Instalou-se em Angola um silêncio mórbido gerado por medo e vergonha próprios de crianças apanhadas em flagrante delito de besteira grossa.
Por Arlindo Santana
D epois de Kalupeteka ter sido eliminado por via duma carnificina conotada como sendo um mini-27 de Maio de 1997, seguiu-se o inconcebível, a negação da realidade por parte das autoridades angolanas, ao tentar esconder aos angolanos e ao mundo uma matança que vitimou mais, muito mais de mil pessoas, apanhadas sentadas, a rezar e sem armas.
O topo da pirâmide governativa, semelhante à parte de cima dum cesto de caranguejos, protegeu-se como sempre fez desde os primórdios da fundação do MPLA, erguendo muros de opacidade em torno da sua brutalidade letal, exprimiram-se os lacaios de média e alta patente, vociferaram ameaças os bajuladoras de baixo nível.
A primeira coisa que os arautos do regime vigente fizeram depois de lhes ter sido dado a conhecer o que se passou no dia 16 de Abril no monte Sumbe, foi empurrar todas as culpas do que aconteceu para cima da UNITA. O clássico arroto que alivia.
Lançados como estavam na defesa da sua dama, correram para as luzes da ribalta os comandantes, protagonizando cenas teatrais que Ionesco ou Arrabal, mestres do absurdo teatral, não desdenhariam.
No passado dia 21 de Abril, Raúl Danda, chefe da bancada parlamentar da UNITA, anunciou que havia centenas de mortos entre os membros da seita. No dia seguinte (22), o general Eugénio Laborinho veio a público dizer que tinha sido encontrado no santuário da Seita “Kalupeteka” um arsenal de guerra tendo o mesmo insinuado que o pastor da mesma foi soldado das extintas forças da UNITA. Mais tarde aconteceu o inaudito, quando esse oficial superior disse à comunicação social que afinal de contas foram apenas encontradas três armas de fogo no terreno.
Por seu lado, o segundo comandante geral da Policia Nacional, o comissário-chefe Paulo de Almeida, informou que não houve mortos da parte dos fiéis da Igreja, tendo argumentado que os agentes da Polícia Nacional sujeitaram-se a três horas de fogo intenso (xé!?) e que os seus homens não responderam porque havia velhos, mulheres e crianças a servir de escudo aos atiradores. Não obstante estes desmentidos, Raúl Danda, deu uma segunda de mão ao que tinha dito e declarou que os mortos da Caála eram 1080.
Desta vez a riposta veio da boca do comandante da Polícia Nacional no Huambo, comissário Elias Livulo. Eis o que ele disse: «Em reacção ao incidente, a UNITA indicou que terão morrido 700 a 1.080 cidadãos, enquanto fontes oficiais apontam a ocorrência de 13 mortes entre a população e 10 membros da polícia angolana, sendo nove no Huambo e um em Benguela».
Indignado, Elias denunciou a tentativa de “aproveitamento político” do incidente nas suas declarações à televisão estatal angolana, e, ao mesmo tempo, desafiou os autores dessa “propaganda barata” a exibirem factos que provem as suas alegações. Ponto final.
Depois destas brilhantíssimas intervenções, fez-se de novo um silêncio triste, ouviram-se entre suspiros em honra dos polícias vitimados na contenda com os seguranças de Kalupeteka, um molho de invectivas nas redes sociais por parte de bajuladores, militantes à espera de benesses e bufos da Secreta.
Chegou o dia 2 de Julho e falou o “Guia Mortal” a dizer (alegoricamente): «Não façam mais asneiras, senão vou bater a matar», e as coisas vão andando assim, em sucessivas tentativas de remeter ao silêncio o que se passou, por via de amedrontamento.
A mais recente façanha a registar deve-se à indesmentível perturbação mental que reina em muitas cabeças dos mentecaptos formatados pela intelligentzia angolana. Como paradigma desse desacato cerebral, veio uma vez mais a terreiro o insubstituível, provavelmente futuro ministro da Justiça, José Maria de Sousa.
O homem deslocou-se a Cabo Verde para participar no 13º Encontro dos Procuradores-Gerais da República da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que reuniu na capital cabo-verdiana, cidade da Praia, as delegações de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Macau (este último, na qualidade de observador).
Um dos temas do encontro foi a autonomia administrativa e financeira do Ministério Público. José Maria de Sousa não se fez rogado, garantiu, a sorrir de contentamento, que isso era coisa que existia em Angola. “A autonomia está consagrada na Constituição de 2010”, disse ele, acrescentando que o documento “é muito claro a este respeito”, como se a Constituição pudesse se transformar em juiz de todas as causas, para, enfim, rematar, “Não temos referências negativas a fazer”.
Claro que não e claro que sim.
Por um lado “não há dependência”, por outro “a lei prevê autonomia administrativa” e mais, “também prevê autonomia política, sendo esta “uma questão que nem sequer a lei prevê”. Sendo a prática, única e simplesmente, o lado negativo destas afirmações.
Em suma, este senhor presti-verbalizador também sabe negar a realidade.
Concluindo, uma longa e brilhante carreira por ele espera, não só no âmbito da justiça “à moda de cá”, mas também nos negócios, sem que neles pesem, dada a impunidade de que frui, as diferentes investigações feitas em Portugal sobre as suas engenharias financeiras.