O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Sul, Lim Sung-nam, visita esta semana Luanda para tentar convencer o Governo de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, a pressionar o seu velho, querido amigo e aliado da Coreia do Norte a desistir do seu programa nuclear.
Por Norberto Hossi
De acordo com a agência estatal de notícias sul-coreana Yonhap, a visita de Lim Sung-nam arranca na quarta-feira no Senegal, seguindo depois para Angola, onde termina a viagem no sábado.
Citado pela mesma agência, o governante sul-coreano admitiu procurar em Angola – actualmente membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas – apoio à pressão internacional para que a Coreia do Norte abandone o seu programa de armamento nuclear, mas também para reforçar as relações entre Seul e Luanda.
A península coreana vive novo momento de tensão devido ao recente teste nuclear, o quinto, da Coreia do Norte, que gerou forte condenação da comunidade internacional e é possível que o Conselho de Segurança da ONU venha a impor novas sanções ao regime de Kim Jong-un.
Há menos de um mês, foi o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Norte, Sin Hong, a visitar Angola, durante quatro dias, para o reforço da cooperação entre os dois países, informou na altura a diplomacia angolana..
O estabelecimento das relações económicas, científica e técnica deu lugar à assinatura do Acordo Geral de Cooperação, em 1977, por altura da visita àquele país asiático do Presidente António Agostinho Neto.
Semelhanças entre Luanda e Pyonyang não mera coincidência
As semelhanças entre o regime de Angola e o da Coreia de norte não são mera coincidência. Vejamos. A Organização Nacional de Pioneiro Agostinho Neto almeja, nos próximos tempos, apostar na educação patriótica, cívica e moral das crianças angolanas, sendo estas o futuro do país. Na Coreia do Norte o sistema é o mesmo.
Relembremos, por exemplo, o facto manifestado em Novembro de 2014, na cidade do Huambo, pela então secretária nacional para a organização de quadros da OPA, Maria Luísa, por ocasião da palestra sobre “Os 39 anos de Independência Nacional”, que juntou 200 crianças provenientes dos 11 municípios da província.
Para a responsável, a continuidade do processo de desenvolvimento de Angola passava (continua a passar), necessariamente, por uma boa educação das crianças em todas as vertentes. E educação tem de ser “patriótica”? Pelos vistos, sim. Não basta ser educação.
Maria Luísa realçou ainda que a família desempenha um papel preponderante na educação patriótica, moral e cívica dos menores, para melhor se integrarem na sociedade. Apelou também às crianças para se dedicarem à formação académica, com vista a participarem, no futuro, activamente no processo de desenvolvimento do país.
A palestra teve como objectivo – note-se – elevar o espírito patriótico dos menores, bem como dar a conhecer os benefícios da independência. Tal e qual como nos tempos da militância marxista-leninista do pós-independência (11 de Novembro de 1975), o regime angolano continua a reeducar o povo tendo em vista e militância política e patriótica.
E tanto a militância política como a patriótica são sinónimos de MPLA. E a educação patriótica começa ainda dentro da barriga da mãe. Ou até antes, se for possível. Basta ver, mas sobretudo não esquecer, que o regime mantém, entre outras, a estrutura dos chamados Pioneiros, uma organização similar à Mocidade Portuguesa dos tempos de um outro António. Não António Agostinho Neto mas António de Oliveira Salazar.
Num Estado de Direito, que Angola diz – pelo menos diz – querer ser, não faz sentido a existência de organismos, entidades ou acções que apenas visam a lavagem ao cérebro e a dependência perante quem está no poder desde 1975, o MPLA. Dependência essa que, como todas as outras, apenas tem como objectivo o amor cego e canino ao MPLA, como se este partido fosse ainda o único, como se MPLA e pátria fossem sinónimos.
Por norma os trabalhos de lavagem cerebral dos putos e dos jovens incide sempre sobre os “princípios fundamentais e bases ideológica do MPLA”, os “discurso do Presidente José Eduardo dos Santos”, os “princípios fundamentais de organização e funcionamento da MPLA” e “o papel da juventude na conquista da independência Nacional e na preservação das vitórias do povo angolano”.
