O Governo de Angola recebeu da China, desde o final do ano passado, oito mil milhões de dólares em empréstimos para financiar projectos, o que vai elevar o rácio da dívida sobre o PIB para quase 60%.
De acordo com a agência de notação financeira Fitch, “o Governo escolheu financiar o défice principalmente pelo aumento da dívida em vez de recorrer às almofadas orçamentais”.
Só da China, dizem os analistas, “Angola recebeu 8 mil milhões de dólares, em empréstimos para projectos desde o final do ano passado, o que vai levar a que a dívida pública chegue perto dos 60% no final deste ano, uma subida face aos 24,5% de 2013, e acima [dos países com o mesmo nível de “rating” de Angola] cuja média está nos 56%”.
A subida do nível da dívida pública é uma consequência directa da descida dos preços do petróleo, a partir de meados de 2014, que afectou decisivamente a economia de Angola, que depende desta matéria-prima para financiar o desenvolvimento económico e as altas taxas de crescimento que registou na última década. Indirectamente é uma consequência da inexistência da diversificação económica, há décadas defendida quer por analistas internos quer externos.
“O sector petrolífero mantém algum dinamismo (a produção chegou em média aos 1,76 milhões de barris por dia em 2016), mas a Fitch espera que a economia cresça zero em 2016, descendo dos 3% em 2015 e com a pior performance em 14 anos (desde 2002, fim da guerra civil)”, lê-se no documento.
A agência de ‘rating’ prevê ainda uma inflação média de 30% para 2016, abaixo da previsão de 38,5% definida pelo Governo e dos 38,1% já atingidos em agosto (a um ano) último. Igualmente mais optimista é a previsão de défice das contas públicas, que se cifra em 5,8% do PIB em 2016, contra os 6,8% que o Governo definiu no Orçamento Geral do Estado revisto.
No relatório, a agência de ‘rating’ diz ainda que o facto de mais de 40% da dívida pública ser em moeda estrangeira “expõe o peso da dívida a uma depreciação maior da taxa de câmbio”, o que dificulta os pagamentos.
Por outro lado, “os pagamentos de juros em percentagem das receitas também deverão aumentar fortemente para mais de 14%, o dobro dos níveis do ano passado”, e é também provável que o crédito mal parado, que no primeiro trimestre estava quase nos 20%, suba ainda mais.
Angola ”made in China”
Angola (mais propriamente o regime) foi o país africano que mais beneficiou de empréstimos concedidos pela China, ultrapassando os 12 mil milhões de dólares, desde 2000, segundo a unidade de investigação sedeada nos EUA, ChinaAid.
O principal receptor das linhas de crédito abertas por Pequim foi o sector transporte e armazenagem, que absorveu 20% do montante global, detalha aquela pesquisa. Logo a seguir, surge a produção e abastecimento de energia, que recebeu 18% do crédito chinês.
Governo e sociedade civil, comunicações e abastecimento de água e saneamento, que, no conjunto, acederam a 667 milhões de dólares, surgem no fim da lista.
Depois de a guerra civil em Angola ter acabado, em 2002, a China tornou-se um dos principais, ou mesmo o principal, actores da reconstrução do país, nomeadamente das suas estradas, caminhos-de-ferro e outras infra-estruturas.
Em troca, o país asiático “obteve condições favoráveis para a exploração de minérios”, lê-se na pesquisa conduzida pela jornalista de investigação espanhola Eva Constantaras.
A China é hoje o maior importador do petróleo angolano, mas, devido à queda do preço daquela matéria-prima, o valor das exportações angolanas para o mercado chinês diminuiu cerca de 50%, em 2015, para 15,98 mil milhões de dólares.
Entre as nações africanas mais beneficiadas pelos empréstimos chineses surgem ainda o Sudão, Gana e Etiópia.
“A maioria dos principais receptores são países ricos em recursos naturais – incluindo petróleo, diamantes e ouro – e muita da ajuda chinesa serve para tornar essa riqueza acessível para exportar”, aponta o estudo.
País mais populoso do mundo, com cerca de 1.375 milhões de habitantes, a China registou nas últimas três décadas um ritmo médio de crescimento económico de 10% ao ano, transformando-se no maior consumidor de quase todo o tipo de matérias-primas.
Desde 2009, o “gigante” asiático tornou-se o principal parceiro comercial do continente africano.
Moçambique surge em 11º na lista da ChinaAid, que calcula que o país recebeu, desde o início do milénio, quase 5.800 milhões de dólares de Pequim.
Neste caso, o sector transporte e armazenagem foi o grande beneficiário, tendo absorvido 45% do montante total concedido pela China. A banca e os serviços financeiros ficaram com 36%.
Entre as áreas menos beneficiadas surgem a saúde, comunicações e produção e abastecimento de energia.
Já a Guiné Equatorial, que em 2014 foi admitida nessa coisa efémera e moribunda que dá pelo nome Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), foi o segundo maior beneficiário ‘per capita’ do apoio financeiro chinês a África.
Nos últimos 15 anos, o terceiro maior produtor de petróleo da África subsaariana recebeu de Pequim quase 2.000 dólares por cada um dos seus 740.000 habitantes.
Este fluxo de investimento foi destinado, quase na totalidade, a projectos do sector energético, detalha a ChinaAid.
A pesquisa calcula que, desde 2000, os países africanos receberam de Pequim quase 100 mil milhões de dólares.
Aquele valor coloca o país asiático lado a lado com os Estados Unidos da América, cuja assistência financeira ao continente africano, durante o mesmo período de tempo, ascendeu a quase 105 mil milhões de dólares.
