O Governo do MPLA assumiu hoje (está no poder há 40 anos) o compromisso em “garantir os direitos humanos e as liberdades fundamentais”, ao recordar os 14 anos sobre o fim da guerra civil, mas quando as condenações (por supostos crimes não provados) de activistas têm sido criticadas internacionalmente.
A posição surge na mensagem oficial do Governo, liderado por José Eduardo dos Santos, a propósito do Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, que se assinala hoje em Angola para recordar o fim do conflito armado, “uma das maiores conquistas da nossa história recente e um dos bens mais preciosos do povo angolano”.
“O Governo reafirma igualmente o seu compromisso de garantir os direitos humanos e as liberdades fundamentais e de defender os princípios da dignidade e valor da pessoa humana e da justiça social, plasmados na Constituição da República de Angola”, lê-se no comunicado.
Quando se garante (como acontece em qualquer Estado de Direito, que Angola não é) direitos humanos e liberdades fundamentais não é preciso andar, como faz o regime, a reafirmar constantemente esse compromisso. Aliás, ao invocar a Constituição (que não cumpre), o Presidente da República (no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito), o Titular do Poder Executivo, e o Presidente do MPLA (José Eduardo dos Santos) mais não faz do que passar um atestado de menoridade a todos os angolanos.
Angola tem sido criticada internacionalmente pela condenação – e proporção das penas – a 28 de Março, no tribunal de Luanda, de 17 activistas que contestam o regime a penas entre os dois anos e três meses e os oito anos e meio de cadeia, sob acusação (não provada) de uma vasta panóplia de supostos crimes que vão de actos preparatórios para uma rebelião a associação de malfeitores, passando por atentado contra o Presidente da República.
Os activistas alegaram sempre que apenas se encontravam semanalmente para discutir política e ler um livro, defendendo uma transição pacífica no poder, fazendo uso dos direitos constitucionais de livre associação e reunião plasmados, como hoje reitera o governo, na tal Constituição.
As comemorações oficiais do dia da Paz, 14 anos após a assinatura dos acordos entre as forças governamentais e a UNITA decorrem hoje em Saurimo, Lunda Sul.
Durante praticamente três décadas, morreram cerca de meio milhão de angolanos, entre militares e civis, devido ao conflito armado.
“Essa dramática situação criou sérios obstáculos ao nosso desenvolvimento económico, social, político e cultural e constitui, por essa razão, um momento da nossa existência como Nação independente que o povo angolano não poderá esquecer, para que ela nunca mais se volte a repetir”, sublinha o executivo, liderado há 40 anos pelo MPLA.
O Governo diz que assume ainda o “firme compromisso de continuar a combater a pobreza, a delinquência e a criminalidade”, mas também “promover a prosperidade e o bem-estar para todos, através da melhoria da educação e da saúde, da redução das desigualdades, da criação de emprego”, exortando os angolanos a uma reflexão “desapaixonada sobre o passado de guerra”.
“E a olharem com lucidez e objectividade o presente, de modo a poderem contribuir de forma consciente para consolidar a construção de um clima de harmonia e fraternidade, que sirva de exemplo para as gerações vindouras”, conclui o comunicado.
Tudo isto quando o Povo angolano morre de fome e de doenças. Só nos últimos meses, por exemplo, o surto de febre-amarela já provocou centenas de mortos.
Há cerca de dois meses, Isabel dos Santos recebeu de bandeja, por ordem do paizinho, uma obra 615,2 milhões de dólares (567 milhões de euros). É fartar vilanagem.
A obra foi adjudicada (forma eufemística que significa doação) através de um despacho do rei Presidente José Eduardo dos Santos, para que a sua filha Isabel dos Santos faça as dragagens na zona costeira da marginal da Corimba, sul de Luanda, em parceria com uma empresa holandesa.
Assim, Isabel dos Santos, através da Urbeinveste Projectos Imobiliários, e uma empresa holandesa, Van Oord Dredging and Marine Contrators, “ganharam”, em consórcio, esse milionário contrato. Mais um.
O valor total do contrato, de 1,3 mil milhões de euros, contempla também a construção propriamente dita, de reabilitação e acessibilidades da marginal de Corimba, uma obra a realizar em consórcio pelas empresas Landscape e China Road and Bridge Corporation Angola, por 690,1 milhões de dólares (636 milhões de euros).