Nem no regime de Salazar se fazia um tão canino culto do regime e do presidente como o faz o MPLA, só faltando (e já esteve mais longe) dizer que existe Deus no Céu e José Eduardo dos Santos na terra. No entanto as similitudes com o regime de Kim Jong-un são por demais evidentes.
Seguir a Coreia do Norte
Recordam-se da visita que o ministro da saúde da Coreia do Norte, Kang Ha Guk, fez no dia 15 de Dezembro de 2015 ao Hospital Américo Boavida, acompanhado pelo então seu homólogo, José Van-dúnem, com o objectivo de conhecer o funcionamento e crescimento da referida unidade sanitária?
Durante a visita, segundo o relato feito na altura pela Angop, o ministro norte-coreano e a sua delegação percorreram os principais serviços da unidade, com destaque para a serviço de medicina física e reabilitação, novo bloco operatório, triagem de Manchester – 1ª experiencia na rede publica de saúde – bem como a nova cozinha e o refeitório dos trabalhadores.
Durante o encontro, a directora do Hospital Américo Boavida, Constantina Furtado, considerou a visita como bem-vinda, realçando que este encontro permitiu fazer a avaliação do que foi feito antes e depois, adiantando que foi apresentado ao ministro norte-coreano os serviços novos do hospital, os ganhos de 2014 e de 2015, quer em termo de infra-estruturas como de medicina física e reabilitação, no contexto de resolver os problemas que afligiam os doentes.
Durante a sua estada na unidade, a directora disse que o ministro norte-coreano passou a impressão de uma grande satisfação dos trabalhos feitos e a acreditação da qualidade assistencial e a certificação que contribuem para a imagem positiva do hospital.
“Acredito que os dois ministros saíram daqui bastante satisfeitos porque viram que, apesar da crise financeira que se atravessa, há trabalhos a serem feitos em direcção ao bem-estar da saúde das populações”, reforçou a directora.
Para além da visita ao Hospital Américo Boavida, visitaram também o Hospital Esperança, onde percorreram diversas áreas, nomeadamente o laboratório de RX, sala de colheitas, área de diagnóstico, sala de parasitologia e o depósito de medicamentos.
Em Angola trabalham perto de 180 médicos norte-coreanos, que estão distribuídos pelo país, com excepção da província do Cunene.
Recorde-se que são fortes os elos e a irmandade entre os dois regimes. Quando Ri Myong San, então vice ministro do Comércio da República Popular Democrática da Coreia, ou seja, da Coreia do Norte, país dirigido pelo democrata e defensor dos direitos humanos, Kim Jong-un, visitou Angola para reforçar a cooperação bilateral, ficou claro que o MPLA está em dívida com o seu homólogo Partido dos Trabalhadores que, desde sempre, apoiou as FAPLA e contribuiu para a instauração democrática de partido único no nosso país.
Em Novembro de 2013, já o embaixador da Coreia do Norte em Angola, Kim Hyong, defendeu que a cooperação entre os dois países devia caminhar para outros domínios e não apenas no político.
O diplomata norte-coreano defendeu essa posição à saída de uma reunião com o Vice-Presidente da República, Manuel Domingos Vicente, durante a qual foi abordado o estado da cooperação entre Angola e a Coreia do Norte.
Kim Hyong manifestou o interesse do seu país em cimentar e fazer crescer a cooperação com Angola, baseada no domínio político, e estendê-las para outros sectores, como o económico.
Desde Novembro de 1975
“A relação entre os nossos países é de longa data”, disse, lembrando que o estabelecimento das relações diplomáticas entre Angola e a Coreia do Norte começou no dia da Independência Nacional, em 1975. A partir daí, disse, têm vindo a desenvolver-se. “Agora é altura de olharmos para outros domínios de cooperação”, defendeu.
