A acusação do regime angolano contra os 15 jovens detidos há uma semana e acusados de preparar um atentado contra o Presidente da República é “uma aberração”, considera o padre e activista de Cabinda Raul Tati.
E m entrevista à agência Lusa, em Lisboa, onde se encontra a fazer doutoramento, Raul Tati comentou a detenção dos 15 jovens detidos, no sábado passado, em Luanda, e a acusação do Ministério Público de que estariam a preparar um atentado contra o Presidente da República e outros membros dos órgãos de soberania. O jovens desse grupo ficaram em prisão preventiva, “por inconveniência da liberdade provisória”.
“Não faz sentido nenhum”, decreta Raul Tati, considerando que o regime está a “dar tiros nos próprios pés”, com um caso que “belisca” a “imagem de Angola diante da comunidade internacional”.
Raul Tati aponta o dedo ao sistema judicial, “problema” identificado em vários relatórios de direitos humanos. “Não há separação de poderes” em Angola, alerta Raul Tati. “Os tribunais são instrumentos usados para a repressão”, critica, lembrando que, mal os jovens foram detidos, “veio logo a terreiro o senhor procurador-geral da República dizer que essa detenção é legal, que foram apanhados em flagrante delito”.
Essa posição confirma que “os tribunais dependem do poder político”, que “entendeu que aqueles jovens eram uma `ameaça`”, analisa. “Devem ter uma força hercúlea para derrubar José Eduardo dos Santos do poder”, ironiza. “Quando se fala de ameaça, é preciso também calcular a credibilidade da ameaça”, sustenta, considerando que não houve “uma nesga de ponderação”.
Assumir, perante a opinião pública, que “há um pequeno grupo de jovens, estudantes, que estão a preparar o derrube do Presidente é mesmo uma coisa quixotesca”, observa.
O padre e activista justifica a atitude do regime com a sua natureza “violenta” e “repressiva”, que o leva a agir com “medidas de repressão em relação a qualquer manifestação que possa ir contra os interesses do poder instalado”.
Realçando que “os movimentos de libertação são geneticamente violentos”, o padre explica que “não admitem qualquer voz dissonante em relação àquilo que é a voz oficial”.
O clima em Angola é de “muita intolerância política”, sendo preciso recuar na história para o perceber. “Tivemos um regime monopartidário e monocórdico, com uma ideologia marxista-leninista que governou o país durante muito tempo”, recorda.
O chefe de Estado tem “poder absoluto”, resume. “Embora, formalmente, haja órgãos diversos de soberania”, na realidade “todos dependem do senhor Presidente da República”, havendo “uma subordinação desses órgãos”, realça.
Neste contexto, a sociedade civil encontra “muitos constrangimentos para se afirmar” no “espaço que lhe é de direito”, apesar dos “esforços” dos últimos anos.
“Muitos activistas, defensores de direitos humanos, não são bem quistos junto do regime em Angola”, que lhes aplica “medidas de repressão, como detenções arbitrárias”, constata.
A situação em Cabinda não é diferente. “A detenção de José Marcos Mavungo, a detenção do advogado Arão Tempo não são casos isolados, fazem parte de uma estratégia, da mordaça e da repressão que existe em Cabinda desde 1975”, identifica.
O activista José Marcos Mavungo e o advogado Arão Bula Tempo estão em prisão preventiva desde 14 de Março, dia em que se envolveram numa manifestação contra a violação dos direitos humanos no enclave angolano. Estão indiciados por alegados crimes contra a segurança do Estado, mas ainda sem acusação formal.
“Não é nada de novo. Passei por essa experiência e sei o que é que isso significa”, recorda Raul Tati, reconhecendo que quem não concorda “com o status quo” em Cabinda e “se afirma como consciência da nação” teve experiências semelhantes. “Já passaram pelas cadeias e, pelo andar da carruagem, muitos ainda passarão por aí”, antevê.