Angola não enviou militares para apoiar o Governo da República Democrática do Congo (RD Congo), tendo apenas instrutores para apoio na formação, garantiu hoje o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas. Quem quiser que acredite.
O general Geraldo Sachipengo Nunda falava aos jornalistas, em Luanda, a propósito dos 25 anos sobre a constituição das Forças Armadas Angolanas (FAA), data que se assinala no domingo, tendo recusado o teor de algumas informações que apontam para a presença de militares de Angola no apoio ao Governo do Presidente Joseph Kabila, tendo em conta a recente onda de instabilidade naquele país vizinho.
“Não existem militares nas frentes, por exemplo. Mas as Forças Armadas Angolanas têm ajudado a República Democrática do Congo a formar soldados. Nós temos alguns soldados em Kitona, mas são instrutores, é uma base que fica praticamente na margem direita do rio Zaire, pode-se ver a partir do Soyo”, disse.
A 21 de Setembro foi noticiado que a violência que ocorreu durante dois dias em Kinshasa provocou a morte a mais de 100 pessoas, estimaram fontes da oposição na RD Congo, o que mais do que triplica as estimativas policiais.
No centro das manifestações está a exigência de saída do poder de Joseph Kabila no final do mandato, em Dezembro, rejeitando que se recandidate e o adiamento das próximas eleições.
Na guerra civil na RD Congo, entre 1998 e 2002, Angola e o Zimbabué enviaram tropas para aquele país para apoiar o regime do então Presidente Laurent Désiré Kabila, pai de Joseph Kabila, que foi assassinado em Janeiro de 2001, contra os rebeldes, apoiados pelo Ruanda, Uganda e Burundi.
Angola e RD Congo partilham uma fronteira de cerca de 2.000 quilómetros, no norte e leste do território angolano.
As FAA contam com cerca de 100.000 homens, nos três ramos, e estão em processo de modernização, com a aquisição de meios aéreos e navais, bem como formação de militares, nomeadamente pilotos e marinheiros, disse ainda o general Sachipengo Nunda
Luanda recebe a 26 e 27 de Outubro uma cimeira de chefes de Estado africanos e quatro organizações internacionais para abordar os recentes desenvolvimentos na RD Congo, anunciou anteriormente fonte da diplomacia angolana.
De acordo com a mesma fonte, a cimeira de Luanda resulta do Acordo-Quadro para a Paz, Segurança e Cooperação na RD Congo e na região (assinado em 2013) e promovido pelas Nações Unidas, União Africana, SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) e Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos, esta última liderada por Angola.
“As Nações Unidas solicitaram a Angola se podia albergar esta grande cimeira e Angola aceitou”, indicou à Lusa o director para África do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Joaquim do Espírito Santo.
Segundo o diplomata, além das organizações envolvidas no acordo sobre a estabilidade naquele país e região, são esperados chefes de Estado de 11 países vizinhos da RD Congo e também da África do Sul.
Os recentes desenvolvimentos na RD Congo, com o recrudescer da violência, serão “certamente” abordados na cimeira, indicou ainda o diplomata angolano.
Nunca, jamais, em tempo algum
Do ponto de vista oficial quando os militares angolanos estão noutros países isso é apenas para dar instruções ou, inclusive, ajudar as velhinhas a atravessar a estrada.
Já no dia 21 de Abril de2016, o ministro das Relações Exteriores, Georges Chikoti, negava que tropas angolanas tenham tido qualquer acção em conflitos em países africanos, como a RD Congo, ou o Congo, ou a Costa do Marfim, ou a Líbia.
Georges Chikoti respondia na altura a uma declaração expressa no Parlamento pelo deputado da UNITA, Raul Danda, durante o debate do projecto de resolução (aprovado por unanimidade) que aprova a ratificação, pelo Presidente de Angola, do Pacto de Não-Agressão e Defesa Comum da União Africana.
Segundo o deputado do maior partido da oposição, a ratificação por Angola desse documento devia ser aplaudida, porque guerra e agressão “não são boas para ninguém”.
Raul Danda sublinhou que “depois das amargas experiências na República do Congo-Brazzaville, na República Democrática do Congo, Costa do Marfim e sabe Deus mais aonde”, essa “tendência internacionalista herdada de internacionalismos ficasse mesmo no passado”.
E a intervenção, recorde-se, desagradou ao deputado Roberto de Almeida, do MPLA, que lamentou o facto de Raul Danda reiteradamente apontar a intervenção de Angola na Costa do Marfim.
Segundo Roberto de Almeida, isto nunca se verificou, mas a insistente obstinação do seu colega “em colocar tropas na Costa do Marfim é tempo de se parar”.
“Acho que não há razões para se insistir numa coisa que ninguém viu, ninguém prova e não aconteceu”, disse Roberto de Almeida.
O chefe da diplomacia angolana sublinhou que “Angola nunca teve tropas na Costa do Marfim, mas tem uma cooperação nas áreas de defesa e segurança com a RD Congo, com a Zâmbia, Namíbia e com vários países”.
“E naquela altura houve de facto esse tipo de intervenções, mas hoje por exemplo acompanhamos a questão do conflito no leste da RD Congo não só no âmbito da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos, mas como também em conjunto com a Comunidade de Desenvolvimento de Países da África Austral”, referiu o ministro.
