dos Santos é altamente discutível, do ponto de vista jurídico e político, para não falar de outros patamares.
Alinhemos alguns factos. A Santoro é accionista do BPI, detendo cerca de 18% do banco. No entanto, os direitos de voto estão imputados directa e pessoalmente a Isabel dos Santos, nos termos das regras de transparência consignadas no artigo 20.º do Código dos Valores Mobiliários. Portanto, Isabel dos Santos é accionista do BPI com uma participação qualificada.
Por sua vez, não é especialmente claro qual a Unitel que é accionista do BFA. No relatório de contas de 2014 do BFA, refere-se uma Unitel S.A. Mas, surpreendentemente, há duas Unitel! A Unitel telefónica de Angola, cujos accionistas da Unitel estão ligados à Sonangol, a Isabel dos Santos e à antiga PT. E a Unitel International Holdings, pertencente na sua totalidade a Isabel dos Santos.
Embora se possa presumir que a Unitel do BFA é a S.A., por ser essa a designação que aparece no relatório, nada impede que seja a Unitel BV. No mínimo, há uma confusão deliberadamente criada na fundação de duas empresas com o mesmo nome. Certo é que numa o Estado angolano tem participação, ao passo que a outra pertence somente a Isabel dos Santos.
Curiosamente, no final, o resultado é o mesmo em termos de controlo efectivo, porque quem surge no comando das operações é sempre Isabel dos Santos: é ela que surge a determinar as políticas sociais, por isso, perante qualquer lei, seja a portuguesa, seja o City Code londrino, ela é a parte dominante da sociedade e como tal deve ser tratada.
Dominando Isabel dos Santos a Santoro e a Unitel, seja a Unitel S.A. seja a Unitel BV, a sua posição está em conflito de interesses claríssimo, e Isabel não deveria poder votar na próxima assembleia-geral do BPI, onde se vai decidir sobre um assunto acerca do qual ela já demonstrou ter um interesse pessoal e próprio. Em português simples, devido a conflito de interesses não deveria existir direito de voto da Santoro na assembleia-geral do BPI de 5 de Fevereiro de 2016. Mas esta é uma questão jurídica, e competirá às autoridades portuguesas fechar os olhos (como têm feito em nome da necessidade de investimento numa economia depauperada) ou não aos comportamentos comprometedores do Direito.
O problema crítico situa-se a um nível mais preocupante: o da influência de Isabel dos Santos na banca angolana. De resto, a mesma questão referente à banca portuguesa também se coloca, mas não é objecto deste texto.
A experiência bancária de Isabel dos Santos começa por se reconduzir ao BESA, onde, através do Grupo Geni, a empresária deteria cerca de 19%, uma participação extremamente significativa.
Qual a relação do comportamento accionista com o afundamento do BESA? Que créditos existiriam no BESA concedidos às suas empresas e que não foram pagos? Muitos ou nenhum?
Só pode ficar a pergunta, porque a situação não é transparente. Só o será quando for publicada a lista dos maiores devedores inadimplentes do BESA. Além do BESA, Isabel dos Santos teria também participação no BES, através da anterior participação no BIC (Banco Internacional de Crédito), bem como nas off-shores do Grupo. Por motivos políticos, estas questões não têm todavia sido abordadas nem investigadas.
O BFA tem sido o contrário do BESA. Um banco cauteloso, sólido, tradicional, que ainda em 2004 se recusava a conceder crédito a ministros angolanos sem garantias efectivas (sei-o por experiência pessoal). Portanto, um banco em que se poderia confiar.
Mas o que lhe acontecerá se a sua gestão estratégica for entregue àqueles que gerem bancos com expectativas diferentes, com expectativas políticas? Note-se que Isabel dos Santos já é dona do BIC, o segundo mais lucrativo banco de Angola, a seguir ao BFA; os restantes bancos de referência pertencem ao Estado ou à Sonangol (BPC ou BAI). Portanto, em conclusão, a partir do momento em que Isabel dos Santos domina o BFA, passa a dominar o sistema bancário angolano.
Aliás, tal deveria automaticamente provocar a intervenção das autoridades responsáveis pela supervisão e pelo respeito das leis de concorrência no sistema bancário de Angola.
Há uma questão que tem de se colocar: qual o impacto para a economia angolana de ter o sistema bancário dominado por uma pessoa como Isabel dos Santos? Ao contrário do que se pensa, a banca não vive de dinheiro, mas de confiança. Confiança nas instituições, confiança nas pessoas. Acresce que qualquer economia moderna vive do crédito bancário, como já explicou Schumpeter.
Assim, se há confiança na banca angolana, há crédito e a economia expande-se. Se não há confiança, não há crédito e a economia contrai. Este é o grande perigo macroeconómico do domínio isabelino da banca: a perda de confiança internacional e o “secamento” dos mercados monetários e financeiros internacionais para a liquidez do sistema em Angola.
Se a entrega do BFA a Isabel dos Santos pode constituir um perigo para o sistema bancário angolano, não há dúvidas de que é a morte certa para o BPI, que deixa de contar com os lucros desta actividade. Basta ver o que aconteceu no passado aos dividendos a que a PT teria direito na Unitel: 245 milhões de euros de 2011 e 2012, referentes à participação da PT na empresa angolana. Não foram pagos. O que acontecerá ao BPI se deixar de receber os dividendos do BFA? Termina. Tem de se fundir rapidamente.
Contudo, também aqui a realidade não é uma história aos quadradinhos. O BPI tem desempenhado um papel fundamental na extensão da teia de influências da primeira família angolana (Dos Santos), sobretudo nas suas ligações à China, através de Macau. Neste aspecto, assume especial relevância a Sucursal Off-Shore de Macau. Trata-se de uma sucursal que, no fim do ano de 2014, tinha mais de 2 mil milhões de euros em depósitos a prazo (apenas valor final e não valor movimentado), e que tem a particularidade de, desde que não faça negócios directamente em Macau, ser quase opaca. Talvez muito do futuro do BPI passe por negociações atinentes à off-shore de Macau, cujo director terá nascido em Angola.
Restam, assim, poucas dúvidas de que há uma rede tentacular financeira que percorre todo o mundo, de Malta à Madeira, estendida por Isabel dos Santos, e que vai dominando a economia e as finanças de Angola e Portugal.
(*) In MakaAngola
Vamos lá ver. Há aqui uma extrapolação de conclusões.
O BFA é o que é (conforme está descrito) porque é gerido com políticas do BPI. É importante de referir também que é o BCE que está a exigir a separação das contas BPI/BFA.
Uma coisa é ter Portugal a pressionar outra coisa é a União Europeia e aí é mais a sério.
A PT não ruiu porque a Unitel não paga o que deve. Ruiu porque os seus gestores fizeram o que podiam para a desmantelar e ganhar dinheiro com isso. Daí a terrível oposição à Sonae aquando da OPA.
Quanto a Isabel dos Santos. Têm de parar de a endeusar. Ela não é mais que uma vulgar salteadora protegida pelo pai. No dia em que o pai cair, cairão os filhos e as suas fortunas. Olhem para trás na história recente (ultimos 50 anos) da África sub sariana e para os ditadores depostos e os seus descendentes…