Documentos secretos revelam que o gigante banco internacional HSBC, com sede em Londres, lucrou milhões de dólares ao fazer negócios com traficantes de armas, que forneceram morteiros para crianças-soldado em África, ditadores do Terceiro Mundo, traficantes de diamantes de sangue e outros bandidos internacionais. Nada de novo, portanto.
O s arquivos agora revelados, com base em investigações feitas na filial suíça de “private banking” do HSBC, dizem respeito a contas que acumulam valores superiores a 100 mil milhões de dólares (cerca de 88 mil milhões de euros, metade do PIB português).
Os documentos, obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação através do jornal francês Le Monde, denunciam relações do banco com clientes envolvidos em esquemas ilegais, especialmente em ocultar centenas de milhões de dólares das autoridades fiscais, onde também se encontram jogadores de futebol famosos, jogadores de ténis, ciclistas, estrelas de rock, actores de Hollywood, membros da realeza, políticos, executivos de empresas e membros de famílias tradicionalmente ricas.
Estas revelações dão uma luz sobre a relação do crime internacional organizado e a finança, por outro lado aumentam o conhecimento sobre o comportamento potencialmente ilegal e antiético do HSBC, um dos maiores bancos do mundo.
Os registos das contas revelados demonstram que alguns clientes fazem viagens até Genebra (Suíça) para levantar grandes quantidades de dinheiro, às vezes em notas usadas. Os arquivos também documentam a existência de enormes somas de dinheiro detidas por traficantes de diamantes que são conhecidos por operarem em zonas de guerra e venderam pedras preciosas para financiar conflitos armados, que causam um número de mortes incalculável.
O HSBC, que possui escritórios em 74 países e territórios, distribuídos por seis continentes, num primeiro momento insistiu com o consórcio de jornalistas para destruírem os documentos que obtiveram.
No passado mês, depois de ter sido informado de toda a extensão das conclusões da investigação jornalística, o HSBC deu uma resposta final, que foi mais conciliatória:
“Nós reconhecemos que a cultura de compliance – conjunto de disciplinas para fazer cumprir normas legais e regulamentares – e os padrões de diligências na Swiss private banking do HSBC, bem como na indústria em geral, foram significativamente menores do que são hoje”.
Na declaração escrita, o banco afirma que “deu passos significativos, ao longo dos últimos anos, para implementar reformas e excluir clientes que não encaixam nos novos padrões rigorosos do HSBC, incluindo aqueles em que tivemos preocupações em relação ao seu cumprimento de obrigações fiscais”.
O banco acrescentou que reorientou este seu ramo de negócios. “Como resultado deste reposicionamento, o Swiss private banking HSBC reduziu a sua base de clientes em quase 70% desde 2007”.
Os bancos esconderem dinheiro em paraísos fiscais e tem enormes implicações para as sociedades em todo o mundo. Estimativas conservadores feitas por académicos apontam que cerca de 7.600 mil milhões de dólares encontram-se em offshores, custando cerca de 200 mil milhões de euros aos tesouros nacionais.
“A indústria offshore é uma grande ameaça para as nossas instituições democráticas e para nosso contrato social básico”, afirma o economista francês Thomas Piketty, autor de O Capital no século XXI: “A opacidade financeira é um dos principais motores do aumento da desigualdade no mundo inteiro. Permite que uma grande dos mais ricos e dos grandes grupos económicos paguem impostos insignificantes, enquanto nós pagamos impostos elevados, para financiar bens e serviços (educação, saúde, infra-estruturas), que são indispensáveis para o desenvolvimento”.
Os arquivos secretos obtidos pelo consórcio de jornalistas – que abrange contas até 2007, associadas a mais de 100 mil pessoas individuais e colectivas de mais de 200 países – são uma versão a que o governo francês teve acesso e partilhou com outros governos em 2010, levando a processos ou acordos por evasão fiscal em vários países. Entre os países que receberam a documentação incluiu estão EUA, Espanha, Itália, Grécia, Alemanha, Grã-Bretanha, Irlanda, Índia, Bélgica e Argentina.