Com a crise internacional a criar constrangimentos orçamentais nos países desenvolvidos, levando alguns a reduzir da ajuda ao desenvolvimento, os dirigentes africanos têm de reforçar a transparência e boa governação para poderem atrair capitais, dizem diferentes especialistas.
Falando no seminário internacional “África e a Crise”, organizado pela RDP África, Mira Amaral, ex-ministro português e actual presidente da Comissão Executiva do banco luso-angolano BIC, foi o mais contundente na responsabilização dos dirigentes africanos na procura de respostas para as dificuldades actuais, apesar de os seus países estarem apenas a “apanhar por tabela”, com o abrandamento das suas economias.
“É do mais elementar realismo sobre o género humano dizer-se que têm de ser os africanos a criar condições para entrarem na economia global”, em particular práticas de boa governação, respeito pelos investidores e combate à corrupção, afirmou Mira Amaral.
Antes da crise, adiantou, já havia “problemas sérios” nos países africanos, e nalguns deles o cenário era mesmo “desastroso”, “muito por culpa dos seus dirigentes”.
“Gostamos de África, também temos travado combates por África mas obviamente que tudo tem de ter uma lógica económica subjacente”, referiu o ex-ministro.
Mira Amaral insurgiu-se contra a tendência para considerar os ocidentais como “maus da fita”, esquecendo as responsabilidades dos próprios dirigentes e de nações emergentes como a China, cujo envolvimento em África passa por “sacar o petróleo e os recursos naturais de que precisa como de pão para a boca”.
Certo, referiu, é que a ajuda ao desenvolvimento está hoje “em questão”, com aumento da dívida e diminuição da colecta dos impostos nos países desenvolvidos.
“Nós também estamos mais pobres, é tão simples quanto isto”, afirmou.
Também para Mário Machungo, então presidente do Banco Millennium BIM, cabe aos africanos decidir “qual o melhor caminho a seguir, em vez de depender das soluções apresentadas pelo exterior”.
Contudo, disse, se não forem tomadas medidas para reforçar a ajuda a alguns países africanos, os esforços recentes no combate à pobreza podem ser “anulados ou seriamente prejudicados”.
“É possível que nalguns países os governos se vejam obrigados a cortar em despesas sociais com educação, habitação ou saúde”, afirmou.
João Gomes Cravinho, na altura secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, faltou ao evento mas deixou uma mensagem gravada em que sublinha que os países africanos foram “profundamente afectados pela crise”, embora menos no caso dos mais transparentes, entre eles dois lusófonos.
“Cabo Verde e Moçambique são países que conseguiram sobreviver razoavelmente às consequências da crise, porque se adaptaram com mecanismos de transparência, responsabilização das elites políticas face às populações (…) é fundamental que isto continue”, afirmou.
“A crise confronta África com problemas muito sérios e interpela-nos a todos – africanos, não africanos e a nós portugueses pela possibilidade que temos de promoção de relação forte entre União Europeia e África – e coloca desafios sérios, que não se resolverão facilmente mas que devem também ser vistos como oportunidades”, frisou.
Cravinho deixou ainda o alerta de que os países africanos têm menos margem para respostas contra-cíclicas, “a não ser que apoio venha do exterior”, e que o cenário de manutenção do actual nível de ajuda ao desenvolvimento é “optimista”.
Isabel Mota, administradora da Fundação Gulbenkian, sublinhou que não se percam definitivamente os ganhos dos últimos anos, a nível económico e social, devem ser mantidos os níveis de ajuda mas também de investimento e de empenhamento na erradicação da pobreza.
Isto, afirmou, passa por “lutar para que sejam honrados os compromissos assumidos pelos parceiros internacionais” mas também por “uma maior transparência, previsibilidade, alinhamento e trabalho cúmplice” entre países dadores e parceiros africanos.
“É a única maneira para que o progresso económico de África continue após a crise”, que veio interromper aquela que é considerada a década de maior crescimento desde as independências, afirmou.