A tese de doutoramento da arquitecta Sílvia Viegas sobre Luanda analisa a situação da habitação na capital angolana desde 2002, alertando para situações imprevisíveis provocadas pela forma como os musseques são intervencionados pelo Estado.
“A qualificação do musseque é uma alegada intenção do Governo, mas na prática isso não existe”, disse à Lusa Sílvia Leiria Viegas, investigadora do Grupo de Estudos Socio-Territoriais, Urbanos e de Acção Local (GESTUAL) da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa.
Para a elaboração da tese “Luanda-Cidade (im)Previsível)”, a investigadora deslocou-se à capital angolana para perceber de que forma a cidade se está a consolidar em termos urbanos e habitacionais desde o início do novo milénio, coincidindo também com o fim da guerra civil (2002).
“Eu quis perceber o que é que o Governo angolano estava a fazer e quais os impactos no território. Quando reparei que havia uma determinada resistência da população, quis perceber essa dinâmica”, explicou Sílvia Leiria Viegas, que vai apresentar a investigação no dia 4 de Novembro na Sociedade de Geografia de Lisboa.
Segundo a arquitecta, a estratégia do executivo angolano consiste na construção das casas e na ideia de que através da dinamização da construção civil se vão criar empregos que podem fazer com que as pessoas ascendam à classe média.
“Mas isto não acontece assim. Tudo isto gera mais empobrecimento porque depois o Governo não tem capacidade de implementar as suas próprias políticas e acaba por limpar terrenos e expulsar as pessoas que se encontram em zonas mais centrais para a periferia, a 40 quilómetros, o que corresponde a quatro horas de carro. As pessoas gastam assim grande parte do seu mísero ordenado nos transportes e para chegar ao emprego”, afirmou Sílvia Viegas, sublinhando que a nova construção está a prejudicar a população.
“As pessoas empobrecem sobejamente ao serem colocadas na periferia, em benefício dos interesses privados que querem construir em altura no centro da cidade”, frisou a investigadora.
A tese refere que as projecções oficiais de 2010 apontavam para quatro milhões e 700 mil habitantes a residir em Luanda, ocupando uma área de 350 quilómetros quadrados, sendo que 80% dos quais habitam em musseques.
Por um lado, a tese refere que o Plano Nacional de Urbanismo e Habitação é vago sendo que a legislação sobre urbanismo atinge as populações mais desfavorecidas que acabam por ser expulsas para longe do centro.
“São processos muito violentos e o Governo não tem em conta as populações mais carenciadas. Em relação ao centro o que se quer é um novo Dubai. É a ideia da verticalização. Muita coisa tem sido demolida porque associada à modernidade há a ideia de uma cidade vertical”, considerou, sublinhando que não existe qualquer tipo de monitorização sobre o que está acontecer.
Entre muitos casos, é referida a “nova cidade do Kilamba” que, segundo a tese, configura o mais expressivo caso de expansão urbana “mercantilizável” da capital mas que, na realidade, aponta para cenários de grande exclusão e fragmentação social.
O caso do conjunto habitacional do Panguila também é referido para ilustrar que as opções, apesar das casas disponibilizadas, “inibem o acesso” dos habitantes realojados a infra-estruturas básicas.
O estudo refere ainda o caso da destruição do musseque Iraque-Bagdad, com despejo forçado e sem direito a reassentamentos ou realojamentos, para no local serem construídos condomínios para grupos sociais de médio e alto rendimento.
“A questão desta tese tem que ver não só com o direito à casa mas sobretudo com o direito à cidade e com tudo o que isso implica de benefício para as populações”, resumiu a arquitecta, acrescentando que Luanda é uma cidade imprevisível porque depende de dinâmicas complexas e das “forças” que estão por detrás: o Governo e a população.
“Como é que é possível controlar do ponto de vista urbanístico uma cidade que é incontrolável há mais de quarenta anos”, questionou a autora da tese sobre os novos fenómenos habitacionais da cidade de Luanda.