Costa do Marfim, sim ou não? Sim!
Em Abril de 2011 as autoridades angolanas mantiveram discretos contactos com a França destinados à entrega de um grupo de militares angolanos que foram capturados por soldados franceses, em Abjadan, momentos antes da detenção do ex-Presidente Marfinense, Laurent Gbagdo.
Os contactos coincidiram com a deslocação a Luanda de um enviado especial de Alassane Ouattara que tinha a mesma tarefa. Os contactos que Angola manteve com as duas partes (militares de Alassane Ouattara e franceses), deveu-se ao facto de as mesmas quererem “negociar” os seus prisioneiros em função dos seus interesses.
A pressa com que o regime angolano tratou do resgate dos seus soldados feitos prisioneiros naquele país deveu-se aos crescentes embaraços para a imagem externa de Angola, mas também para evitar que no julgamento de Larent Gbagdo pelo Tribunal Penal Internacional viesse à baila o nome do Presidente José Eduardo dos Santos, sendo equacionado que se tal acontecesse Eduardo dos Santos poderia ser associado a “crimes de guerra e contra a humanidade” pelo envolvimento dos soldados angolanos no conflito.
O contingente militar angolano na Costa do Marfim, (segundo a Revista “Jeune Afrique”) foi comandado pelo coronel Vítor Manena da UGP que tinha a missão de apoiar a guarnição do antigo Presidente Laurent Gbagdo. A figura do ex-regime marfinense que fazia a ligação com Angola era Cadet Bertin, o ex-conselheiro especial para Defesa e Segurança de Laurent Gbagdo. A quando a captura do ex-presidente, o mesmo encontrava se em Luanda em “missão de trabalho”.
Já em 2003 o governo angolano tinha ajudado o conflito militar naquele país através do envio de tropas. Na altura as autoridades negavam o seu envolvimento mas anos mais tarde altos dirigentes angolanos admitiram que a estabilidade na Costa do Marfim, deveu-se à “intervenção militar angolana”.
O regime angolano tem um sentimento de gratidão a Laurent Gbagdo por ter sido a figura que após assumir o poder, na Costa do Marfim, ajudou no desmantelamento das redes de influência da UNITA de Jonas Savimbi naquele país que eram inicialmente apoiadas pelo falecido “pai da nação”, Félix Houphouët Boigny, que tinha como primeiro-ministro, Alassane Dramane Outtarra.
Líbia – um caso (ainda) por esclarecer
Oficiais angolanos, supostamente a pedido oficial do então presidente Líbia, Muammar Kadhafi, e, por isso, não enquadráveis na designação de mercenários, estariam em Tripoli para tentar manter o regime. Isto em 2011.
Embora também tenham seguido para a Líbia militares de infantaria, o contingente angolano terá tido apenas uma missão de coordenação e comando das operações que foram levadas a cabo pelos milhares de mercenários oriundos de vários países africanos, mas não só.
Assim, ao lado de mercenários ucranianos, também pilotos angolanos terão estado a servir o que restava da Força Aérea da Líbia que já na altura assistia à deserção de muitos dos seus militares.
Entre outros, os Mirage F1 líbios estavam a atacar as zonas hostis da rebelião, tendo ao comando sobretudo estrangeiros para quem o povo não passava de mais um alvo, posição que não foi aceite pelos pilotos líbios.
Apesar de os pilotos angolanos serem especialistas em aviões de combate de outro tipo, caso dos MIG-23, MIG-21 e o Sukkoi 27, não tiveram dificuldade em pilotar outras aeronaves. Além disso, esteve em aberto a possibilidade de fazer deslocar para a Líbia alguns dos aparelhos angolanos.
Fontes angolanas admitiram na altura que os militares que já estavam na Líbia, bem como outros que iam a caminho, estariam baseados em países vizinhos de Angola, numa estratégia preparada em conjunto por Luanda e Tripoli.
As forças leais a Muammar Kadhafi, com predominância para os mercenários, pareciam ter assegurado o controlo de Tripoli, e preparavam uma forte ofensiva, sobretudo sustentada na força aérea, contra alguns dos bastiões do interior que tinham sido conquistados pela oposição.
No leste da Líbia, onde o poder passara para as mãos da oposição, os revoltosos garantiam que se não fosse o apoio dos mercenários, “sobretudo africanos”, Tripoli já estaria em seu poder.
Apesar de as forças que se opunham a Kadhafi controlarem toda a zona costeira oriental do país, região onde se concentra a maior parte da riqueza petrolífera, observadores internacionais temiam que ao passar a Força Aérea para as mãos dos mercenários, Kadhafi estaria a equacionar uma política de terra queimada que passaria pelo bombardeamento das estruturas petrolíferas.
Apesar de ter conscientemente um exército fraco, facto que evitaria um golpe militar, Kadhafi depositava confiança na sua Força Aérea, entendendo-a não só como fiel mas também eficaz no contexto do país.
Perante as deserções, algumas com os próprios aviões, Kadhafi accionou o seu plano B que passou pela compra de um forte contingente paramilitar e pelo recrutamento de mercenário, todos pagos a peso de ouro.
Folha 8 com Lusa
Foto de arquivo