Dos Santos? Nepotismo, é claro!

O jornalista e activista angolano Rafael Marques acusou hoje o Presidente José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito, de nepotismo, Foi numa conferência sobre Angola realizada em Washington.

Aconferência “Perspectivas sobre a Transparência, Direitos Humanos e Sociedade Civil em Angola”, organizada na capital norte-americana pelo National Endowment for Democracy (NED), reuniu o subsecretário adjunto para os Assuntos Africanos do Departamento de Estado norte-americano; o embaixador itinerante do regime angolano, António Luvualu de Carvalho; o embaixador Princeton Lyman, conselheiro do presidente dos EUA e Rafael Marques.

Referindo-se à situação económica do país, Rafael Marques disse que as normas de transparência e de boa governança foram substituídas pelo “nepotismo” dando como exemplos os “recentes concursos” atribuídos/doados a Isabel dos Santos, filha do chefe de Estado, para as obras de reconstrução da cidade de Luanda, companhia petrolífera estatal Sonangol, assim como o contrato para a construção da marginal sul da capital angolana.

“Isto é o que eu chamo de ‘transparência da pilhagem'”, considerou Rafael Marques referindo-se aos contratos da empresária Isabel dos Santos.

Por outro lado, afirmou que “o inexperiente José Filomeno dos Santos, o filho de 36 anos do Presidente, trata do Fundo Soberano de Angola como se fosse um recreio”.

De acordo com Rafael Marques, as contas do Estado indicam que Angola conseguiu dividendos equivalentes a “954 mil dólares” (860 mil euros) relativos às diferentes participações que Angola detém em 37 empresas (privadas e pública), além da Sonangol.

“Dos investimentos que o governo fez em 11 multinacionais como a Chevron, British Petroleum, Abbot Laboratories e a Dow Chemical Company, as contas do Estado reportaram lucros de 110 mil dólares (99 mil euros). Estes exemplos indicam que o governo anda a brincar com a sorte”, afirmou o autor do livro “Diamantes de Sangue”.

Rafael Marques queixa-se ainda da falta de poderes parlamentares em questões de regulação e transparência recordando que em 2013 o Tribunal Constitucional decidiu que a Assembleia Nacional não tem poderes legais para “vigiar” o Executivo.

O jornalista explicou também que, entre 2003 e 2013, os lucros do petróleo angolano atingiram os 450 mil milhões de dólares (405 mil milhões de euros) fazendo de Angola uma dos dez países com um crescimento económico mais rápido do mundo.

“O que o governo fez com o dinheiro do petróleo continua a ser uma questão central”, afirmou ainda Rafael Marques sublinhando que “pouco mais de dez por cento” do valor correspondente aos lucros do petróleo foram aplicados em projectos de reconstrução nacional.

Como consequência da crise provocada pela baixa do preço do crude, as novas taxas de câmbio em relação ao dólar e a pouca diversidade da economia, o país, frisou, encontra-se numa situação difícil, verificando-se um “aumento da pobreza” e mesmo falta de alimentos em algumas zonas de Angola.

Para Rafael Marques, as quebras verificadas no sector imobiliário e as posições de alguns bancos sobre as restrições aos movimentos de capitais são também sinais indicativos da actual crise económica angolana.

“A economia estava ancorada apenas no petróleo. O colapso causou uma crise nas finanças públicas e desorientação das políticas económicas”, disse ainda Rafael Marques sobre a situação económica em Angola.

Na mesma conferência, Rafael Marques convidou o embaixador itinerante do regime a debater, em Luanda, as questões ligadas aos direitos humanos em Angola assim como a situação económica do país.

“Agora, posso desafiar o embaixador Luvualu de Carvalho para discutirmos em Luanda num fórum que convenha ao governo”, disse o autor do livro “Diamantes de Sangue”.

“As conspirações selvagens são simplesmente para consumo propagandístico e as acusações ridículas são para os tribunais justificarem as detenções dos activistas”, disse Rafael Marques referindo-se aos 15 angolanos presos desde Junho de 2015 e que estão a ser julgados pelo Tribunal Provincial de Luanda acusados de rebelião e tentativa de golpe de Estado.

“Nos anos de 1980, durante o marxismo-leninismo, contava-se uma anedota: se o governo deixasse de transmitir os episódios diários das telenovelas brasileiras poderia haver um golpe de Estado. A combinação entre a repressão e as políticas desonestas funcionam bem para o governo e entretêm as populações urbanas e periféricas”, em Angola, acusou Rafael Marques.

Para o jornalista, a propaganda que “conseguiu manter” o Presidente no poder durante 36 anos usa como técnica as alegadas conspirações que vitimizam a Presidência acabando por justificar o uso de meios de segurança que anulam os dissidentes organizados e neutralizam os potenciais líderes que podem fazer mobilizar “sentimentos anti-regime”.

“Actualmente, os líderes desonestos que continuam a pilhar o país sem piedade começaram a tornar-se perigosos para eles próprios. A população não se diverte com a desonestidade tal como se divertia no passado com as telenovelas brasileiras. Por isso, o regime tem vindo a adoptar medidas preventivas para garantir a sua própria impunidade. A estratégia – esgotada – é a apresentação de teorias de conspiração, preparação de actos de rebelião e supostas intentonas”, afirmou o jornalista.

Além do caso dos activistas que estão a ser julgados em Luanda, Rafael Marques mencionou também o processo contra Marcos Mavungo, condenado em 2015 a seis anos de cadeia em Cabinda, por “conspiração”, e o “massacre do Monte Sumi”, no Huambo, que implicam a Polícia Nacional na morte de centenas de membros da seita religiosa “Luz do Mundo”, liderada por José Julino Kalupeteka, o qual está a ser julgado no Huambo.

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