Activistas continuam em prisão domiciliária

O Tribunal de Luanda decidiu manter em prisão domiciliária os activistas angolanos acusados de actos preparatórios para uma rebelião, ou – como ontem disse nos EUA o embaixador itinerante do regime, Luvualu de Carvalho – terrorismo.

Ainformação foi prestada pelo advogado Walter Tondela, que juntamente com Luís Nascimento defende 10 dos 17 activistas acusados em tribunal, mas reservando para mais tarde uma posição sobre a decisão, que resulta da primeira reavaliação, obrigatória ao fim de 60 dias, das medidas de coacção.

A defesa tinha apresentado na terça-feira um requerimento pedindo a libertação sob termo de identidade e residência para os 14 em prisão domiciliária – um outro que estava neste grupo, Nito Alves, foi entretanto condenado por injúrias, em processo sumário, a seis meses de prisão efectiva -, enquanto decorre o julgamento do processo.

Segundo a legislação sobre as medidas cautelares – que a 18 de Dezembro permitiu a passagem dos activistas ao regime de prisão domiciliária -, as medidas de coacção teriam de ser reavaliadas ao fim de 60 dias, com a defesa a alegar, no requerimento, que estavam reunidas as condições para a liberdade provisória.

Dos 17 réus neste processo, que envolve acusações em julgamento no tribunal de Luanda desde Novembro de preparação de rebelião e atentado contra o Presidente angolano, 15 estiveram em prisão preventiva entre Junho e 18 de Dezembro, data em que as medidas de coacção foram revistas, com a entrada em vigor nesse dia da nova legislação sobre medidas cautelares.

Outras duas jovens acusadas neste processo permanecem em liberdade.

“Se não houver deferimento do tribunal, então vamos ter de recorrer, porque os réus cumpriram rigorosamente esta prisão domiciliária, porque a medida que mais os favorece é a liberdade provisória”, disse anteriormente à Lusa o advogado Walter Tondela.

O julgamento destes 17 activistas decorre na 14.ª Secção do Tribunal de Luanda desde Novembro, mas tem enfrentado sucessivos adiamentos devido à não comparência de grande parte dos cerca de 50 declarantes arrolados.

A próxima sessão, a existir, está agendada para 23 de Fevereiro.

Até agora, mau grado o esforço dos juízes, que oscila entre o histrionismo e a boçalidade, o dito julgamento não passou de uma farsa digna de qualquer regime amigo, como é o caso da Coreia do Norte.

Importa, entretanto e para efeito de memória, reconhecer que o regime está dotado de meios para não só conhecer as intenções dos activistas, como para saber o que as pessoas pensam. Tendo um especial dom divino, o mais alto representante de Deus na Terra consegue saber tudo isso e até outras coisas que escapam ao comum dos mortais. Se dúvidas existirem, façam o favor de ouvir Luvualu de Carvalho ou, em segunda escolha, João Pinto.

Os ilustres juízes continuam a presumir. Presumem sempre. E como presumem, entendem que presumir é matéria de facto. E quando não presumem, apostam em todo o género de ilegalidades processuais e atitudes dilatórias. É uma farsa digna que, inclusive, poderá ser adoptada pelos tribunais de alto gabarito da Guiné Equatorial. A veia artística dos autores da farsa continua bem visível e é aceitável. A acusação está a fazer bem o seu papel. Só conta até 10 porque, de facto, porque para ir além disso teria de se descalçar.

Mas como são eles quem manda, os escravos têm de obedecer. O advogado David Mendes chegou a dizer, relatando um dos muitos episódios, que “a tropa que está lá voltou a não nos deixar aproximar deles [arguidos] e nós não podíamos mais permitir isso. Tivemos de nos impor e ameaçamos mesmo abandonar a sessão até que, ao fim de algum tempo, tudo se resolveu”.

E resolveu por especial altruísmo dos actores principais, depois de auscultada a opinião do “querido líder”. Na verdade, por que carga de chuva os advogados de defesa têm necessidade de se aproximar dos seus constituintes? Eles, advogados e réus, não estão num julgamento, são apenas peças decorativas de toda a encenação. Portanto…

Os advogados de defesa, embora percebendo que se trata de uma farsa, têm de cumprir o melhor possível o seu papel e, por isso, insistem na libertação dos arguidos – conforme a lei prevê para este tipo de crime -, e afirmam que a acção destes jovens, com idades entre os 18 e os 33 anos, se enquadra na liberdade de expressão e reunião.

Relembremos o que ontem disse, em Washington, o subsecretário adjunto para os Assuntos Africanos do Departamento de Estado norte-americano, Todd Haskell, quando exigiu ao governo angolano que respeite os princípios democráticos e da desobediência civil desenvolvidos no quadro da Constituição:

“É imperativo que os cidadãos angolanos possam participar em actos de desobediência civil de forma consequente e construtiva. Através da legalização de manifestações, cultura política e oposição politica e usando os mecanismos que são garantidos pela Constituição angolana que devem ser respeitados pelos líderes”.

Todd Haskell disse também: “Espero forte cooperação entre os nossos dois países a nível governamental mas também com a sociedade civil e com uma imprensa livre. Aplaudimos os progressos alcançados por Angola mas urgimos que o governo se empenhe nos princípios democráticos, direitos humanos, liberdade de expressão e transparência para que sejam atingidos os desafios do presente”.

Este processo teatral, mascarado de julgamento, é visto internacionalmente – mas também pela sociedade angolana que pensa pela própria cabeça – como um teste à separação de poderes e ao exercício de direitos como a liberdade de expressão e reunião em Angola.

O cerne do espectáculo, que inspirou os donos do país, decorre em Luanda na altura em que a polícia detém jovens activistas que realizavam uma sessão de formação, analisando um livro sobre a forma de derrotar, pacificamente, uma ditadura. Um dos mais emblemáticos capítulos é escrito por Luvualu de Carvalho que, no papel de embaixador itinerante do regime, descobre que os jovens eram acompanhadas por agentes secretos da NATO.

Embora seja uma farsa com o fim em aberto, os principais autores têm de se impor, mostrado ao público que as “pressões” e “ingerências externas”, tal como aconteceu quando a peça foi apresentada nas melhores salas de espectáculos do mundo, casos da Coreia do Norte, Zimbabué e Guiné Equatorial, não são permitidas. Tudo a bem da genuinidade criativa dos autores.

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