O Ministério Público (MP) do regime acusou 17 jovens da preparação de uma rebelião e de um atentado contra o Presidente da República. Como o fariam? Bem. Segundo este órgão do regime, prevendo barricadas nas ruas e desobediência civil.
“O s arguidos planeavam, após a destituição dos órgãos de soberania legitimamente instituídos, formar o que denominaram ‘Governo de Salvação Nacional’ e elaborar uma ‘nova Constituição'”, lê-se na acusação, deduzida três meses depois das detenções.
Em causa está uma operação policial desencadeada a 20 de Junho de 2015, quando 13 jovens activistas angolanos foram detidos em Luanda, em flagrante delito segundo o regime, durante a sexta reunião semanal de um curso formação de activistas, para promover posteriormente a destituição do actual regime, diz a acusação.
Outros dois jovens foram detidos dias depois, permanecendo todos em prisão preventiva desde então, alguns dos quais em greve de fome há vários dias, considerando-se presos políticos. Duas jovens, também arguidas, aguardam o desenrolar do processo em liberdade.
Estão todos acusados da co-autoria material de um crime de actos preparatórios para uma rebelião e para um atentado contra o Presidente da República, no âmbito desse curso de formação que decorria desde Maio.
Segundo a acusação, reuniam-se aos sábados para discutir as estratégias e ensinamentos da obra “Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura, filosofia da libertação para Angola”, do professor universitário Domingos da Cruz – um dos arguidos detidos -, adaptado do livro “From Dictatorship to Democracy”, do norte-americano Gene Sharp.
“Uma vez cumprido o programa [do curso], que tinha a duração de três meses, partiriam para acção prática e concreta, pondo em execução os ensinamentos para o derrube do ‘regime’ ou do ‘ditador’, começando com greves, manifestações generalizadas, com violência à mistura, com a colocação de barricadas e queimando pneus em toda as artérias da cidade de Luanda”, refere a acusação.
“Os factos descritos evidenciam claramente que os arguidos participaram nas reuniões com vista a traçar estratégias e acções, tais como manifestações, greves e desobediência civil generalizada, conducentes à destituição do Governo e do Presidente da República e de outros órgãos de soberania do Estado”, lê-se.
Estas acções de rua teriam “realce” nas “imediações do aeroporto 4 de Fevereiro”, enquanto outros manifestantes marchariam em direcção ao palácio presidencial, também em Luanda, “com mulheres e crianças levando lenços brancos, esperando serem seguidos por grupos de todo o país para ‘destituir o ditador’, que para os arguidos é o Presidente da República, José Eduardo dos Santos”, acusa ainda o MP do regime.
“Contrariamente ao defendido e propalado pelos mesmos arguidos, a forma de destituição o Presidente da República expressa e claramente prevista na Constituição apenas pode ocorrer em situações de renúncia, auto-demissão política ou destituição judicial e não mediante as ditas ‘manifestações pacíficas'”, observa a acusação.
Sob alguns destes jovens activistas, com idades entre os 19 e os 33 anos, professores, engenheiros, estudantes e um militar, pendem ainda acusações de falsificação de documentos, mudança ilegal de nome e de furto de documentos.
“Os arguidos, que se auto-denominam também de jovens revolucionários e se dizem defensores dos direitos humanos e lutadores pela democracia, não respeitaram (nem respeitam), voluntária e conscientemente, os órgãos de soberania, a Constituição da República de Angola e as leis do país, nomeadamente a lei de reunião e manifestação”, diz o MP.
A acusação deu entrada a 16 de Setembro no Tribunal de Provincial de Luanda e o juiz encarregue do processo ainda terá de se pronunciar sobre as medidas de coacção, nomeadamente a possibilidade de liberdade provisória de 15 dos arguidos.
“Os arguidos são unânimes em reconhecer que ‘as eleições não mudam as ditaduras, muito menos a negociação vertical ou horizontal’, e que a rotura passa pela ‘destruição do sistema para trazer o novo’ sendo necessário desencadear o caos construtor do novo, o caos propiciador de uma nova ordem civilizacional, ao contrário da paz podre, de estabilidade do bálsamo e do lençol cadavérico que apesar da sua beleza, debaixo tem um morto em podrificação” [putrefação], conclui o despacho de acusação.
Depois de ler esta obra-prima do anedotário jurídico e político parida pelo regime, qualquer cidadão normal farta-se de rir. Os angolanos não se riem assim tanto porque a barriga vazia não deixa. Mas, mesmo assim, esboçam um sorriso. Mas têm de ter cuidado. É que sorrir pode indiciar um crime de rebelião e de tentativa de golpe de Estado.