Relembre-se que Isabel dos Santos está também envolvida no processo de reestruturação da Sonangol, no âmbito de um comité criado em Outubro de 2015, obviamente por José Eduardo dos Santos, com a responsabilidade de desenvolver modelos organizativos, identificar oportunidades operacionais, quantificar “o potencial de melhoria da Sonangol” e estudar o “melhor modelo de organização para condução da indústria nacional de petróleo e gás”.
É obra. O que ela quer tem, tanto em Angola como no estrangeiro (então no protectorado do MPLA na Europa – Portugal – nem se fala), tem força de lei.
O que está à venda ela compra, o que não está à venda ela faz com que esteja. É um autêntico tsunami. E não adianta alertas, protestos, moções de censura, vigílias ou relatórios de organizações internacionais a dizer que o regime é dos mais corruptos do mundo. Ele manda e o resto são cantigas.
Segundo a Transparência Internacional, Angola está agora entre os seis países considerados mais corruptos, num total de 168 Estados analisados. Ficou na posição 163, ex-aequo com o Sudão do Sul. Atrás ficam apenas o Sudão, Afeganistão, Coreia do Norte e Somália.
Honra lhe seja feita, a filha do rei Presidente vitalício José Eduardo dos Santos resiste estoicamente à crise económica. Trata a riqueza por tu, só sabe multiplicar e faz milagres que coram de espanto qualquer outra santa conhecida.
Embora dizer o que pensamos seja, quando não é o mesmo que o regime pensa (raramente isso acontece, assumimos), um crime contra a segurança do Estado e prova de tentativa de golpe de Estado ou a prova de que também somos uma organização de malfeitores, não é mau manter a memória alimentada pela verdade.
A Paz não se celebra – pratica-se
Importa por isso recordar que Isabel dos Santos, que se tornou – não sabemos quantas vezes – milionária. Desde logo porque – graças ao pai ser o dono do reino – ficava, fica e ficará com uma parte das empresas que se estabelecem em Angola. É assim. Quando assim não é, o seu pai trata de mandar fazer leis, decretos e regulamentos que permitam a Isabel e restante clã facturar sobre tudo o que entenda. Simples, não é?
Isabel dos Santos assume-se, afinal, como uma santa e acusa todos os que divulgam mentiras sobre a sua divina capacidade empreendedora. Tem razão. Aos escravos não assiste a veleidade, muito menos o direito, de – seja qual for a razão – denegrir a impoluta e divina imagem e labuta de figuras honoráveis como ela e, é claro, como o seu pai.
Certo é que Isabel dos Santos é milionária e que no seu país cerca de 70% dos habitantes vivem com menos de 2 dólares por dia. A Forbes escreveu em tempos que “é uma rara janela para a mesma trágica narrativa cleptocrática em que ficam presos muitos outros países ricos em recursos naturais”. O resultado viu-se. Isabel comprou a Forbes.
José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola desde 1979, é o chefe de Estado que governa há mais anos sem ser um monarca propriamente dito. Assim sendo, e com o apoio da comunidade internacional (UE, ONU, CPLP, UA etc.) que prefere negociar com ditadores (dos bons, é claro!) do que com democratas, inclui a família em todos os grandes negócios feitos em Angola ou com Angola. Nada mais transparente. Angola é o MPLA, o MPLA é Angola. E assim sendo…
Do ponto de vista mediático, mesmo no âmbito da Educação Patriótica que o regime pretende dar a todos os angolanos desde a barriga da mãe até à morte, Isabel dos Santos é a heroína do reino. Prova disso é dada pelo Pravda do regime (também conhecido por Jornal de Angola) que escreveu: “Estamos maravilhados por a empresária Isabel dos Santos se ter tornado uma referência do mundo das finanças. Isto é bom para Angola e enche os angolanos de orgulho.”
Os cronistas anti-regime (pobres e mal agradecidos) falam que o autor dos milagres da santa Isabel dos Santos é, isso sim, o seu pai que, no uso dos seus poderes (que gosta de dizer que são democráticos e que respeitam a tal Constituição), tem uma comissão em tudo quanto envolva dinheiro. Em Abril de 2015 foi notícia que todos os investimentos superiores a 10 milhões de dólares serão exclusivamente tramitados pelo Presidente da República
Isabel dos Santos, como bem defendem os cronistas e arautos caninos da manjedoura do regime, rejeita as insinuações de que seus negócios estão muito relacionados com a presidência vitalícia do seu pai. Faz sentido. Importa não esquecer que, como ela disse ao “Financial Times”, aos seis anos de idade vendia ovos como uma qualquer zungueira dos nossos dias.