A mortalidade infantil registou um aumento significativo, na pediatria do Hospital Geral de Benguela, com 603 mortos no primeiro semestre deste ano, 256 óbitos a mais comparativamente ao mesmo período de 2015. Normal num país pobre, não é sua majestade o rei, José Eduardo dos Santos?
Os dados foram hoje avançados por Laura Campos, responsável daquela unidade hospitalar no litoral sul de Angola e são, de uma forma geral, o reflexo do que se passa um pouco por todo o país.
A malária e as suas complicações, anemias severas, hepáticas, febre-amarela, doenças respiratórias, diarreicas agudas e a má nutrição estão entre as causas das mortes registadas naquele hospital.
O que mais poderá acontecer? Nada. A morte é o fim da linha.
Segundo a responsável, no período em referência recorreram àquele hospital 23.680 crianças, igualmente um aumento comparativamente a igual período de 2015, em que foram consultadas 15.980 crianças.
Laura Campos, citada pela agência noticiosa angolana, Angop, frisou que do total de mortes, 320 crianças faleceram em menos de 48 horas, enquanto 283 depois de 48 horas de internamento.
A responsável avançou que a malária com as suas complicações continua a ser a principal preocupação na pediatria, embora o número de casos tenha registado ligeira diminuição comparativamente aos meses de Abril e Maio.
A falta de recursos humanos, material e medicamentos são as dificuldades da pediatria, com 150 camas, nove médicos especialistas e com uma média diária de atendimento de 150 crianças.
Recentemente, um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) apelou Angola a aumentar mais cinco vezes o ritmo de redução da mortalidade infantil para alcançar o objectivo de reduzir para 25 o número de mortes de menores de cinco anos em cada mil.
Actualmente, Angola tem a maior taxa de mortalidade infantil do mundo: 157 em cada mil crianças morrem antes dos cinco anos no país. Coisa irrelevante, não é sua majestade o rei, José Eduardo dos Santos?
Angola é também por isso o país que mais longe está da meta definida no ano passado e se a tendência se mantiver como até agora, a taxa de mortalidade infantil será em 2030 de mais de 110 menores de cinco anos mortos em cada mil, ou seja, mais de três vezes o objectivo.
De acordo com o relatório da UNICEF, a taxa de mortalidade em Angola diminuiu de 226 em 1990 para 157 em 2015, a mortalidade de menores de um ano caiu de 134 em 1990 para 96 em 2015 e a mortalidade neonatal (no primeiro mês de vida) era de 49 em 2015.
As crianças são angolanos?
Em Junho de 2015, por exemplo, o jornal “The New York Times” mostrava a dura realidade dos serviços de saúde de Angola, o país do mundo com o maior índice de óbitos entre crianças, e ligou-os aos números devastadores da corrupção do regime.
Tudo começava, na reportagem, com uma mãe e uma avó que viam morrer em frente aos seus olhos o seu menino. O hospital é impecável, pelo menos nas infra-estruturas e limpeza. Mas, como em tantos outros que aparecem na reportagem, faltam médicos e enfermeiros.
Há 60 mil crianças que morrem todos os dias no mundo. Mas em nenhum país morrem mais crianças do que em Angola. “Ainda assim o governo decidiu cortar os custos com a saúde em 30%”, alertava o jornalista Nicholas Kristof que, juntamente com Adam B. Ellick, assinam o trabalho do jornal norte-americano.
Os jornalistas do “The New York Times” apontavam, e bem, a corrupção como o factor que espoleta esta tragédia humanitária em Angola e mostraram imagens das festas do centro da capital Luanda em que Porsche e Jaguar são meio de transporte habituais e o champanhe é rei nos balcões dos bares.
O jornal norte-americano descrevia o reino de sua majestade José Eduardo dos Santos e da sua princesa herdeira, Isabel dos Santos, como um país de muitas e profundas desigualdades, em que o petróleo e os diamantes deviam ser mais do que suficientes para evitar a morte de crianças.