A Coreia do Norte coopera com Angola nos ramos da saúde, construção civil e também na área da formação tecnológica, numa altura em que Pyongyang quer alargar a cooperação a novos campos. O diplomata disse existirem condições favoráveis para que a cooperação entre os dois países seja frutuosa noutros sectores. “Temos boas relações no domínio político mas queremos estabelecer boas relações económicas e desenvolver os níveis da cooperação já existente”, referiu.
A Coreia do Norte, recorde-se, apoia o MPLA desde a luta de libertação nacional, principalmente na formação de quadros.
Angola e a Coreia do Norte de há muito que consideraram prioritária no seu relacionamento a cooperação nos domínios da saúde, construção civil, obras públicas, agricultura, ciência e tecnologia, comércio e indústria. Isso mesmo consta do acordo assinado em Março de 2008, no âmbito da visita do presidente da Assembleia Popular Suprema da Coreia do Norte, Kim Yong Nam, a Luanda.
O acordo, assinado na altura pelos ministros das Relações Exteriores angolano e norte-coreano, João Miranda, e Pak Ui Chun, respectivamente, visou revitalizar a Comissão Mista Bilateral.
Em comunicado divulgado na altura, as partes constataram que desde a assinatura dos acordos de cooperação económica e técnica, em 1977, foram realizadas apenas três sessões da comissão bilateral.
“Os governos angolano e norte-coreano reconheceram que os projectos de investimento agro-industriais e outros de grande impacto não foram incrementados em Angola devido às dificuldades económicas que os dois países atravessaram num passado recente”, lê-se no documento.
No comunicado, as partes manifestaram satisfação pelo nível das relações de amizade e cooperação existentes entre os dois países, reafirmando a necessidade de se incrementar e diversificar a cooperação nos domínios económico, científico e técnico.
Nessa perspectiva, os dois governos consideraram ser oportuno adequar o quadro jurídico da cooperação à actual realidade sócio-económica dos dois países.
Recorde-se que, quando em Dezembro de 2011, o “querido líder” da Coreia do Norte, Kim Jong-il, morreu aos 60 anos (diz-se que de ataque cardíaco) o MPLA esteve obviamente de luto e ficou também mais pobre.
Provavelmente nessa altura sua majestade o rei José Eduardo dos Santos fez contas à vida, até porque o seu regime compra tudo, mas até agora ainda não conseguiu adquirir a vida eterna. E assim sendo, falta saber se o nosso país passará por uma transição pacífica ou, como parecer ser vontade do MPLA para se perpetuar no poder, por nova purga.
Em Luanda, o presidente nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979, sabe, agora melhor do que nunca, que as democracias o vão passar de bestial a besta logo que ele deixe o poder. Se calhar hoje, mais do que ontem, Eduardo dos Santos sabe que já não há amigos como antigamente.
E ainda por cima Kim Jing-il morreu e o seu filho, Kim Jong-un, parece não ter a mesma reverência perante o nosso “escolhido de Deus”.
É bom que os angolanos (a comunidade internacional passou uma esponja no assunto) saibam que a ditadura de Pyongyang tem relações históricas com a sua congénere de Luanda.
Para além dos laços históricos, nascidos na década de 70 com o apoio militar norte-coreano às FAPLA, é certo que Angola só tem a ganhar, agora mais do que nunca, com o reforço da cooperação com Pyongyang.
Então em matéria de democracia, direitos humanos, liberdades e garantias sociais, a Coreia do Norte parece continuar a ser (tal como a Guiné Equatorial e o Zimbabué) uma lapidar referência para o regime de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.
Aliás, não é difícil constatar que a noção de democracia de Eduardo dos Santos se assemelha muito mais à vigente na Coreia do Norte do que à de qualquer outro país. E é natural. É que para além de uma longa convivência “democrática” entre ditadores, Luanda ainda tem de pagar a dívida, e os juros, da ajuda que Pyonyang deu ao MPLA. Amigos, amigos, contas à parte.
No que tange a direitos humanos, os princípios são os mesmos embora – reconheça-se – Luanda tenha sido obrigada a alargar o laço que estrangula os angolanos. Mas já está a apertá-lo novamente, desde logo porque os angolanos não podem ter as mesmas veleidades que os tunisinos, egípcios ou líbios.