A China Aid revela ainda que muito do dinheiro chinês é investido nas cidades de origem dos chefes de Estado dos respectivos países, ou em regiões habitadas pelo grupo étnico do líder político.
Ainda assim, rejeita que Pequim tenha uma estratégia focada em tirar partido do clientelismo político no continente, atribuindo aquela tendência à competição por influência entre diferentes agentes do Governo chinês.
Em Dezembro passado, o Presidente chinês, Xi Jinping, anunciou em Joanesburgo que ia conceder 60 mil milhões de dólares em assistência e empréstimos aos países africanos, nos próximos anos.
Segundo estimativas ocidentais, vivem em África um milhão de chineses, dos quais um quarto – 250.000 – em Angola.
Um exemplo recente
Em Maio deste ano, o Governo de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos autorizou o Banco da China a abrir uma sucursal em Angola, para desenvolver actividades financeiras e bancárias.
A autorização consta de um decreto assinado por José Eduardo dos Santos, de 13 Maio, que adianta que a instituição detida pelo Estado chinês vai operar no país com a designação Banco da China – sucursal em Angola.
A decisão sobre a abertura da sucursal angolana do Banco da China surgiu numa altura de fortes constrangimentos no país devido à crise da cotação do petróleo, nomeadamente no acesso a divisas, colocando em causa transferências para o estrangeiro ou a importação de matéria-prima.
O governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Walter Filipe, reconheceu que a banca do país está a ser colocada “à margem” do sistema financeiro mundial, numa aparente alusão à falta de acesso dos bancos angolanos ao circuito internacional de divisas, por dúvidas dos reguladores internacionais sobre credibilidade das instituições angolanas.
Para Walter Filipe, é necessário colocar “ética e moral” na banca angolana, devendo esta ser colocada ao “serviço do bem comum”.
“Devemos fazê-lo implementando em Angola as normas prudenciais e as boas práticas nacionais e internacionais, e todas as normas de combate ao branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo, porque estamos a ficar numa situação em que está a ser colocado o sistema financeiro angolano à margem do sistema financeiro mundial. E isto é grave para a prosperidade das nossas famílias”, apontou.
Criada em 1912, o Banco da China funcionou até 1949 como banco central chinês. Após várias transformações, ainda nas mãos do Estado mas já como banco comercial, tem vindo a concentrar atenções no apoio às empresas e comunidades chinesas fora do país, com destaque para as economias emergentes.
No dia 12 de Outubro de 2015 foi noticiado que os bancos centrais de Angola e da China estavam a acertar os pormenores de um acordo que para permitir o uso das moedas nacionais de ambos os países, nas trocas comerciais bilaterais.
O acordo, cujo anúncio da sua negociação foi feito em Agosto de 2015, pela então ministra do Comércio de Angola, Rosa Pacavira, irá permitir que os agentes económicos de ambos os países possam usar a moeda chinesa em Angola e a angolana na China, facilitando as trocas comerciais.
O objectivo passa por garantir que as transacções entre a China e Angola se faça sem recurso a uma terceira moeda.
Em Agosto do ano passado, a ministra Rosa Pacavira anunciou que o kwanza angolano ia valer na China e o renminbi (moeda chinesa ou yuan) em Angola.
Recorde-se que a Economist Intelligence Unit (EIU) considera que o aprofundamento das relações económicas entre Angola e China é mutuamente positiva, mas é dificultada pelos altos custos de fazer negócios no reino de sua majestade o rei de Angola e pelo abrandamento chinês.
“Ambos os países gostam de falar muito da sua relação mutuamente vantajosa, e ambos certamente têm algo a ganhar se avançarem para além do tradicional modelo de crédito estatal, mas estas boas intenções devem primeiro superar as dificuldades e os altos custos de fazer negócios em Angola, e podem ser abrandadas pelo próprio abrandamento económico da China”, escreve a EIU.
Para a unidade de análise económica da revista britânica The Economist, Angola está a tentar diversificar as suas fontes de financiamento: depois de ter apostado num conjunto de empréstimos bilaterais por parte de bancos comerciais ocidentais, Luanda emitiu 1,5 mil milhões de dólares em títulos de dívida soberana no final do ano passado, já depois da visita do Presidente de Angola à China, na qual terá garantido um financiamento de 6 mil milhões de dólares de crédito chinês.
“Angola está a aprofundar a sua relação económica com a China, esperando ir além do tradicional modelo estatal de linhas de crédito pagas em petróleo, para uma abordagem mais diversificada e liderada pelo sector privado”, escrevem os analistas da EIU numa nota enviada aos investidores.
“O investimento privado estrangeiro é urgentemente necessário em Angola, a lutar contra os preços baixos do petróleo, a sua maior exportação e fonte de receitas”, escreve a EIU, acrescentando que “as empresas chinesas têm a capacidade de fornecer dinheiro e ‘know-how’ para ajudar o país a desenvolver sectores não petrolíferos, como a agricultura e a manufacturação, e criar os tão necessários empregos”.
As diferenças culturais, no entanto, “precisam de ser geridas para evitar que os novos atores e a concorrência aumentem as tensões sociais”, acrescentam os analistas.
Apesar de o sistema de pagar em petróleo os empréstimos chineses que são usados na reconstrução do país ter resultado bem para Angola, o modelo está a tornar-se mais difícil para o país.
“Com os preços do petróleo fortemente pressionados, o volume de crude que Angola tem de enviar para a China para cumprir as obrigações financeiras cresceu consideravelmente”, escreve a EIU, concluindo que “isto significa que Angola tem menos crude para vender noutros locais, aumentando as dificuldades de receita do Governo e provocando críticas renovadas da oposição sobre os contornos das linhas de crédito chinesas”.
Folha 8 com Lusa