Nicholas Kristof diz que a maior parte dos casos de morte de menores eram possíveis de prevenir e no texto introdutório da reportagem afirma que nunca mais poderá fazer outro trabalho igual em Angola.
“Angola naturalmente não recebe bem os jornalistas. Demorei cinco anos até conseguir um visto para entrar em Angola, e depois desta reportagem duvido que mais alguma vez consiga entrar no país enquanto este regime estiver no poder”, avança o jornalista.
Só mesmo a… tiro
Recordam-se que, entre outros, a rapper norte-americana Nicki Minaj não ligou aos apelos e veio actuar em Angola, o país onde uma em cada seis crianças morre antes de completar cinco anos?
Recordam-se que a anfitriã, a princesa herdeira Isabel dos Santos, compensou-a com o módico cachet de cerca de 2 milhões de dólares?
Os pais destas crianças que, ao contrário do que pensa o paizinho da princesa herdeira Isabel, são angolanas, ficaram felizes porque – segundo o regime – a presença de Nicki Minaj ajudou a alimentar muita gente. E é verdade. O clã presidencial alimenta-se muito bem.
Thor Halvorssen, presidente da Human Rights Foundation, bem disse que a corrupção e nepotismo do regime angolano são uma realidade há 40 anos. Mas não adianta.
As crianças morrem à fome? Morrem. Mas o que é que isso interessa? Se os governos europeus e norte-americano idolatram José Eduardo dos Santos, considerando-o um ditador… bom, porque carga de chuva Nicki Minaj não poderia ir sacar uma massas, indiferente ao sofrimento dos angolanos?
A história nem sequer é nova. Há três anos já a Human Rights Foundation (HRF), organização de defesa dos direitos humanos sediada em Nova Iorque, acusava a cantora norte-americana Mariah Carey de ter aceitado um cachet de um milhão de dólares para dar um concerto para a “cleptocracia de pai e filha” no poder em Angola.
Na altura, a HRF argumentou que, ao actuar num espectáculo de beneficência para a Cruz Vermelha de Angola, a cantora estava a aceitar “dinheiro da ditadura”.
Thor Halvorssen, presidente da Human Rights Foundation, também divulgou na altura um comunicado no qual descreveu a actuação de Mariah Carey em Angola como “o triste espectáculo de uma artista internacional contratada por um implacável estado policial para entreter e branquear uma cleptocracia de pai e filha que acumulou biliões em rendimentos ilícitos”.
Recorde-se que, em 2011, Mariah Carey confessou publicamente o seu embaraço por ter cantado, em 2008, para o ditador líbio Muammar Khadafi e respectiva família. “Fui ingénua e não sabia por quem estava a ser contratada” afirmou então a artista, acrescentando que “a lição” a tirar do episódio é a de que os artistas “têm de ser mais conscientes e responsáveis”.
Nick Minaj fez-se fotografar embrulhada numa bandeira angolana (“Angola, amo-te”, escreveu), ou ao lado de uma Isabel dos Santos em pose informal. “Nada de especial… Ela é apenas a oitava mulher mais rica do mundo”, escreveu a cantora.
Um mangueiral de crimes
Da parte do regime, vemos o ministro da justiça, Rui Mangueira, a dizer que Angola goza de credibilidade das instituições internacionais sérias em matéria de direitos humanos, por isso não consta da lista de países vistoriados pelas Nações Unidas neste segmento.
Mangueira, que certamente não leva nenhuma criança da sua família ao Hospital Pediátrico de Luanda, lembra que a avaliação que foi feita sobre Angola recentemente pelas Nações Unidas ao nível dos direitos humanos é “extremamente” positiva, “portanto, não há ao nível da comunidade internacional nenhuma condenação em relação Angola neste domínio”.
Rui Mangueira realçou que Angola não consta de nenhuma lista de países que têm que ser supervisionados em matéria de direitos humanos, as contribuições e os conselhos que têm dado ao nível do Conselho dos direitos humanos são fruto dos progressos que país tem estado a fazer.
Tem razão. As nossas crianças não são, segundo o regime, seres humanos e, por isso, não se lhes aplica a questão de terem direitos.